quinta-feira, 1 de outubro de 2009

EUA x IRÃ: UMA CRISE INVENTADA

EUA-Irã: Uma crise inventada

Sanções! Sanções! Sanções!


"É evidentemente claro que há mais do que a vista alcança nas ‘denúncias’ – até agora sem qualquer evidência que as comprove – feitas por EUA e aliados, em setembro, de que o programa nuclear iraniano visaria à produção clandestina de armas atômicas, presumivelmente para atacar outros países.

Prosseguindo nossa análise, eis algumas evidências que se devem considerar.

– Até hoje, não há qualquer evidência de que o Irã planeje ‘guerrificar’ seu programa de capacidade nuclear e produzir bombas atômicas. Até agora, o Irã tem respeitado os termos do Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares [ing. Non-Proliferation Treaty (NPT)]; tem repetido que não está produzindo armas nucleares; tem sido mantido sob estrita vigilância pela Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)]; e o programa iraniano, obviamente, está sob cerrada vigilância dos EUA. Não há meio possível pelo qual construir bombas atômicas nessas circunstâncias.

Israel possui arsenal de mais de 200 ogivas nucleares e não dá qualquer atenção nem à IAEA nem ao Tratado, do qual não é signatário. Se o presidente Barack Obama põe-se em posição da qual pode castigar o Irã (que não tem armas nucleares), por “quebrar regras que todas as nações devem respeitar (...) e ameaçar a estabilidade e a segurança da Região e do mundo”, por que blinda Israel contra qualquer sanção internacional e subsidia a máquina militar sionista? Paquistão e Índia tampouco assinaram o Tratado, mas também são aliados de Washington e, assim, também têm imunidade garantida.

– Nessa conexão, deve-se observar que o governo de extrema direita que há hoje em Telavive está sempre à beira de atacar o Irã e não faz segredo de suas intenções. Não recebe contudo qualquer advertência nem dos EUA nem de seus aliados europeus – sequer, de fato, pelo massacre que promoveu em Gaza há alguns meses.

Imagine-se, nessas circunstâncias, o que haveria, em termos de ‘protestos’, se o Irã realmente ameaçasse atacar Israel, ou se mandasse seus aviões e soldados invadirem território estrangeiro e atacasse sociedade limítrofe, e lá cometesse todo tipo de atrocidades, crimes de guerra, crimes de lesa-humanidade – ataques contra população civil desarmada ‘acusada’ de não se render a forças de ocupação e de opressão.

Pois Telavive declara que Irã seria “ameaça existencial”, apesar das bombas atômicas israelenses, apesar da superioridade militar de Israel e apesar de Israel contar com o apoio de todo o aparelho bélico dos EUA – e de mais 2.600 ogivas nucleares, todas em situação e posição de ser disparadas a um apertar de botão.

De fato, como já se disse, a única real ameaça à existência de Israel só poderá vir dos EUA: Israel não continuará a existir se perder o apoio político, militar e financeiro de Washington.

– Os interesses geopolíticos de Washington são a chave do relacionamento EUA-Irã e dos relacionamentos dos EUA em todo o Oriente Médio. Os EUA aspiram a controlar – ou, no mínimo, a manter longe de mãos “pouco amigáveis” – as imensas reservas de petróleo do Iran e do vizinho Iraque.

Os EUA temem qualquer futura aliança entre esses dois países em desenvolvimento (e riquíssimos em recursos naturais), países que, além do mais, são as duas únicas nações, em todo o mundo, governadas por muçulmanos xiitas.

Os EUA invadiram o Iraque e derrubaram o governo “não-amigo” de Saddam Hussein apoiado pelos sunitas. Mas não conseguem confiar totalmente no regime que sucedeu Saddam em Bagdá; nem conseguem derrubar o governo teocrático em Teerã, domesticamente conservador, mas agente muito ativo de política exterior anti-imperialista que muito tem incomodado as superpotências mundiais remanescentes.

O objetivo de Washington nas conversações que começarão dia 10/10 em Genebra é obrigar o Irã a aceitar cláusulas extremamente intrusivas de controle sobre seus projetos nucleares, combinando ameaças diretas no caso de o Irã não aceitar os controles, e pequenas recompensas por qualquer ação de concordância.

O governo de Teerã declarou que rejeitará qualquer pedido para que suspenda o enriquecimento de urânio – uma das principais preocupações dos cinco membros do Conselho de Segurança (‘mais’ a Alemanha) – mas declarou (sem entrar em detalhes) que “o Irã está pronto a colaborar para reduzir as preocupações internacionais relacionadas à questão nuclear”. (O urânio enriquecido é indispensável como combustível nas usinas nucleares para uso civil. Para armas, é preciso enriquecer o urânio muito acima do exigido para fins pacíficos.)

Washington quer limitar a discussão entre esses sete ao projeto nuclear iraniano, mas o governo iraniano já propôs, em proposta apresentada no início de setembro, que se façam “negociações amplas e construtivas, de uma agenda ampla”. Os EUA rejeitaram essa proposta no primeiro dia; mas, dia seguinte, com alguma relutância, a aceitaram. (Não se sabe o que teria acontecido, que levou a essa mudança de posição.) A proposta iraniana inclui apressar o desarmamento nuclear; o fim da proliferação de armas atômicas; e trabalho empenhado, de todos, para construir a paz. Em teoria, Washington partilha todos esses objetivos; mas não aceitará discuti-los com o Irã.

A Casa Branca sabe que numa discussão ampla sobre temas da não-proliferação nuclear, o Irã trará à discussão os casos dos três aliados dos EUA que atualmente desconsideram completamente o Tratado, sem serem jamais denunciados; e o Irã também argumentará que os próprios EUA desrespeitam o Tratado, posto que já deveriam ter conseguido reduzir, para começar, o próprio arsenal nuclear do Pentágono. Além disso, os EUA resistirão o mais que possam a discutir qualquer proposta iraniana que leve a acordo amplo para alcançar “paz global e segurança baseadas em justiça” e que inclua investigações sobre a agressão dos EUA ao Iraque e ao Afeganistão, e a violência desproporcional (por Israel) no Líbano e em Gaza.

O governo Obama quer, no mínimo, conseguir impor sanções ao Irã, se não obtiver qualquer outro tipo de ‘sucesso’ nos próximos meses – como exigem os neoconservadores norte-americanos, a direita em geral e todos os que são influenciados pelo Aipac [ing. American Israel Public Affairs Committee], que se autodesigna como “o lobby pró-Israel”.

Uma das razões que inspiram a pressa por sanções contra o Irã é a crença de que as sanções ajudariam a depor o governo de Mahmud Ahmadinejad, se possível, porque levariam a grave crise e conômica, ao desemprego, ao desespero e ao sofrimento, o que exacerbaria as tensões sociais internas da República Islâmica.

A última vez que Washington envolveu-se em aplicação de sanções foi no período 1991-2003; efeito daquelas sanções foi a morte de um milhão de iraquianos, número escandaloso de crianças, consequência direta da privação de alimentos, remédios e do consumo de água sem tratamento.

Se as sanções são ‘o mínimo’, o máximo seria autorizar Israel a atacar o Irã – ação que terá efeitos de ricochete, tão certo como há água no rio Hudson.

Depois do discurso de Pittsburgh, Obama declarou à imprensa que “não tiraria da mesa nenhuma alternativa” – frase que repetiu inúmeras vezes em relação ao Irã. A frase significa que a guerra ainda é alternativa a considerar, mesmo que só haja, de pretexto, uma questão relativamente menor: um prédio ainda em construção, vaz io, ainda não ocupado, planejado, com certeza quase total para produzir energia, não violência.

A hoje descrita como “frase de Obama” foi frase favorita de George W Bush, que a repetiu muitas vezes em relação também ao Irã. Em abril de 2006, em momento em que o vice-presidente Dick Cheney, os neoconservadores e seus apoiadores pressionavam a favor da guerra contra o Irã, a BBC noticiava que “Bush diz que todas as alternativas estão sobre a mesa, inclusive o uso da força”. É como se diz: quanto mais a coisa muda, mais continua na mesma...

Embora alguns em Washington tenham esperanças de que Ahmadinejad chegue enfraquecido às conversações de outubro, por causa dos clamores da oposição de que teria “roubado” a eleição de 12/6 no Irã, aí estão argumento e fator que não parecem ter qualquer peso. Até agora, passados já cem dias [três meses e meio] das eleições, ainda não apareceu qualquer prova de qualquer tipo da fraude eleitoral de que fala a oposição.

Enquanto a mídia nos EUA repete que Ahmadinejad estaria virtualmente sob sítio e em oposição à maioria dos iranianos, há informação confiável que sugere que essa versão seja, no mínimo, exagerada.

A agência Inter Press Service publicou o que segue, em artigo assinado por Jim Lobe, dia 19/9, intitulado: “Novas pesquisas mostram acentuado apoio doméstico ao regime no Irã”:

“Nova pesquisa de opinião pública no Irã sugere que a maioria, no país, apóia o presidente Ahmadinejad e as instituições básicas de seu governo. Quatro em cada cinco dos 1.003 iranianos entrevistados na pesquisa conduzida e divulgada pela WorldPublicOpinion.org, projeto do altamente respeitado Programa [de pesquisa] Política Internacional e Atitudes [ing. Program on International Policy Attitudes (PIPA)] da Universidade de Maryland, declararam que consideram Ahmadinejad o legítimo presidente do Iran.

62% dos entrevistados “confiam muito” na correção dos resultados divulgados das eleições, segundo os quais Ahmadinejad foi eleito com 62,6% dos votos, resultado anunciado poucas horas depois de encerrada a votação dia 12/6 e imed iatamente confirmado pelo Aiatolá Ali Khamenei, líder da República Islâmica. Para três de cada quatro entrevistados, a confirmação dos resultados, por Khamenei, foi correta.”

Não houve qualquer tipo de manifestações de massa, de agosto até 18 de setembro, quando milhares de manifestantes foram à rua, em Teerã, no que foi considerada uma tentativa de ofuscar as manifestações anuais patrocinadas pelo governo, de solidariedade à luta do povo palestino, no que se conhece no Iran como “Dia de Jerusalém”.

As manifestações, apenas duas semanas antes da abertura das conversações nucleares, visam obviamente a criar a impressão, para o resto do mundo, de que o presidente Ahmadinejad não seria representante nem manifestaria o desejo do povo iraniano. A Polícia tratou os manifestantes a pão-de-ló e com luvas.

Alguns manifestantes e alguns cartazes pareciam opor-se ao apoio que Teerã tem dado aos palestinos e ser contra a reeleição de Ahmadinejad. The Economist registrou brados de “Nem Gaza, nem Líbano! Só morrerei pelo Irã” – embora nenhuma das manifestações do “Dia de Jerusalém” jamais tenha sugerido que algum iraniano devesse morrer por Gaza ou pelo Líbano, alvos, nos dois casos, de agressão militar pelos israelenses. Também se ouviram gritos de “Morte à Rússia” e “Morte à China” – evidente protesto por os dois países não se terem unido a Israel e EUA nas ‘denúncias’ contra o governo de Ahmadinejad.

Em discurso pronunciado no mesmo dia, Ahmadinejad encarregou-se, ele mesmo, de puxar o tapete sob os próprios pés, em matéria de imagem ante a opinião pública internacional e, outra vez, repetiu que o Holocausto foi “uma mentira”. Espertamente, não repetiu a frase em seu discurso de 35 minutos à Assembléia Geral da ONU, em New York, dia 23/9. Discursou, sobretudo, sobre construir uma paz mundial durável e sobre a eliminação “de todas as armas nucleares, químicas e biológicas, como meio para preparar o caminho para que todas as nações do mundo tenham acesso a tecnologias avançadas de paz.”

Criticou os EUA e Israel, mas pareceu, de certo modo, contido. Segundo Sarah Wheaton, no blog do New York Times na mesma noite, disse que “os EUA colaboram para as ambições racistas de Israel”; chamou de “bárbaros” os ataques israelenses em Gaza, em dezembro; e disse que o bloqueio econômico contra os palestinos já alcançou proporções de “genocídio” – expressão que levou a delegação dos EUA e de dez outros países a deixar a sala. Israel não estava presente.

Pouco depois do discurso de Ahmadinejad, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse à Assembléia Geral: “O desafio mais urgente que essa ONU tem de enfrentar é impedir que os tiranos de Teerã cheguem a construir armas nucleares”. E conclamou os delegados a resistir ao “barbarismo” iraniano.

De volta a Israel, dia 26/9, segundo boletim da Associated Press de Jerusalém, "Netanyahu falou com a deputada-líder dos deputados, Nancy Pelosi e com vários senadores norte-americanos não identificados e disse-lhes que é chegada a hora de agir contra o Irã. Israel insiste em que a República Islâmica trabalha para produzir bombas atômicas. “Se não agirmos agora, agiremos quando?” – um funcionário citou expressão que teria ouvido do primeiro-ministro israelense (mas falou sem identificar-se, porque está proibido de falar com jornalistas). Também não informou que tipo de ‘ação’ Netanyahu teria recomendado para o momento atual, e urgente.

Mais cedo, o ministro dos Negócios Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, disse também que “a usina nuclear iraniana prova sem sombra de dúvida que a República Islâmica trabalha para ter armas atômicas”. E que “isso encerra a discussão sobre se o Iran está ou não desenvolvendo armas nucleares. É hora de as potências mundiais tirarem suas conclusões” – disse Lieberman à Rádio Israel. “Ninguém duvida que há lá um reator par a finalidades militares, não pacíficas.”

"O texto original, em inglês, está aqui: http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/KJ01Ak03.html."

FONTE: texto escrito por Jack A. Smith, do "Asia Times Online". O autor é editor da Hudson Valley Activist Newsletter, no estado de NY. É ex-editor do Guardian Newsweekly (US). Tradução: Caia Fittipaldi. Publicado hoje (01/10) no portal "Vi o mundo", do jornalista Luiz Carlos Azenha.

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