terça-feira, 29 de setembro de 2009

FMI: "BATALHA APENAS COMEÇOU", DIZ NOGUEIRA BATISTA

Paulo Nogueira Batista Jr., colunista da Folha e representante do Brasil e de outros oito países latino-americanos no FMI (Fundo Monetário Internacional), foi um dos negociadores da reforma da instituição em que trabalha para dar mais cotas aos países emergentes e em desenvolvimento, tirando-as do mundo rico.

Sobre a "guerra", ele disse à Folha que, embora o resultado tenha "sido bom" para o Brasil e importante para o Bric, "a batalha apenas começou".

Nogueira Batista, feroz crítico do próprio Fundo e do que chama de "turma da bufunfa", em alusão ao pessoal dos mercados financeiros, faz uma leve autocrítica: "A turma da bufunfa nem sempre erra", em alusão ao que considera acerto da Goldman Sachs em inventar a sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), parceiros de Nogueira Batista na "batalha do FMI".

A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por e-mail.

FOLHA - A "batalha pelo FMI" foi o grande impasse da cúpula do G20. A forma como foi resolvida é satisfatória para o Brasil, mesmo não tendo sido alcançados os números propostos inicialmente pelo Bric?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. -
O resultado foi bom para o Brasil e importante para os Bric. Também fortaleceu o G20 como instância negociadora. Acertou-se que na próxima revisão de cotas do FMI, que deve ser concluída até janeiro de 2011, haverá uma transferência de pelo menos cinco pontos percentuais em favor dos países emergentes e em desenvolvimento. Se chegarmos a bom termo nessa negociação, será a maior transferência de poder decisório na história do FMI. A batalha apenas começou. Mas começou bem para nós, com um compromisso importante no nível político mais alto.

FOLHA - A segunda grande decisão da cúpula, confirmando o G20 como o fórum para a discussão da economia global, não acaba deixando o FMI em posição secundária? O G20 não tem nenhuma estrutura técnica-operacional, ao contrário do FMI. Como você, com a sua experiência de funcionário internacional, acha que se poderia organizar o grupo para uma atuação mais efetiva, que vá além de um fórum de debates?

NOGUEIRA BATISTA -
O G20 não é mais apenas um fórum de debates. Transformou-se na principal instância para definir a coordenação das políticas econômicas e a agenda de instituições multilaterais como o FMI. Antes, esse papel era do G7.

Não é que o FMI tenha ficado em posição secundária. É que agora as linhas gerais da agenda do Fundo são negociadas em uma instância mais ampla do que o G7, instância da qual o Brasil e diversos outros países em desenvolvimento fazem parte. Desde o final do ano passado, o G20 ficou mais importante do que o G7. Na cúpula de Pittsburgh, isso foi reconhecido formalmente pelos líderes do G20. Como todos os membros do G7 fazem parte do G20, a assinatura desse compromisso representa a passagem do bastão. Mas não há dúvida de que é preciso organizar melhor o G20, estabelecer algumas regras e procedimentos que protejam os participantes contra manobras e manipulações.

FOLHA - Que papel devem ter ou estão tendo os Bric nesse rearranjo?

NOGUEIRA BATISTA -
Os Bric têm tido um papel cada vez mais importante. Por exemplo, em Pittsburgh, o acordo na parte do FMI só saiu porque os Bric atuaram em conjunto, antes e durante a reunião. A resistência europeia era feroz. No final da noite de quarta-feira, antevéspera da cúpula, o impasse era total. Na manhã de quinta, em vez de retomar a plenária dos 20 membros (mais convidados), os EUA propuseram um formato diferente. Ficamos então os Bric numa sala e os europeus em outra. E os delegados americanos ficavam indo de uma sala a outra, tentando mediar um acordo. Os demais países esperando. Isso durou mais ou menos seis horas. Seis horas para um parágrafo. Parece kafkiano, mas era talvez o parágrafo mais importante da declaração. Era um dos pontos que provavelmente definiriam o fracasso ou o sucesso da Cúpula de Pittsburgh.

FOLHA - Por falar em Bric, não é paradoxal que você, crítico contumaz do que chama de "turma da bufunfa", tenha se entusiasmado com um grupo que só existe porque foi inventado por um ícone da "turma da bufunfa", a Goldman Sachs?

NOGUEIRA BATISTA -
Sim, é paradoxal. Diria que a "turma da bufunfa" nem sempre erra. O economista da Goldman Sachs que lançou a sigla percebeu algo importante: Brasil, Rússia, Índia e China, apesar de todas as diferenças históricas, políticas e culturais, têm traços comuns: dimensão geográfica, econômica e populacional. Seu peso econômico e político está aumentando rapidamente. Os Bric são os países de mercado emergente que se mostram capazes de atuar de forma independente. Quando se unem, a alavanca é poderosa. Foi o que vimos em Pittsburgh.

FOLHA - Você foi apresentado ao FMI, pelo ministro Guido Mantega, como "o maior crítico da instituição". Continua crítico, amansou as feras ou foi domesticado por elas?

NOGUEIRA BATISTA -
O ministro Mantega disse ao então diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato: "O que estão dizendo na imprensa brasileira sobre o Paulo não é verdade. É muito pior". Continuo crítico. O FMI começou a mudar com a crise mundial, com a gestão do Dominique Strauss-Kahn [atual diretor-gerente] e com a pressão dos Bric e de outros países em desenvolvimento. Mas ainda falta muito para que o Fundo seja uma instituição legítima, aceita no mundo inteiro.
Amansar as feras vai além da minha capacidade. Mas não creio que estejam conseguindo me domesticar. De qualquer maneira, para o brasileiro, apesar do progresso que fizemos, a luta contra o complexo de vira-lata é uma luta quase diária.

FOLHA - Quais são as chances de haver realmente um reequilíbrio na economia global, o tema de que se ocupará doravante o G20? É realmente necessário? E o Brasil, como entra nele?

NOGUEIRA BATISTA -
Em Pittsburgh, foi lançado, por proposta dos Estados Unidos, um modelo de consultas multilaterais em nível ministerial do G20 a ser alimentado por análises do FMI. Veremos se será útil e bem conduzido. A discussão de como isso funcionará está apenas começando. A própria maneira como o Fundo participará terá de ser discutida na diretoria executiva da instituição."

FONTE: reportagem de Clóvis Rossi publicada hoje (29/09) na Folha de São Paulo.

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