quarta-feira, 23 de setembro de 2009

ATENDIMENTO PRIVADO É MELHOR DO QUE O PÚBLICO?

Terra Magazine

"É muito comum as pessoas reclamarem dos serviços prestados por órgãos e entidades públicas.

Afinal, estes serviços, com grande freqüência, são prestados em locais inadequados, sem as "ferramentas" necessárias (comunicação visual facilitadora, equipamentos de informática modernos, gerenciadores de filas e mobiliário adequados, etc.) para auxiliar na prestação de um bom serviço e sem funcionários selecionados e treinados para atender ao público.

Não há dúvida que esta é uma realidade existente em diversos serviços públicos municipais, estaduais e federais.

No entanto, o que nem sempre se comenta é a falta de qualidade na prestação dos serviços de natureza ou de concessão pública, que são administrados por empresas privadas. Estamos falando dos serviços de telefonia (móvel e fixa), luz, TV por assinatura, etc. Fora raras exceções (e é importante destacar que existem algumas exceções notáveis, principalmente na área de prestação de serviços de saúde, de laboratórios médicos e de algumas instituições bancárias), os serviços prestados por estas empresas mostram que não é apenas a área pública que precisa de uma mudança completa no que diz respeito ao atendimento ao público.

Seja nos serviços de tele-atendimento (os quais melhoraram um pouco após a promulgação do Decreto 6.523, de 31 de julho de 2008, e que dava prazo de quatro meses para as empresas de tele-atendimento melhorarem a qualidade do atendimento), seja nos serviços via internet, seja no atendimento presencial, algumas vezes, parece que o principal foco e objetivo não é atender bem o cliente.

A impressão é que existe uma enorme dificuldade das empresas que operam nesta área para entender o que nós (usuários dos serviços) precisamos.

Estas empresas parecem estar focadas em conquistar novos clientes e em colocar novos produtos no mercado aliados a uma fantástica tecnologia envolvida, mas não priorizam nem a capacitação e reciclagem dos seus atendentes e muito menos a necessária fidelização dos clientes.

Algumas vezes, os representantes destas empresas parecem não estar nem aí para o usuário ou para nós, os clientes.

Os exemplos são inúmeros: conseguir falar com um atendente da Claro, da Vivo, da NET, da Eletropaulo, etc. via telefone é um exercício de paciência sem fim.

Ou todos os telefones estão ocupados ou conseguimos completar a ligação, mas ficamos muitos minutos ouvindo que nossa ligação é muito importante e que seremos atendidos rapidamente (o que, na maioria das vezes, não é verdade, pois se fosse haveria uma maior quantidade de tele-atendentes) ou ainda somos atendidos por uma máquina que nos solicita "n" informações e nos direciona invariavelmente para um setor que não vai resolver o nosso problema.

Ou ainda, quando conseguimos chegar num atendente "de carne e osso", percebemos que será necessária outra dose imensa de paciência e de boa vontade, pois estes funcionários, em geral, não estão capacitados a dar o atendimento que precisamos e nos encaminham também para outros setores ou, sem paciência para o nosso caso, discretamente acham uma forma de fazer com que a ligação seja interrompida.

E reclamar de algo, então, é impensável, pois é muito difícil falar com um supervisor que seja ou até mesmo conversar com a ouvidoria...

Não existe alguém que pegue o nosso problema nas mãos e passando por cima das regras (algumas vezes sem sentido) da empresa em questão, e ultrapassando todas as dificuldades, resolva o nosso problema (e não estou falando de despachantes e intermediários, apenas de funcionários prestativos, com iniciativa e focados nas necessidades dos usuários).

Assim como no tele-atendimento, o atendimento via internet também demonstra que estas empresas não se estruturaram para prestar um bom serviço. Ou não é possível acessar o site ou as informações não estão claras o suficiente ou não recebemos respostas às nossas demandas (a não ser que façamos uma crítica à algum meio de comunicação ou, nos casos de celebridades, famosos, políticos ou com "contatos" na respectiva empresa, daí parece que tudo se resolve rapidamente - é quando se usa o conhecido "você sabe com quem está falando?").

E o atendimento presencial, quando existe, é apenas para nos deixar ainda mais irritados. A impressão que passa é que o usuário do serviço precisa ter todo o tempo do mundo para perder um dia de trabalho e enfrentar filas, atendentes mal preparados, custos altos, etc. Será que estas empresas consideram que o cliente é que deveria ficar à disposição delas e não o contrário?

Parece-me que estas empresas não têm nenhuma preocupação em perder a clientela. Não parecem muito preocupadas com a concorrência. E talvez não estejam mesmo, pois quase não existe concorrência em algumas destas áreas.

Cito dois exemplos recentes para mostrar, na prática, o que estou afirmando:

1) Realizei recentemente uma mudança de residência e entre diversos problemas que enfrentei com as empresas prestadoras de serviço, o contato com a empresa de TV por Assinatura foi a que mais me chamou a atenção: foram necessárias 7 visitas à minha casa nova para resolver problemas relacionados a falta de sinal da TV, falta de sinal da internet e para colocar em funcionamento a linha telefônica. Falei com pelo menos uma dúzia de atendentes por telefone e anotei pelo menos 6 protocolos diferentes, com promessas de resolução dos problemas em todas as oportunidades (isso sem contar que sempre era necessário que eu fizesse o contato, pois o inverso não ocorria de forma alguma). Finalmente, após mais de 15 dias, os problemas foram solucionados, mas me custaram várias horas de trabalho e uma irritação enorme.

2) Outro exemplo: A irmã de um amigo de trabalho morreu à algum tempo atrás. E este amigo era responsável por encerrar as contas da irmã. No entanto, ao tentar fazê-lo no caso de um sítio que abrigava o endereço eletrônico da irmã, ele simplesmente não conseguiu. Tentou de tudo. E os tele-atendentes diziam que a única que podia encerrar o endereço eletrônico existente, pasmem, seria a própria irmã. Meu amigo disse que podia enviar o atestado de óbito, mas que, infelizmente, não poderia levar a irmã para resolver o problema por motivos óbvios... Nem mesmo assim, conseguiu sensibilizar qualquer pessoa da empresa citada. E olhem que o valor da mensalidade paga era algo irrisório, mas o tempo e a paciência que este amigo teve que perder para conseguir demonstrar que ele era o responsável pelos bens e contas da irmã foi algo incalculável...

Como é possível observar, de fato, não é só o serviço público que precisa de uma reciclada.

A iniciativa privada precisa entender que o cliente só se mantém ligado a uma empresa que presta serviços (ou seja, só se fideliza a esta empresa), se ela presta um bom serviço em todas as ocasiões em que o cliente tiver necessidade.

A tentativa de baratear os custos ao máximo (trocando seres humanos por máquinas, não capacitando adequadamente os funcionários), o não investimento na gestão do negócio, a falta de pesquisas que detectem exatamente quais as necessidades dos clientes e, parece-me, uma falta de vontade em resolver os problemas é um conjunto de fatores que podem, cedo ou tarde, fazer com que todas estas empresas percam milhares de clientes.

Talvez isso só não tenha ocorrido ainda porque a concorrência é ou tão ruim ou pior (a existência de poucas empresas concorrendo para prestar o mesmo serviço não auxilia na melhoria da qualidade da prestação dos serviços ou mesmo na diminuição dos valores pagos pelos cidadãos).

Será que algumas empresas da iniciativa privada vão conseguir aprender um pouco com as experiências exitosas de atendimento ao cidadão tanto da área privada, como da área pública? Esperamos que sim, mas depende, e muito, da iniciativa e da vontade dos responsáveis por estas empresas.

Mas, voltando a nossa pergunta inicial, parece-me que da mesma forma que temos bons prestadores de serviços privados, também os temos na área pública.

O problema é que, infelizmente, o inverso também é verdadeiro..."

FONTE: artigo do administrador público e consultor Daniel Annenberg, publicado hoje (23/09) no portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes.

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