segunda-feira, 25 de junho de 2012

O GOLPE DE ESTADO NO PARAGUAI E A AMÉRICA DO SUL


“O golpe desferido contra o governo de Fernando Lugo, no Paraguai, é importante sinal de alerta para as democracias e governos populares do Cone Sul.

Por Carlos Eduardo Martins, especial para o portal “Vermelho”


“Quais as razões para a sua imposição a nove meses do término do mandato popular do Presidente eleito, em plena realização da Rio+20, momento de forte liderança internacional brasileira, ignorando solenemente o apelo e a presença dos chanceleres da UNASUL e do MERCOSUL em território paraguaio, bloco este com quem o Paraguai possuía, em 2007, 45% do seu comércio exterior, sujeitando-se ainda à punição pela violação de suas cláusulas democráticas, que vão da expulsão do MERCOSUL ao fechamento de fronteiras e interrupção do fornecimento de energia, se tomarmos em consideração o “Protocolo de Ushuaia II”, ratificado pelos poderes executivos de todos os seus Estados?

QUESTÃO DA TERRA

O governo do presidente Lugo se elegeu com precária base parlamentar, em razão da tardia adesão dos movimentos sociais ao processo eleitoral, apoiando-se numa coalizão antipartido Colorado – partido esse que governou o Paraguai de 1947-2008 – onde destacou-se a presença do conservador Partido Liberal. Durante sua gestão, incapaz de obter maioria parlamentar, Lugo não pôde avançar em promessas chaves de campanha que confrontavam a oligarquia paraguaia, como a realização de reforma agrária, por exemplo. Formulou para isso um plano modesto que se estenderia até 2023 – baseado na eventual disponibilidade de créditos multilaterais e dotações orçamentárias governamentais – muito insuficiente para enfrentar a forte concentração da propriedade da terra e sua conexão com a grilagem.

Segundo Idilio Mendez Grimaldi, 85% das terras paraguaias estão nas mãos de 2% da população, a tributação corresponde a apenas 13% do PIB e a contribuição da propriedade imobiliária é de 0,04% contra rendas do agronegócio equivalentes a 30% do produto do país. A incipiente implementação da reforma agrária foi ainda parcialmente boicotada pela corrupção no INDERT, órgão encarregado de realizá-la.

Lugo ampliou recursos com a revisão do tratado de Itaipú e, no contexto do limitado orçamento, propiciou conquistas para a população paraguaia como a garantia de saúde pública gratuita e o estabelecimento do “Tekoporá”, programa de renda mínima que alcançou aproximadamente 93 mil famílias, gerando tensões com o congresso, que quis lhe cortar os recursos, e respostas na mobilização popular para aprová-los.

MONSANTO E ESTADOS UNIDOS

O governo estabeleceu certa confrontação com a “Monsanto” no que tange à questão da liberação de sementes transgênicas, não autorizando o plantio dessas variações de sementes de algodão, ainda que a plantação de soja transgênica, principal cultivo de grãos do país, tenha permanecido amplamente liberada.

Quanto à relação com os Estados Unidos, ganhou destaque a questão militar. Em setembro de 2009, Lugo não renovou o programa de cooperação estabelecido na presidência de Nicanor Duarte que permitiria o ingresso, em solo paraguaio, de 500 militares estadunidenses com imunidade diplomática para “treinamento operacional”. Questionado sobre o episódio, o então comandante das forças armadas, Cíbar Benitez, o minimizou e relatou haver programas de cooperação militar permanentes com os Estados Unidos no Paraguai para assuntos internos, como a colaboração com atividades policiais.

Cerca de um mês após essa recusa, Lugo trocou todo o comando militar do Estado, em função de tentativa de golpe que havia sido detectada. O governo foi, ainda, assediado pela reunião de 21 generais estadunidenses com a Comissão de Defesa da Câmara, em meados de agosto de 2011, para a construção de uma base militar, que foi reivindicada pelo líder da UNACE – “União Nacional de Cidadãos Éticos”, dissidência do Partido Colorado e terceira força parlamentar –, como necessária para conter as ameaças representadas pela Bolívia e Venezuela bolivarianas. Rechaçou-se essa alternativa. Por outro lado, Lugo havia aceitado programas como a “Iniciativa Zona Norte” – que permitia a ampla presença militar estadunidense em programas para combater o crime organizado e de ajuda social sob o controle da USAID – e substituiu o Ministro da Defesa Luis Bareiro Spaini, que se opôs ao programa, a pedido da Embaixadora dos Estados Unidos, Liliana Ayalde.

AS RAZÕES DO GOLPE

Esse pequeno histórico do processo paraguaio demonstra a limitação da presença do governo Lugo no aparato de Estado paraguaio, sua forte penetração pelo grande capital local e pelos interesses norte-americanos. Por que então o golpe de Estado, quando praticamente se encerra a experiência de um tímido governo popular, arriscando as relações do país com seus vizinhos regionais de quem depende tanto comercialmente e no plano energético?

Duas hipóteses complementares despontam com força:

a) O golpe tem a função de criar o ambiente de terror para impedir que as organizações populares e a “Frente Guazu” (“Frente Ampla” em guarani) possam eleger um novo presidente com forte base parlamentar capaz de respaldar mobilizações populares e programas muito mais amplos. Para isso, é fundamental destruir a “TV Pública” – oásis de informação num ambiente midiático dirigido pelos grandes proprietários donos de jornais e cadeias televisivas – e fraudar ou adiar as novas eleições;

b) O golpe tem, ainda, o papel de modificar o tabuleiro geopolítico da região, criando no Paraguai – em razão de sua localização territorial estratégica, disponibilidade de reservatórios de água doce e de fontes energéticas, que afetam principalmente o Brasil e Argentina, ou proximidade das reservas de gás da Bolívia – uma fonte de contenção e desestabilização dos governos de esquerda e centro-esquerda da região. Tal projeto se articula fortemente com o imperialismo estadunidense e se consolida com a instalação de bases militares [dos EUA] no país. Só esse vínculo, combinado com o desespero da direita paraguaia, poderia dar-lhe imaginariamente a força suficiente para confrontar vizinhos regionais muito mais poderosos.

O golpe de Estado se estabelece no elo mais fraco da cadeia de governos progressistas da região e sinaliza que as velhas estruturas da dependência, que combinam as oligarquias locais com o imperialismo, estão vivas. Elas querem condenar nossos povos ao subdesenvolvimento, à pobreza e à extrema desigualdade de renda e riqueza, lançando-se contra qualquer processo democrático que não seja simulacro ou teatro de fantoches e proporcione avanços reais aos trabalhadores e às grandes maiorias. Será tarefa das lideranças políticas e do pensamento social ultrapassar essas barreiras na década que se inicia.”

FONTE: escrito por Carlos Eduardo Martins, Professor-Adjunto e Chefe do Departamento de Ciência Política da UFRJ, Doutor em Sociologia (USP), autor de “Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina” (Ed. Boitempo 2011). Artigo transcrito no portal “Vermelho” (
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=186717&id_secao=7) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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