quinta-feira, 7 de junho de 2012

Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas: "'VEJA' DEVE EXPLICAÇÕES AO PAÍS"

Celso Schröder
“VEJA” DEVE EXPLICAÇÕES AO PAÍS, afirma o jornalista Celso Schröder, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) desde 1986,

“A CPI realizada pelo Congresso Nacional que tenta investigar a influência do bicheiro Carlinhos Cachoeira sobre o poder público acabou suscitando debate tão inesperado quanto necessário no país: a relação da mídia com as esferas de poder, sejam elas políticas ou econômicas.

A Polícia Federal identificou cerca de 200 conversas telefônicas entre o diretor da sucursal da revista “Veja” em Brasília, Policarpo Júnior, e o contraventor. A divulgação dessas escutas mostra que Cachoeira pautava a publicação da editora Abril, que se deixava levar pelos interesses políticos de um empresário fortemente ligado ao senador Demóstenes Torres (ex-DEM).

Diante desse cenário, alguns parlamentares têm defendido a convocação de Policarpo para depor na CPI, mesmo que o relator Odair Cunha (PT-MG) já tenha rejeitado pedido de informações a respeito. Para o presidente da “Federação Nacional dos Jornalistas” (FENAJ), Celso Schröder, a revista precisa explicar o que guiou sua prática jornalística nesse episódio. “A Veja tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo”, entende.

Nesta entrevista ao “Sul21”, Schröder avalia a conduta da revista nesse e em outros episódios e defende a necessidade de marco regulatório para a comunicação no país.

“A ATUAÇÃO DA ‘VEJA’ FOI UM ANTIWATERGATE”

Sul21: O que a CPI do Cachoeira pode nos dizer sobre a mídia brasileira?


Celso Schröder: A CPI está nos mostrando que a mídia é uma instituição como qualquer outra e precisa estar submetida a princípios públicos, na medida em que a matéria-prima do seu trabalho é pública: a informação. Quanto menos pública essa instituição for e mais submetida aos interesses privados dos seus gestores ela estiver, mais comprometida ficará a natureza do jornalismo. Como qualquer instituição, a mídia não está acima do bem e do mal, dos preceitos republicanos do Estado de Direito e do interesse público. Do ponto de vista político, a Veja confundiu o público com o privado. Do ponto de vista jornalístico, comete um pecado inaceitável: estabelecer relação promíscua entre o jornalista e a fonte. Não é só um repórter, mas é a organização, a chefia da empresa, que conduz e encaminha uma atividade tecnicamente reprovável e eticamente inaceitável. Todo jornalista sabe, desde o primeiro semestre da faculdade, que a fonte é um elemento constituidor da notícia na medida em que ela for tratada como fonte. A fonte tem interesses e, para que eles não contaminem a natureza da informação, precisam ser filtrados pelo mediador, que é o jornalista. A fonte, ao mesmo tempo em que dá credibilidade e constitui elemento de pluralidade na matéria, por outro lado, se não for mediada e relativizada pelo jornalista, pode contaminar o conteúdo.

Sul21: Em que pontos a relação entre Policarpo Júnior e Cachoeira extrapolaram uma relação saudável entre repórter e fonte?


CS: Ele não tratou o Cachoeira como fonte. O problema é um jornalista ou uma empresa jornalística atribuir a alguém uma dimensão de fonte única, negociando com ela o conteúdo e a dimensão da matéria e, principalmente, conduzindo a “Veja” para uma atuação de partido político. Esse é um pecado que a “Veja” vem cometendo há algum tempo. A oposição no Brasil é muito frágil. Por não existir uma oposição forte, a imprensa assume esse papel, o que é distorção absoluta. A imprensa não tem que assumir essa função, a sociedade não atribui a ela uma dimensão político-partidária, como a “Veja” se propõe. A “Veja” acaba de nos produzir um dos piores momentos do jornalismo. Quando houve o episódio da tentativa de invasão do apartamento do ex-ministro José Dirceu (PT) por um repórter da “Veja”, eu escrevi um artigo dizendo que, assim como “Watergate” tinha sido o grande momento do jornalismo no mundo, a atuação da “Veja” no quarto de Dirceu foi um “antiWatergate”. Mal sabia eu que teríamos momento ainda pior. Não foi a ação individual de um repórter sem capacidade de avaliação. Foi uma ação premeditada e sistêmica de uma empresa de comunicação, de um chefe que conduzia seu repórter para uma ação imoral, tangenciando perigosamente a ilegalidade.

“PRINCÍPIOS ELEMENTARES DO JORNALISMO FORAM ABANDONADOS”

Sul21: O mesmo pode ser dito para o episódio recente entre Policarpo Júnior e Cachoeira?


CS: Neste momento, isso se consolida. É uma revista que coloca em jogo a matéria-prima básica da sua existência: a credibilidade. Parece-me suicídio, inclusive do ponto de vista de um negócio jornalístico. A não ser que a “Veja” esteja contando com um outro tipo de financiamento, ou já esteja sendo subsidiada por outro mecanismo que não seja decorrente da credibilidade e da inserção no público. Não temos dados concretos sobre isso, mas tudo leva a crer que, neste momento, o financiamento da “Veja” esteja se dando por outro caminho. O comprometimento e o alinhamento inescrupuloso da revista a uma determinada visão de mundo conduz à ideia de que a “Veja” possa ter aberto mão de ser um veículo de comunicação para ser um instrumento político com financiamento desse campo.

Sul21: Mas a revista já passou por períodos em que era mais comprometida com o jornalismo. Como ocorreu essa mudança?


CS: Não é de agora que a “Veja” vem dando indícios de que abre mão de um papel de referência jornalística. A “Veja” foi fundamental para a redemocratização do país, foi referência para jornalistas de várias gerações e teve em sua direção homens como Mino Carta. Depois de certo tempo, a revista começa a alinhar-se a determinado grupo social brasileiro. É claro que os editores da revista têm opiniões e cumprem um papel conservador no país. Tudo bem que isso aconteça nas dimensões editoriais. Agora, que se reserve ao jornalismo informativo um espaço de discussão com contrapontos. Princípios elementares do jornalismo foram sendo abandonados e essa revista, que foi importante para a democracia e para o jornalismo, passa a ser exemplo ruim que precisa ser enfrentado.

“A VEJA PRATICOU MAU JORNALISMO E DEVE PRESTAR CONTAS”

Sul21: Como o senhor vê a possibilidade de Policarpo Júnior ser convocado para depor na CPI?


CS: Tenho visto declarações de alguns políticos, como da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que diz que o envolvimento do Policarpo nisso representa “ataque à imprensa”. Os jornalistas não estão acima da lei e não podem estar acima dos princípios republicanos. Se ele for convocado pela CPI, tem o direito de não ir. Se ele for, tem o direito de exercer a prerrogativa do sigilo de fonte. Mas a convocação não representa ameaça. A “Veja” tem que dar explicações ao Brasil. É preciso explicar como ela exerce a atividade jornalística com essas veleidades, com descompromisso e irresponsabilidade em relação a princípios éticos e técnicos consagrados pelo jornalismo. Questionar isso é fundamental. Os jornalistas e a academia têm obrigação de fazer esse questionamento.

Sul21: Nesse sentido, não seria válido também convocar o presidente do Grupo Abril, Roberto Civita?


CS: Parece que seria deslocar o problema. Na CPI, a “Veja” é um dos pontos. O problema é a corrupção entre o Cachoeira e o Parlamento brasileiro. Um depoimento do Civita geraria um debate que desviaria os trabalhos da CPI. Não há dúvida de que a “Veja” praticou mau jornalismo e deve prestar contas. A CPI tem gravações de integrantes da revista com o bicheiro. Que eles sejam convocados, então. Não é pouca coisa trazer o chefe da sucursal da “Veja” em Brasília para depor.

“A FENAJ NÃO VAI PROTEGER JORNALISTAS CRIMINOSOS”

Sul21: As críticas à “Veja” costumam ser rebatidas com argumentos que valorizam o trabalho supostamente investigativo feito pela revista, com diversas denúncias de corrupção. Entretanto, as gravações entre Policarpo e Cachoeira revelam como funcionava a engenharia que movia algumas dessas denúncias.

CS: Há certa sensação de que estamos vivendo momento de corrupção absoluta no país. E isso está longe de ser verdade. Basta olhar a história e ver que agora temos instituições democráticas funcionando. A imprensa cumpre papel democrático e fiscalizador importante com a denúncia. O problema é que alguns setores, ao fazerem denúncias, atribuem papel absoluto à ideia da corrupção. No caso da “Veja”, o pior de tudo é que a própria revista estava envolvida. Não é só mau jornalismo sendo praticado. Há indícios perigosos de locupletação – que não precisa ser necessariamente financeira. Pode ser uma troca de favores, onde o que a “Veja” ganhou foi a constituição de argumentos para uma atuação política, não jornalística. Como se fosse o partido político que a oposição não consegue ser. Se a imprensa se propõe a esse tipo de coisa, volta a patamar de atuação do século 18. Se é para ser assim, que a revista mude de nome e assuma o alinhamento a determinado partido. Agora, ao se apresentar como espaço informativo, a “Veja” precisa refletir a complexidade do espaço político brasileiro. Se ela não faz isso, está comprometendo o jornalismo e tangenciando uma possibilidade de ilegalidade que, se houver, precisa ser esclarecida. A FENAJ não vai proteger jornalistas criminosos.

“[A GLOBO] ACOSTUMOU-SE A IMPOR SEUS INTERESSES AO PAÍS”

Sul21: A revelação desse modus operandi da “Veja” está gerando discussão quase inédita no país: a mídia está debatendo a mídia. A revista “CartaCapital” tem dedicado diversas capas ao tema e a “Record” já fez uma reportagem sobre o assunto. É um fenômeno comum em outros países, mas até então não ocorria no Brasil.


CS: Nos anos 1980, quando a FENAJ propôs uma linha para a democratização da comunicação, partimos da compreensão de que a democratização do país não havia conseguido chegar à mídia. O sistema midiático brasileiro, ao contrário de todas as outras instituições, não havia sido democratizado. Temos cinco artigos da Constituição nessa área que não estão regulamentados. Durante 30 anos, tivemos diversas iniciativas de tentar construir esse debate. A lógica da regulamentação existe em todos os países do mundo. Mas, no Brasil, isso enfrenta resistências de uma mídia poderosa, que fez os dois primeiros presidentes da República após a democratização. Sarney e Collor são dois políticos que saíram dos quadros da “Rede Globo”. Na presidência do Congresso, tivemos outros afilhados da “Rede Globo”, como Antonio Carlos Magalhães, que também foi ministro das Comunicações. A mídia não só está concentrada, no sentido de ter monopólios, como está desprovida de qualquer controle público. Está absolutamente entregue à ideia de que a “liberdade de expressão” é a “liberdade de expressão dos donos da mídia”. Enquanto que o preceito constitucional diz que a liberdade de expressão é do povo, e o papel da mídia é assegurar isso.

Sul21: Quanto se conseguiu avançar nesse debate desde então?


CS: Estamos há 30 anos pautando esse debate até chegarmos à CONFECOM (Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009). A FENAJ consegue constituir a ideia de que esse debate precisa ser público, já que ele é omitido pela mídia, que atribui a essa discussão uma tentativa de censura. A CONFECOM, no início, teve a anuência das empresas. Eu fui junto com os representantes da RBS e da Globo aos ministros Helio Costa (Comunicações), Tarso Genro (Justiça) e Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) propor a conferência. As empresas compreendiam que, naquele momento, a telefonia estava chegando e ameaçava um modelo de negócios. Mas, durante a CONFECOM, a “Rede Globo” e todos os seus aliados se retiraram, tentando sabotar mais uma vez o debate. O espírito conservador está no DNA da “Rede Globo”. Ela acostumou-se à ideia de que, para o seu negócio, não deve existir nenhuma regra. Acostumou-se a impor seus interesses ao país e, portanto, é ontologicamente contra qualquer regra. Naquele momento em que a Globo se retirou da CONFECOM, ficou claro que não é possível contar com esses empresários para qualquer tipo de tentativa de atribuir à comunicação no Brasil uma dimensão pública, humana e nacional, regida por princípios culturais, democráticos e educacionais, não simplesmente pelo lucro fácil e rápido.

“JORNALISMO NÃO É VENDA DE ANÚNCIOS”

Sul21: O editorial do jornal “O Globo” defendendo a revista “Veja” é um indício de que há corporativismo muito grande entre os donos da mídia tradicional?


CS: O princípio que os une é aquele verbalizado pela “Sociedade Interamericana de Imprensa”: “Lei melhor é lei nenhuma”. As empresas alinhadas à ideia de que não podem estar submetidas à lei protegem-se. Abrigadas no manto de uma liberdade de expressão apropriada por elas, protegem seus interesses e seus negócios, atuando de maneira corporativa e antipública. O jornalismo é fruto de atividade profissional, não é fruto de negócio. Jornalismo não é venda de anúncios. Jornalismo é, essencialmente, o resultado do trabalho dos jornalistas. Portanto, a obrigação dos jornalistas é denunciar sempre que o jornalismo for maculado, como ocorreu com a “Veja”. Seria, também, obrigação das empresas jornalísticas, na medida em que elas não estejam envolvidas com esse tipo de prática. Ao tornarem-se cúmplices e acobertarem esse tipo de prática, as empresas aliam-se a elas. Essas empresas disputam o mercado, mas protegem-se no que consideram essencial, no sentido de inviabilizar a ideia de que exercem atividade submetida aos interesses públicos, como qualquer outra.”

FONTE: entrevista realizada pelo jornalista Samir Oliveira, para o “Sul21”, com o jornalista Celso Schröder, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) desde 1986. Transcrita no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=185165&id_secao=1) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

Um comentário:

Probus disse...

04/06/2012: Control C + Control Veja

No centro do furacão desde que vieram à tona suas relações no mínimo pouco éticas com os bandidos da quadrilha de Carlinhos Cachoeira, a revista Veja parece ter perdido toda a noção de ridículo. Sua capa desta semana é uma farsa: o “documento” que a semanal da Abril alardeia ter sido produzido pelo PT como estratégia para a CPI de Cachoeira é, na verdade, um amontoado de recortes de reportagens de jornais, revistas e sites brasileiros.

http://www.cartacapital.com.br/politica/control-c-control-veja/?autor=28