domingo, 22 de fevereiro de 2015

GLOBO MASSACRA BLOG: LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM RISCO




Carta aberta ao povo brasileiro: liberdade
de expressão em risco 


Por Miguel do Rosário, do blog "O Cafezinho"

"Dirijo-me ao nobre e valoroso povo brasileiro,
na qualidade de um cidadão atingido por uma
absurda violência política, e que não afeta
somente a mim, mas o coletivo e a própria
liberdade de expressão de uma nação
continental.

Trata-se de um processo movido contra mim
por Ali Kamel, empregado da família mais
rica do país.

Mais rica e que controla um dos maiores
impérios de mídia do mundo.

Não creio que, em nenhum país democrático
(com exceção talvez da Itália, que tem o seu
Berlusconi), exista um grupo que reúna tanto
poder financeiro e midiático como a Globo.

Pois o empregado deste grupo, e não qualquer
empregado, mas o seu diretor-geral de
jornalismo, pediu-me, e venceu na justiça,
uma indenização de mais de R$ 20 mil, a qual,
acrescida pelos custos judiciais, me custarão
mais de R$ 30 mil.

O processo já terminou. Ele venceu na segunda
instância e não conseguimos chegar ao Supremo
Tribunal de Justiça. Não há mais como recorrer.

O juiz mandou executar e terei de pagar
o montante em alguns dias.

E qual a razão do processo? Simplesmente
porque fiz uma crítica política à empresa
para a qual ele trabalha.

Não ataquei sua honra. Não o chamei de ladrão
ou corrupto. Não pedi sua demissão.

Apenas disse que ele trabalhava para uma
concessão pública que, na minha opinião,
merece ser criticada.

Para não faltar com a verdade, os únicos
adjetivos que dirigi ao autor da ação, e que
poderiam ser considerados pessoalmente
ofensivos, foram: sacripanta e reacionário.
E me referia a ele enquanto diretor de
jornalismo da Globo, a concessão pública
líder de audiência no país.

O dia em que todos forem condenados porque
chamaram, num artigo político, o diretor de
jornalismo da maior concessão pública de um
país, de “reacionário” e “sacripanta”, será
o último dia de liberdade no Brasil.

Creio se tratar de um desses casos
emblemáticos que podem influenciar o país
durante muitos anos.

Até porque, neste momento, já são vários
blogueiros agredidos judicialmente pelo mesmo
personagem, ou pelo mesmo campo político.

É um fato notório o mal que a concentração
da mídia faz à democracia, um mal denunciado por
inúmeras organizações nacionais e internacionais.

A Repórteres Sem Fronteiras acusou o Brasil
de ser o país dos 30 Bersluconis, referindo-se
às famílias que dominam a mídia de massa no país.

O relator da ONU para Liberdade de Expressão,
Frank de La Rue, veio ao Brasil recentemente e
afirmou que a concentração da mídia é a maior
ameaça à liberdade de expressão. La Rue se
referia, naturalmente, à situação da mídia
no Brasil.

Naturalmente, essas denúncias foram abafadas
por nossa mídia corporativa, cuja estrutura
segue muito parecida, e até mais concentrada
ainda, em relação aos chamados anos de chumbo.

O surgimento de blogs políticos que fazem um
contraponto à grande mídia, deve ser entendido,
portanto, como uma reação biologicamente
natural, saudável e necessária, do ambiente
democrático.

Se a mídia age como um partido político
homogêneo, um verdadeiro cartel ideológico,
impondo sempre as mesmas pautas, repetindo
as mesmas opiniões e até usando os mesmos
colunistas, é natural que emergissem blogs no
lado oposto do espectro ideológico.

Se a mídia torna-se dia a dia mais conservadora,
os blogs se notabilizam por defender pautas
progressistas e trabalhistas.

Não é fácil manter um blog, contudo.
Raros são os blogs que são atualizados
constantemente, e raríssimos aqueles que
conseguiram se profissionalizar.

Entretanto, creio que, neste momento da
nossa história, os blogs políticos constituem
um respiro democrático no ambiente
histérico, reacionário, udenista, muitas vezes
flertando com o golpismo, da nossa imprensa
corporativa.

Não digo que os blogs sejam perfeitos, nem
que a nossa imprensa seja 100% um lixo
(digamos que ela seja 75% lixo).
Mas representamos um contraponto
importante. E ajudamos a concretizar um
dos princípios que norteiam a nossa Constituição:
a pluralidade política.

Claro, os blogs não resolvem o problema da
concentração midiática. Apenas ajudam a
enriquecer o debate, a criar uma válvula de
escape num ambiente que, sem eles, seria
talvez desesperador para muita gente.

A sustentação financeira dos blogs é
complicada. Apesar dos adversários nos
acusarem de recebermos “apoio do governo”,
sabemos que isso não é verdade.
Recentemente, os dados referentes a todos
os órgãos de governos, incluindo estatais,
foram abertos e comprovamos que apenas
dois ou três blogs ou sites recebiam
apoio oficial (não estou incluído),
e mesmo assim, irrisórios se comparados ao
custo de manutenção dos mesmos, e
ridiculamente ínfimos, se comparados
ao que receberam os grandes ou mesmo
medianos grupos de mídia tradicionais.

Os blogs políticos, em geral, são sustentados
pelo próprio bolso dos autores.

Em alguns casos, como o meu, o blog é
sustentado por assinaturas e contribuições
dos leitores, uma ou outra publicidade,
além do adsense do Google, um esquema
randômico de propaganda.

Não posso reclamar de nada, todavia.

A blogosfera, aqui entendida como o
conjunto de leitores, sempre foi generosa
comigo. Tenho centenas de assinantes
pagantes e as contribuições sempre foram
generosas por parte de um público idealista.

Não espero matérias elogiosas a meu trabalho
em reportagens de TV, em jornais ou revistas
de grande circulação.

Ao contrário, sempre que me citam, e são
obrigados a fazê-lo de vez em quando,
fazem-no tentando me prejudicar.

Entretanto, às vezes recebo doações e
assinaturas até mesmo de pessoas de baixa
renda, e isso realmente me comove e me faz
entender a importância de continuar o
meu trabalho.

Digo isso para mostrar a fragilidade financeira
dos blogs, por representarem uma coisa nova,
ainda não assimilada pelos agentes
econômicos, sobretudo num país onde o
ambiente publicitário permanece sob o controle
dos monopólios corporativos consolidados no
regime militar.

Frágeis, mas essenciais!

De qualquer forma, contra tudo e contra todos,
estamos crescendo.

Os blogs têm cada vez mais visitas.
O Cafezinho tem cada vez mais
assinantes.

Adentramos até mesmo o terreno mais
custoso do jornalismo: a investigação.

Os blogs hoje também realizam investigações
importantes, como eu fiz no caso da sonegação
da Globo, do apartamento em Miami de
Joaquim Barbosa, e agora, sobre a participação
de graúdos das finanças e da política na lista do
OffShore Leaks e do HSBC suíço.

Pois bem, diante de tal situação, o que posso fazer
diante da ofensiva covarde da Globo contra o
meu trabalho?

O dinheiro que ganho serve para pagar meu custo
de vida, ao qual tive que acrescentar agora os
honorários do meu advogado.

Como posso entrar numa batalha judicial com
o diretor de jornalismo da Globo, cujos
proprietários têm uma fortuna maior que a de
Rupert Murdoch, o magnata australiano dono
de um império midiático nos EUA, maior que a de
Berlusconi, proprietário de vários canais de TV
na Itália e um dos principais expoentes da
direita europeia?

O valor imposto, R$ 20 mil mais custos judiciais,
equivale ao valor que o Judiciário costuma impor
à revista Veja, que pertence também a uma das
famílias mais ricas do país. E isso quando a Veja
perde na justiça, o que é raro.

Não falta aqui um senso de proporção?

Depois de judicializarem a política, agora
partirão para a judicialização da censura?

Qual o objetivo da Globo? Reduzir o já
diminuto pluralismo político do país?

E ela ainda quer se vender como defensora
da liberdade de expressão?

Ainda quer acusar a esquerda de pretender
promover a censura por querer estabelecer
uma regulamentação que evite esse tipo de
aberração, na qual a grande mídia pode
destruir reputações, e a pequena mídia não
pode falar nada?

É muito cinismo! Dão golpe e falam que a
democracia voltou! Censuram e acusam os
outros de censura! Roubam e gritam
pega ladrão!

Só blogueiros cubanos serão defendidos por
nossa mídia?

O caso do blogueiro saudita, condenado a levar
algumas centenas de chibatadas, foi denunciado
por nossa “imprensa livre” e aqui o diretor de
jornalismo da nossa maior empresa de mídia
persegue judicialmente os blogs?

É uma contradição atrás da outra!

Entendo, contudo, perfeitamente, que as
pessoas se sintam ofendidas e procurem
reparação na justiça.

Se houvesse a lei de imprensa, o ofendido
ganharia direito de resposta no blog, que eu
publicaria com o maior prazer.

Ali Kamel poderia explicar, a meus leitores,
que não pode ser culpabilizado pelos crimes
que a Globo cometeu contra a democracia,
no passado remoto e recente.

Tudo bem.

Não há mais lei de imprensa, porém.
Não há qualquer tipo de regulamentação
da mídia que proteja o cidadão contra
ofensas e o jornalista contra abusos do
poder econômico e arbítrios da justiça.

Voltamos à lei da selva, à lei do mais forte.

Não tenho pretensão de acertar sempre.
Entendo que um blogueiro pode passar dos
limites às vezes. O limite entre o sarcasmo,
o humor, o chiste, e a ofensa, é
frequentemente tênue.

Pode-se publicar por vezes uma denúncia
equivocada (o que não é o caso aqui,
não “denunciei” nada acerca de Ali Kamel).

O blogueiro costuma caminhar sobre a
corda bamba.

Ora, mas então que se aplique uma multa
proporcional ao padrão financeiro de um blog!

Um blog político independente não tem
R$ 20 ou R$ 30 mil para sair distribuindo
para o primeiro que se sentir ofendido!

Se não conseguir pagar este valor,
minhas contas serão bloqueadas e,
evidentemente, meu trabalho ficará
comprometido.

E aí é que não conseguirei pagar
nada mesmo!

É uma coisa tão absurdamente injusta,
tão ridiculamente sem sentido, que dá
vontade de rir.

Os caras mais ricos do país, donos do
maior império de mídia da América Latina,
tentando matar um blogueiro de fome!

Tudo com apoio de uma justiça sem
grande apreço, aparentemente, pela
liberdade de expressão (ou que entende
que esta liberdade seja propriedade da
grande mídia); e a complacência de uma
sociedade amedrontada e chantageada
por uma mídia doentiamente inchada
pelo totalitarismo político.

Vivemos uma ditadura sanguinária,
onde a liberdade de expressão é
monopólio de meia dúzia de
poderosos?

O querelante se aproveita do fato
do poder judiciário não estar
devidamente atualizado sobre a
importância dos blogs para o pluralismo
político no Brasil, nem habituado à
linguagem às vezes agressiva, própria
da blogosfera, sobretudo quando se
trata de enfrentar a grande mídia,
herdeira da ditadura, símbolo do
mainstream e de séculos de opressão
e desigualdade social.

Eu fui condenado, aliás, porque escrevi
um texto em apoio a um outro blogueiro,
também condenado injustamente.

Até isso querem criminalizar, a solidariedade.

Até onde vai essa perseguição política,
promovida por um gigante corporativo,
através de seu diretor de jornalismo,
contra simples blogueiros?

Gostaria de acreditar que vivemos um
regime democrático, que vencemos a luta
contra a ditadura, e que, portanto, os
herdeiros dos anos de chumbo não vencerão
esta batalha fundamental.

Aos leitores que quiserem ajudar, podem fazê-lo
através deste link. Qualquer dúvida, use o
email assinatura@ocafezinho (falar com Mônica
Teixeira). Meu email é
migueldorosario@gmail.com
(que é também meu ID no Paypal).

FONTE: escrito por Miguel do Rosário em seu
blog "O Cafezinho" (http://www.ocafezinho.com/
2015/02/20/carta-aberta-ao-povo-brasileiro-
liberdade-de-expressao-em-risco/).

COMPLEMENTAÇÃO

Mexeu com o Cafezinho, mexeu comigo

Por Renato Rovai, em seu blog:

"Miguel do Rosário, autor do blogue 'O Cafezinho',
foi condenado em segunda instância, sem
possibilidade de recurso, a pagar R$ 20 mil de
indenização ao diretor-geral de jornalismo da
Globo, Ali Kamel. Com os custos judiciais, o
blogueiro terá que desembolsar algo em torno
de R$ 30 mil.

O episódio é simbólico por vários motivos.
Rosário fez uma crítica política ao jornalista
global por conta da sua função, e os adjetivos
mais pesados utilizados por ele foram
“sacripanta” e “reacionário”. Nada perto do
que se escreve a respeito de Lula e Dilma,
por exemplo, na mídia tradicional.
É bom lembrar, aliás, que a Globo de Kamel
emprega em um de seus canais um jornalista
cuja principal obra literária se chama
“Lula é minha anta”.

Entre os vários sentidos do episódio,
chama a atenção a assimetria da Justiça
brasileira. Em 2013, por exemplo, a revista
Veja foi condenada por publicar uma nota
mentirosa na coluna Radar, em 2006,
na qual se afirmava que o então ministro
da Secom Luiz Gushiken havia sido visto em
um jantar com o empresário Luis Roberto
Demarco, tendo pago sua parte em dinheiro
de uma conta que teria otalizado 3,5 mil reais.
Desfeita (s) a (s) mentira (s), a condenação
para a publicação foi de R$ 20 mil.
O mesmo valor imposto a Miguel do Rosário.

Desnecessário dizer que o alcance e o poder
econômico da publicação da Abril e do autor de
O Cafezinho são bastante distantes entre si.
A editora disponibiliza, aliás, um sólido corpo
jurídico para defender em juízo sua publicação
diante da fabricação constante de assassinatos
de reputação. Para a Veja, com condenações
desse nível, o crime compensa. Para um
blogueiro que não ganha milhões em verbas
oficiais como a publicação dos Civita, é
algo para se perder o sono.

Outro exemplo de aberração jurídica foi
quando o mesmo Gushiken venceu outra
ação contra a Veja, que havia sustentado
que ele tinha contas secretas no exterior.
Em primeira instância, o valor arbitrado como
indenização havia sido de meros R$ 10 mil.
Rodrigo Vianna, por dizer que Kamel fazia
um “jornalismo pornográfico”, foi condenado
na mesma instância a pagar R$ 50 mil ao
diretor global. O TJ-SP, no entanto, elevou
o valor da condenação à Veja para R$ 100 mil
em março de 2014, depois que o ex-ministro
havia sucumbido a um câncer.

Mas qual a razão do título deste post?
É porque é necessário lembrar o que
representa o trabalho de Miguel do Rosário.
Alguém que batalha mesmo sem recursos
para fazer um contraponto à velha mídia,
trazendo informação e análise de temas
como a atual crise da Petrobras.
Quantos têm feito uma defesa tão intensa
dos interesses nacionais, separando o joio do
trigo que a velha mídia insiste em misturar
nesse caso?

Por isso, não só os movimentos relacionados
à defesa da Petrobras deveriam se unir e
ajudar O Cafezinho neste momento, mas todos
aqueles que lutam pela democratização da
mídia, entidades, movimentos, coletivos,
sindicatos, centrais, que precisam entender
que fazer jornalismo envolve não somente
dedicação, empenho e trabalho como custos
que muitas vezes batem à porta em função
de injustiças como a que sofre hoje Rosário.

É preciso, antes de qualquer coisa, uma
campanha de mobilização para ajudar
O Cafezinho a arcar com os custos da
condenação judicial. E, depois,
que se promova um intenso debate em relação
à judicialização da batalha política e da
comunicação que já acontece no Brasil e que
tem como objetivo calar as vozes que
há tempos incomodam o status quo
da velha mídia.

Veja algumas formas de colaborar com
Miguel do Rosário aqui."

FONTE da complementação: escrito por
Renato Rovai, em seu blog, e postado no
"Blog do Miro" (http://altamiroborges.blogspot.
com.br/2015/02/mexeu-com-o-cafezinho-mexeu-
comigo.html#more).

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