quinta-feira, 16 de junho de 2011

Emir Sader: “BALANÇO DO GOVERNO LULA: NEOLIBERALISMO VERSUS PÓS-NEOLIBERALISMO”


“O fim do governo Lula sinaliza momento propício para balanço do significativo debate diante da fisionomia inicial assumida pelo governo, responsável por rupturas que configuram o campo da esquerda brasileira desde então.

É sempre saudável voltar a um debate em que tantos se empenharam tanto, em que o poder das palavras parecia exorbitar e coisas de enorme gravidade foram declaradas impunemente. Mais ainda, poder voltar a isto à luz da realidade concreta introduz elementos de avaliação inquestionáveis, além da reiteração ou não do que se dizia na época.

A surpreendente evolução do governo Lula desmentiu a todos. A esquerda considerava que, sem ruptura clara como o modelo neoliberal, não se superaria a recessão nem haveria distribuição de renda. E que o governo Lula mantinha elementos essenciais da política econômica herdada de FHC –vide a presença de Antonio Palocci e Henrique Meirelles e postos-chave do governo.

Os setores mais radicalizados da esquerda consideravam que isso, somado à reforma da previdência, fazia do governo Lula um governo perdido, que havia “traído” a esquerda e capitulado diante da direita. Um governo a ser combatido frontalmente e com o qual haveria de se romper. Porque se tornaria a melhor modalidade de neoliberalismo, porque manteria o modelo, porque enganaria às classes dominadas.

Os setores de esquerda que optaram por ficar no PT, por sua vez, incorporaram tais críticas –especialmente aquelas feitas à política econômica e à reforma da previdência-, mas ressaltavam avanços, como no caso da política internacional, que havia inviabilizado a ALCA, e das políticas sociais.

Consideravam que tais contradições faziam da era Lula um governo “em disputa”, conforme terminologia daquele momento. Tomaram-no como campo de disputa hegemônica, construindo, assim, para a mudança da sua fisionomia.

Essas duas posições tinham sua própria lógica. Apoiada na trajetória da social-democracia em muitos países, a primeira posição, mais radical, apostava em uma “traição”, que implicava uma deterioração cada vez maior do governo Lula, aproximando-se ao de FHC. A ruptura reivindicava as posições originais do PT contra aquelas então adotadas. Assumia, inclusive, que somente se sairia do neoliberalismo a partir de ruptura radical com o capitalismo, seguida pela construção do socialismo –como se as condições para tanto estivessem dadas.

A posição dos setores que permaneceram no PT defendia o empenho na luta política e ideológica, de forma a permitir ao governo alterar sua rota. Tratava-se de exercer pressão no marco das contradições reconhecidas.

A trajetória do governo Lula acabou dando razão a essa segunda posição, de forma clara. O governo conseguiu superar a recessão herdada e desenvolveu políticas de distribuição de renda que, pela primeira vez, alteraram a desigualdade social no Brasil. Além disso, consolidou e estendeu política externa soberana e independente, e permitiu que o Estado recuperasse seu poder de indução do crescimento econômico. Especialmente a partir de 2005, momento em que as alas radicais saíam do PT por considerá-lo “traidor”, o governo Lula transitou para uma nova fase, que desembocou, cinco anos depois, na aprovação de 87% da população e rejeição de 4%, índices inéditos no país, em meio à brutal oposição da direita. Consolidou-se a polarização no campo político entre o governo (esquerda) e a direita, deslocando as outras forças, inclusive as mais radicais.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader. O artigo é a primeira parte do texto "Neoliberalismo versus pos-neoliberalismo: a disputa estratégica contemporânea", do dossiê sobre o balanço do governo Lula, na revista “Margem Esquerda” numero 16 –www.boitempoeditorial.com.br-, que contém também o artigo de Ricardo Antunes: “O Brasil da Era Lula”. Publicado no site “Carta Maior”
(http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=712) [imagem do Google adicionada por este blog].

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