A construção do escândalo da vez
Por Percival Maricato
"A mídia continua a fazer o papel de oposição acirrada, está em guerra aberta contra o governo Dilma. Os ataques se dão por qualquer motivo, qualquer fato tem sido transformado em escândalo, mas muitos o governo federal fornece de mão beijada.
Um bom exemplo é o caso da visita de advogados de uma empreiteira acusada no Lava-Jato ao Ministro da Justiça. O acontecimento, muito comum em democracias e até ditaduras, fato de caráter técnico e jurídico, tem sido apresentado como um tremendo escândalo, corrupção, favorecimento, tentativa de intervenção no Judiciário e etc, e essas acusações começaram antes mesmo de se saber por que houve a audiência e o que foi discutido.
Percebe-se que muitos dos jornalistas desconhecem até hoje o que foi tratado ou então fingem que nada sabem, o que os favorece na elaboração de conjecturas e no contrabandeá-las como notícias. Por acharem que se tratava de matéria judicial, foram consultar mais uma vez Joaquim Barbosa. Gilmar Mendes e Yves Gandra devem ter sido procurados, mas preferiram não falar as besteiras que os jornalistas queriam.
Excesso de ignorância é que deveria ser proibido. Uma comentarista da "Rádio Cultura" fez questão de dizer que Cardozo jamais deveria receber advogados de empreiteiras e chegou a afirmar que, pelo que se via como “costumeiro na conduta do governo”, provavelmente o Ministro Cardozo é que teria convidado os advogados a reunirem-se com ele. Faltou falar ou apenas dizer que, provavelmente, o ministro pediu uma graninha aos advogados, mas graninha fica para as entrelinhas e favorecimento explícito para a fase ou frase seguinte. E para acentuar a santa ignorância, disse que, se havia alguma reclamação contra a Polícia Federal do Paraná, o advogado deveria ir à Corregedoria da mesma. Só faltou dizer que nada do que fizesse a Polícia Federal seria passível de apreciação pelo Poder Executivo Federal e que o Ministro da Justiça é culpado por corrupção e pronto.
Ministros receberem advogados é algo corriqueiro em democracias e até em ditaduras. E geralmente advogados procuram autoridades quando julgam ter o direito e/ou a obrigação de fazer pleitos por seus clientes. Autoridades, por sua vez, se souberem que se trata de algo pertinente e oportuno, têm obrigação de recebê-los. Imaginemos que os advogados quisessem fazer mais uma denúncia e o Ministro não os tivesse recebido. A negativa, serviria para construir o escândalo, até com mais razão.
Há imensa má fé julgar a priori, ou então uma bárbara ignorância, ver nesses contatos necessariamente interferência no Judiciário. Miguel Reale e Aloísio Nunes Ferreira, ministros da justiça do governo FHC/PSDB, receberam centenas de advogados em suas gestões, sem que ninguém os acusasse de tentar interferir em julgamentos do Judiciário (se alguém os acusou, desconheço, teria cometido o mesmo erro que ora aponto). Na época de FHC, havia até mesmo um decreto admitindo que ministros recebessem advogados. Eu mesmo, como advogado, pedi audiências com o secretário da segurança de São Paulo por duas vezes em 2014 para discutir assuntos delicados envolvendo atividades da policia que geraram processos judiciais. O fato é tido como normal em todos os estados. Ou haveria algo escuso apenas quando há repercussão? Ou quando envolve autoridades federais? Só então deve haver escândalo?
O ex-Ministro Joaquim Barbosa, tanto como o Juiz Moro, também perderam a oportunidade de ficar calados. Ambos viram na reunião tentativa de interferência no Judiciário, o que é praticamente impossível, já que são poderes distintos. Ao contrário, está mais que evidente que a Policia Federal e o Poder judiciário nunca tiveram tanta liberdade em apurar casos de corrupção nas altas esferas. Foram dezenas nos últimos anos. Dezenas de grandes empresários e até banqueiros, antes intocáveis, estão atrás das grades.
Não faltam perguntas a serem feitas. Alguém se atreveria a dizer que a corrupção no país começou no governo Dilma, ou Lula? Há os que dizem que se intensificou após Lula, mas então antes era menor, e ficava impune!? Será que Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, desconhece mesmo que ante abuso da polícia, o advogado pode se dirigir tanto a um juiz como à autoridade do executivo responsável por ela? Que a infração policial deve ser tratada, conforme seu conteúdo, pela autoridade do Executivo e não pelo juíz? E que cabe a autoridade do Executivo e não só a corregedorias (muitas sabidamente são corporativas) apurar infrações disciplinares? Se sabe por que afirmou que os advogados deveriam se dirigir ao Juiz? Por que o juiz Moro, sem saber o que foi discutido entre advogados e Cardozo, disse que a tentativa de interferência no julgamento dos corruptos era inaceitável? JB recebeu centenas de advogados quando era membro do STF e Mora os recebe enquanto juiz: alguém os acusou de estarem tramando algo ilícito? Por que a mídia repercutiu tanto tanta ignorância?
Na verdade, em matéria de interferência, o episódio mais parece revelar o contrário: tentativa de membros do Judiciário de interferir em prerrogativas do Poder Executivo. Quem é o juiz Moro, ou o ex Ministro JB, para dizer que advogados um Ministro de Estado pode ou não receber? O ex-Ministro JB foi ainda mais infeliz, pois afirmou que o fato visaria a corrupção do Judiciário. Insinuou, ou melhor, afirmou que os juízes envolvidos seriam corruptos? Por que a mídia repercute tanto suas declarações e não entra nesses detalhes? Se há alguma outra forma de Ministro de Estado corromper juiz, JB deveria ser convidado a elucidá-la; seria muito importante para apurar o delito ou evitá-lo.
Talvez o Ministro Cardozo mereça a tempestade, teria cometido um equívoco, pois à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta, especialmente quando Brutus está nos bastidores e a aristocracia quer voltar ao poder. Mas, pergunta-se, Brutus não encontraria outro motivo qualquer para fabricar escândalos?"
FONTE: escrito por Percival Maricato no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/a-construcao-do-escandalo-da-vez-por-percival-maricato).
"A mídia continua a fazer o papel de oposição acirrada, está em guerra aberta contra o governo Dilma. Os ataques se dão por qualquer motivo, qualquer fato tem sido transformado em escândalo, mas muitos o governo federal fornece de mão beijada.
Um bom exemplo é o caso da visita de advogados de uma empreiteira acusada no Lava-Jato ao Ministro da Justiça. O acontecimento, muito comum em democracias e até ditaduras, fato de caráter técnico e jurídico, tem sido apresentado como um tremendo escândalo, corrupção, favorecimento, tentativa de intervenção no Judiciário e etc, e essas acusações começaram antes mesmo de se saber por que houve a audiência e o que foi discutido.
Percebe-se que muitos dos jornalistas desconhecem até hoje o que foi tratado ou então fingem que nada sabem, o que os favorece na elaboração de conjecturas e no contrabandeá-las como notícias. Por acharem que se tratava de matéria judicial, foram consultar mais uma vez Joaquim Barbosa. Gilmar Mendes e Yves Gandra devem ter sido procurados, mas preferiram não falar as besteiras que os jornalistas queriam.
Excesso de ignorância é que deveria ser proibido. Uma comentarista da "Rádio Cultura" fez questão de dizer que Cardozo jamais deveria receber advogados de empreiteiras e chegou a afirmar que, pelo que se via como “costumeiro na conduta do governo”, provavelmente o Ministro Cardozo é que teria convidado os advogados a reunirem-se com ele. Faltou falar ou apenas dizer que, provavelmente, o ministro pediu uma graninha aos advogados, mas graninha fica para as entrelinhas e favorecimento explícito para a fase ou frase seguinte. E para acentuar a santa ignorância, disse que, se havia alguma reclamação contra a Polícia Federal do Paraná, o advogado deveria ir à Corregedoria da mesma. Só faltou dizer que nada do que fizesse a Polícia Federal seria passível de apreciação pelo Poder Executivo Federal e que o Ministro da Justiça é culpado por corrupção e pronto.
Ministros receberem advogados é algo corriqueiro em democracias e até em ditaduras. E geralmente advogados procuram autoridades quando julgam ter o direito e/ou a obrigação de fazer pleitos por seus clientes. Autoridades, por sua vez, se souberem que se trata de algo pertinente e oportuno, têm obrigação de recebê-los. Imaginemos que os advogados quisessem fazer mais uma denúncia e o Ministro não os tivesse recebido. A negativa, serviria para construir o escândalo, até com mais razão.
Há imensa má fé julgar a priori, ou então uma bárbara ignorância, ver nesses contatos necessariamente interferência no Judiciário. Miguel Reale e Aloísio Nunes Ferreira, ministros da justiça do governo FHC/PSDB, receberam centenas de advogados em suas gestões, sem que ninguém os acusasse de tentar interferir em julgamentos do Judiciário (se alguém os acusou, desconheço, teria cometido o mesmo erro que ora aponto). Na época de FHC, havia até mesmo um decreto admitindo que ministros recebessem advogados. Eu mesmo, como advogado, pedi audiências com o secretário da segurança de São Paulo por duas vezes em 2014 para discutir assuntos delicados envolvendo atividades da policia que geraram processos judiciais. O fato é tido como normal em todos os estados. Ou haveria algo escuso apenas quando há repercussão? Ou quando envolve autoridades federais? Só então deve haver escândalo?
O ex-Ministro Joaquim Barbosa, tanto como o Juiz Moro, também perderam a oportunidade de ficar calados. Ambos viram na reunião tentativa de interferência no Judiciário, o que é praticamente impossível, já que são poderes distintos. Ao contrário, está mais que evidente que a Policia Federal e o Poder judiciário nunca tiveram tanta liberdade em apurar casos de corrupção nas altas esferas. Foram dezenas nos últimos anos. Dezenas de grandes empresários e até banqueiros, antes intocáveis, estão atrás das grades.
Não faltam perguntas a serem feitas. Alguém se atreveria a dizer que a corrupção no país começou no governo Dilma, ou Lula? Há os que dizem que se intensificou após Lula, mas então antes era menor, e ficava impune!? Será que Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, desconhece mesmo que ante abuso da polícia, o advogado pode se dirigir tanto a um juiz como à autoridade do executivo responsável por ela? Que a infração policial deve ser tratada, conforme seu conteúdo, pela autoridade do Executivo e não pelo juíz? E que cabe a autoridade do Executivo e não só a corregedorias (muitas sabidamente são corporativas) apurar infrações disciplinares? Se sabe por que afirmou que os advogados deveriam se dirigir ao Juiz? Por que o juiz Moro, sem saber o que foi discutido entre advogados e Cardozo, disse que a tentativa de interferência no julgamento dos corruptos era inaceitável? JB recebeu centenas de advogados quando era membro do STF e Mora os recebe enquanto juiz: alguém os acusou de estarem tramando algo ilícito? Por que a mídia repercutiu tanto tanta ignorância?
Na verdade, em matéria de interferência, o episódio mais parece revelar o contrário: tentativa de membros do Judiciário de interferir em prerrogativas do Poder Executivo. Quem é o juiz Moro, ou o ex Ministro JB, para dizer que advogados um Ministro de Estado pode ou não receber? O ex-Ministro JB foi ainda mais infeliz, pois afirmou que o fato visaria a corrupção do Judiciário. Insinuou, ou melhor, afirmou que os juízes envolvidos seriam corruptos? Por que a mídia repercute tanto suas declarações e não entra nesses detalhes? Se há alguma outra forma de Ministro de Estado corromper juiz, JB deveria ser convidado a elucidá-la; seria muito importante para apurar o delito ou evitá-lo.
Talvez o Ministro Cardozo mereça a tempestade, teria cometido um equívoco, pois à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta, especialmente quando Brutus está nos bastidores e a aristocracia quer voltar ao poder. Mas, pergunta-se, Brutus não encontraria outro motivo qualquer para fabricar escândalos?"
FONTE: escrito por Percival Maricato no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/a-construcao-do-escandalo-da-vez-por-percival-maricato).
2 comentários:
O problema da nossa democracia é a imprensa, se quisermos salvar a democracia temos que mudar esse lixo de imprensa.
Ao Camo,
Concordo. A imprensa brasileira (televisões, rádios, jornais, revistas) é cabo eleitoral, pautadora e apoiadora dos partidos da direita, especialmente do PSDB. Por quê? Porque ela é instrumento do grande capital internacional e das grandes potências sedes desse capital.
Maria Tereza
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