Por Rogério Guimarães Oliveira
“Lendo o artigo de Eliakim Araújo, abaixo, me reporto a algumas previsões minhas, feitas há algumas semanas.
Previ que a imprensa iria, literalmente, “enquadrar” o STF e seus ministros, colocando-os sob a passarela e os holofotes de noticiários afobados, sendo comentados por âncoras e repórteres tendenciosos, tudo na tentativa de se produzir um julgamento pautado e com final pré-determinado. Por incrível que pareça, as previsões, quase todas, se confirmaram.
O STF seguiu o script que lhe foi apresentado e produziu um de seus julgamentos mais demorados e mais filmados em “real time” da história da imprensa brasileira, talvez o mais comentado de todos. E, de todas as previsões que fiz, só não se confirmou aquela de que haveria absolvição à maioria dos réus, principalmente por algo que já despontava gritante desde o início do processo: a falta de provas. Pois o STF, de fato, contrariando essa expectativa, inovou, acabando por condenar metade dos réus, em especial o chamado “núcleo político” do dito escândalo do mensalão, mesmo à míngua de provas.
Lamento que as condenações ocorridas não tenham sido produzidas a partir de provas reais e concretas, pois quem faz, comprovadamente, algo que é errado e nocivo à sociedade deve, sim, ser condenado. Porém, isso só pode ocorrer com amparo na prova, como sempre foi no direito penal brasileiro. Todavia, desta vez e neste específico caso, o STF inovou, ao adotar teses doutrinárias que, convenhamos, num país como o Brasil, são para lá de duvidosas, além de grandemente perigosas à nossa ainda jovem democracia. Preferiria ver o José Dirceu e o José Genuíno, por exemplo, condenados sob a comprovação dos crimes a eles imputados.
Porém, a pressão do espetáculo foi mais forte. E o Supremo utilizou, ao que parece, pela primeira vez em seus julgados, a denominada “teoria do domínio do fato” para condenar os réus políticos do processo. O problema reside em que tal teoria admite a condenação criminal de alguém sem a presença de provas, a partir tão-só de suposições.
Entendo que o precedente é perigoso porque, a partir de agora, o STF deu a senha para que seja tal tese utilizada por todo o Poder Judiciário. Através dela, denúncias afobadas do MP poderão ser recebidas, com instauração de processos criminais cujos objetivos podem estar longe da aplicação, tão-só, da lei penal, com a geração de julgamentos de políticas de governo de qualquer instância ou nível, com a criminalização e condenação de pessoas sem mais a exigência da prova, mas mediante meras suposições.
Como temos problemas do Poder Judiciário, com vícios de origem até na própria indicação dos integrantes da mais alta Corte Brasileira (o que é uma opinião unânime entre juristas e demais analistas), deve-se perguntar: será que o julgamento do mensalão promoveu alguma coisa efetivamente benéfica à democracia e ao Estado Democrático de Direito de nosso país? Que tipo de paradigma é esse que foi criado, se o projetarmos para o futuro?
Isso tudo preocupa não só pelo que aponta Eliakim no seu artigo (obediência do STF a um cronograma de julgamento e a resultado pré-definidos pela imprensa conservadora do país, entre outros). Preocupa porque o julgamento desses políticos, realizado pelo STF, foi e está sendo apresentado pela imprensa como se fosse o julgamento de um partido e de um governo, o que dá uma feição descaradamente político-partidária, não-jurídica, ao resultado do trabalho do STF. E isso acaba se complicando mais ainda, exatamente, pelo fato de a Suprema Corte condenar os réus sem provas, baseada apenas em suposições, em ilações.
A ministra Carmen Lúcia está correta ao dizer que o uso de dinheiro dos empréstimos bancários para cobrir “caixa dois” de campanha, como na tese de defesa apresentada por alguns dos réus, é algo grave e que ofende a sociedade. Todavia, a ministra deveria ter levado em consideração que a denúncia apresentada pelo MP não era de uso do dinheiro para “caixa dois” e sim para ser pago, como propina, a parlamentares e partidos da base de apoio do governo da época. Não pode a mais alta Corte do país, pelo fato de estarem seus integrantes sendo retratados nos tele-noticiários em todo país, esquecerem-se de que um julgamento criminal deve pautar-se pelos elementos do processo, nos estritos limites da denúncia.
Engana-se quem pensa que a imprensa tradicional do país leva a sério prática (confirmada ou não) de mensalão pelos políticos do país.
Basta ver que a mesma imprensa jamais reverberou as mesmas cobranças do Poder Judiciário em relação a outros dois conhecidos mensalões, os quais, por sinal, permaneceram totalmente esquecidos pelo MP e desconhecidos pelas instâncias judiciárias. O primeiro é o mensalão “mineiro” [eufemismo para disfarçar que é do PSDB], em que o governador tucano Eduardo Azeredo estava envolvido até as barbas, um esquema no qual era mestre-administrador o mesmo Marcos Valério agora condenado. E o outro é o mensalão do Partido Democratas, envolvendo o governador do DF, Roberto Arruda (DEM).
Pergunta-se: onde estão as denúncias, as CPIs e os julgamentos do Poder Judiciário sobre esses outros dois mensalões? Por que a mídia simplesmente os abandonou?
Querem um exemplo mais antigo de mensalão? O do FHC, para aprovar a emenda constitucional para assegurar sua reeleição [e manutenção do PSDB, DEM e PPS no poder], com pagamentos realizados e favores prestados a uma enorme quantidade de parlamentares do Congresso, como se tornou público e notório na segunda metade dos anos 90.
Na sequência, tivemos ainda o escândalo econômico-político e financeiro do mesmo FHC, envolvendo os bancos "Marka" e "Fonte Cindam", em janeiro de 1999, quando o real perdeu três vezes seu valor frente ao dólar, levando muitas empresas à quebra.
Querem um outro caso mais atual? Vejam o que ocorre com o, há pouco, estrondoso escândalo do Carlinhos Cachoeira. Como se pode constatar hoje, nos telejornais, esse é um caso que foi totalmente esquecido e abandonado na pauta da grande imprensa do país. Isso ocorreu, coincidentemente, na medida em que começou a aparecer o governador tucano de Goiás, Marconi Perilo, envolvido até as barbas com as falcatruas do bicheiro.
Preocupa-me que o Judiciário, especialmente a mais alta Corte de Justiça do país, se curve ao que lhe imponha e lhe dite a imprensa tradicional brasileira, que é tão ou mais venal e corrompida do que os mais venais e corrompidos políticos do país. Preocupa-me um Poder Judiciário integrado por magistrados vaidosos, que se deixam seduzir por holofotes e câmeras de TV. Que, em troca da grande vitrine propiciada por uma imprensa para lá de tendenciosa e manipuladora, acabe produzindo julgamentos de encomenda, mais políticos do que jurídicos, como ocorreu neste chamado escândalo do Mensalão.
Talvez esse seja [o do Poder Judiciário] um escândalo ainda muito maior, envolvendo um Poder de Estado, ocorrendo sob os olhos de todos e com muita pouca gente percebendo o perigo que ele representa aos interesses de uma democracia ainda em processo de consolidação, como a nossa.”
FONTE: escrito por Rogério Guimarães Oliveira, advogado. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-mensalao-a-vaidade-e-a-midia).
COMPLEMENTAÇÃO
“A VERDADE É UMA QUIMERA”. É assim no STF
“O que nós assistimos foi ao linchamento do ‘mensalão’. Mas que diabo é mesmo ‘mensalão’?”, pergunta o amigo navegante.
O portal "Conversa Afiada" exibe vídeo edificante, por sugestão do amigo navegante João:
“A verdade é uma quimera”. Ganha um prêmio quem adivinhar de que ministro é esta frase. Mas para concorrer com 100% de segurança, veja primeiro este vídeo por inteiro.
Insisto: o que nós assistimos foi ao linchamento do “mensalão”. Mas que diabo é mesmo “mensalão”?
FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/2012/10/15/a-verdade-e-uma-quimera-e-assim-no-stf/).
“Lendo o artigo de Eliakim Araújo, abaixo, me reporto a algumas previsões minhas, feitas há algumas semanas.
Previ que a imprensa iria, literalmente, “enquadrar” o STF e seus ministros, colocando-os sob a passarela e os holofotes de noticiários afobados, sendo comentados por âncoras e repórteres tendenciosos, tudo na tentativa de se produzir um julgamento pautado e com final pré-determinado. Por incrível que pareça, as previsões, quase todas, se confirmaram.
O STF seguiu o script que lhe foi apresentado e produziu um de seus julgamentos mais demorados e mais filmados em “real time” da história da imprensa brasileira, talvez o mais comentado de todos. E, de todas as previsões que fiz, só não se confirmou aquela de que haveria absolvição à maioria dos réus, principalmente por algo que já despontava gritante desde o início do processo: a falta de provas. Pois o STF, de fato, contrariando essa expectativa, inovou, acabando por condenar metade dos réus, em especial o chamado “núcleo político” do dito escândalo do mensalão, mesmo à míngua de provas.
Lamento que as condenações ocorridas não tenham sido produzidas a partir de provas reais e concretas, pois quem faz, comprovadamente, algo que é errado e nocivo à sociedade deve, sim, ser condenado. Porém, isso só pode ocorrer com amparo na prova, como sempre foi no direito penal brasileiro. Todavia, desta vez e neste específico caso, o STF inovou, ao adotar teses doutrinárias que, convenhamos, num país como o Brasil, são para lá de duvidosas, além de grandemente perigosas à nossa ainda jovem democracia. Preferiria ver o José Dirceu e o José Genuíno, por exemplo, condenados sob a comprovação dos crimes a eles imputados.
Porém, a pressão do espetáculo foi mais forte. E o Supremo utilizou, ao que parece, pela primeira vez em seus julgados, a denominada “teoria do domínio do fato” para condenar os réus políticos do processo. O problema reside em que tal teoria admite a condenação criminal de alguém sem a presença de provas, a partir tão-só de suposições.
Entendo que o precedente é perigoso porque, a partir de agora, o STF deu a senha para que seja tal tese utilizada por todo o Poder Judiciário. Através dela, denúncias afobadas do MP poderão ser recebidas, com instauração de processos criminais cujos objetivos podem estar longe da aplicação, tão-só, da lei penal, com a geração de julgamentos de políticas de governo de qualquer instância ou nível, com a criminalização e condenação de pessoas sem mais a exigência da prova, mas mediante meras suposições.
Como temos problemas do Poder Judiciário, com vícios de origem até na própria indicação dos integrantes da mais alta Corte Brasileira (o que é uma opinião unânime entre juristas e demais analistas), deve-se perguntar: será que o julgamento do mensalão promoveu alguma coisa efetivamente benéfica à democracia e ao Estado Democrático de Direito de nosso país? Que tipo de paradigma é esse que foi criado, se o projetarmos para o futuro?
Isso tudo preocupa não só pelo que aponta Eliakim no seu artigo (obediência do STF a um cronograma de julgamento e a resultado pré-definidos pela imprensa conservadora do país, entre outros). Preocupa porque o julgamento desses políticos, realizado pelo STF, foi e está sendo apresentado pela imprensa como se fosse o julgamento de um partido e de um governo, o que dá uma feição descaradamente político-partidária, não-jurídica, ao resultado do trabalho do STF. E isso acaba se complicando mais ainda, exatamente, pelo fato de a Suprema Corte condenar os réus sem provas, baseada apenas em suposições, em ilações.
A ministra Carmen Lúcia está correta ao dizer que o uso de dinheiro dos empréstimos bancários para cobrir “caixa dois” de campanha, como na tese de defesa apresentada por alguns dos réus, é algo grave e que ofende a sociedade. Todavia, a ministra deveria ter levado em consideração que a denúncia apresentada pelo MP não era de uso do dinheiro para “caixa dois” e sim para ser pago, como propina, a parlamentares e partidos da base de apoio do governo da época. Não pode a mais alta Corte do país, pelo fato de estarem seus integrantes sendo retratados nos tele-noticiários em todo país, esquecerem-se de que um julgamento criminal deve pautar-se pelos elementos do processo, nos estritos limites da denúncia.
Engana-se quem pensa que a imprensa tradicional do país leva a sério prática (confirmada ou não) de mensalão pelos políticos do país.
Basta ver que a mesma imprensa jamais reverberou as mesmas cobranças do Poder Judiciário em relação a outros dois conhecidos mensalões, os quais, por sinal, permaneceram totalmente esquecidos pelo MP e desconhecidos pelas instâncias judiciárias. O primeiro é o mensalão “mineiro” [eufemismo para disfarçar que é do PSDB], em que o governador tucano Eduardo Azeredo estava envolvido até as barbas, um esquema no qual era mestre-administrador o mesmo Marcos Valério agora condenado. E o outro é o mensalão do Partido Democratas, envolvendo o governador do DF, Roberto Arruda (DEM).
Pergunta-se: onde estão as denúncias, as CPIs e os julgamentos do Poder Judiciário sobre esses outros dois mensalões? Por que a mídia simplesmente os abandonou?
Querem um exemplo mais antigo de mensalão? O do FHC, para aprovar a emenda constitucional para assegurar sua reeleição [e manutenção do PSDB, DEM e PPS no poder], com pagamentos realizados e favores prestados a uma enorme quantidade de parlamentares do Congresso, como se tornou público e notório na segunda metade dos anos 90.
Na sequência, tivemos ainda o escândalo econômico-político e financeiro do mesmo FHC, envolvendo os bancos "Marka" e "Fonte Cindam", em janeiro de 1999, quando o real perdeu três vezes seu valor frente ao dólar, levando muitas empresas à quebra.
Querem um outro caso mais atual? Vejam o que ocorre com o, há pouco, estrondoso escândalo do Carlinhos Cachoeira. Como se pode constatar hoje, nos telejornais, esse é um caso que foi totalmente esquecido e abandonado na pauta da grande imprensa do país. Isso ocorreu, coincidentemente, na medida em que começou a aparecer o governador tucano de Goiás, Marconi Perilo, envolvido até as barbas com as falcatruas do bicheiro.
Preocupa-me que o Judiciário, especialmente a mais alta Corte de Justiça do país, se curve ao que lhe imponha e lhe dite a imprensa tradicional brasileira, que é tão ou mais venal e corrompida do que os mais venais e corrompidos políticos do país. Preocupa-me um Poder Judiciário integrado por magistrados vaidosos, que se deixam seduzir por holofotes e câmeras de TV. Que, em troca da grande vitrine propiciada por uma imprensa para lá de tendenciosa e manipuladora, acabe produzindo julgamentos de encomenda, mais políticos do que jurídicos, como ocorreu neste chamado escândalo do Mensalão.
Talvez esse seja [o do Poder Judiciário] um escândalo ainda muito maior, envolvendo um Poder de Estado, ocorrendo sob os olhos de todos e com muita pouca gente percebendo o perigo que ele representa aos interesses de uma democracia ainda em processo de consolidação, como a nossa.”
FONTE: escrito por Rogério Guimarães Oliveira, advogado. Publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-mensalao-a-vaidade-e-a-midia).
COMPLEMENTAÇÃO
“A VERDADE É UMA QUIMERA”. É assim no STF
“O que nós assistimos foi ao linchamento do ‘mensalão’. Mas que diabo é mesmo ‘mensalão’?”, pergunta o amigo navegante.
O portal "Conversa Afiada" exibe vídeo edificante, por sugestão do amigo navegante João:
“A verdade é uma quimera”. Ganha um prêmio quem adivinhar de que ministro é esta frase. Mas para concorrer com 100% de segurança, veja primeiro este vídeo por inteiro.
Insisto: o que nós assistimos foi ao linchamento do “mensalão”. Mas que diabo é mesmo “mensalão”?
FONTE DA COMPLEMENTAÇÃO: portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/2012/10/15/a-verdade-e-uma-quimera-e-assim-no-stf/).
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