terça-feira, 26 de abril de 2011
O ATO FALHO DE FHC
Por Rodolpho Motta Lima
“O badaladíssimo e quilométrico artigo de Fernando Henrique Cardoso na Folha de São Paulo é uma obra aberta: está sujeito a diversas interpretações e, aqui, apresento a minha.
Ao introduzir, nessa espécie de “cartilha de ação do PSDB”, a ideia de que os tucanos devem retirar o foco no “povão” e concentrarem-se nos emergentes, na “nova classe média”, FHC cometeu ato falho e, para justificar o que seria gafe política, alegou que as pessoas não haviam entendido o que pretendera dizer, convidando-as à releitura do seu texto.
Mas, quando são muitas as pessoas que tiveram esse “falso entendimento” –e entre elas diversos correligionários do ex-presidente-, é mais adequado concluir que ele efetivamente disse o que as pessoas entenderam. Se era ou não coisa para dizer, isso é outra história. E eu defendo a tese do ato falho...
No meu entender, FHC não inovou em nada, no artigo, o seu ideário político ou, por extensão metonímica, o dos tucanos. O PSDB não é mesmo o partido do “povão” e seria ridículo que pretendesse deter essa posição, tradicionalmente assumida por outras agremiações políticas, entre elas o PT.
É por isso, aliás –por esses posicionamentos antagônicos em relação às camadas populares-, que o governo de Fernando Henrique não fez o que o de Lula fez: retirar milhões de brasileiros da pobreza, esses milhões que, guindados agora à classe média, os tucanos querem “apadrinhar” (ou será “abocanhar”?).
Interessante o raciocínio do sociólogo, que um leigo como eu poderia assim resumir: o PT cuida dos mais pobres, dos miseráveis e desfavorecidos, com políticas sociais de inclusão. E, uma vez inseridos dignamente na sociedade, aí entra o PSDB para “adotá-los”.
Até que faz sentido, porque os tucanos são mesmo mais chegados a uma visão elitista e seletiva das pessoas no mundo, mais afeitos a defender os interesses dos que já possuem, dos privilegiados que pretendem possuir cada vez mais.
A mim não surpreende essa tese. Desde o início, tenho colocado aqui minha posição sobre compromissos ideológicos e minha convicção de que é um engodo o fim da dicotomia esquerda x direita. Mudam-se os contextos, alteram-se os cenários, mas sempre haverá quem se posicione ao lado dos mais fracos e os que pretendam a manutenção dos privilégios dos mais fortes. E, antes que me rotulem, mais uma vez declaro não ser filiado ao PT ou a qualquer partido e, pelo contrário, lamento que essa vocação histórica pelas causas populares dos petistas não vá mais fundo e ainda faça concessões pouco aceitáveis a banqueiros e outros que se “endinheiram” à custa da exploração alheia. Estou apenas reafirmando que há, sim, os que se preocupam mais com o “povão”, os que dedicam políticas sociais a esse segmento (e é com um Estado atuante que se pode fazer isso), e os que se preocupam com interesses mais “específicos” (e que elegem o deus Mercado para a concretização de seus desejos particulares).
É fácil ver isso em todos os momentos em nossa política, mas não apenas nela. É fácil ver isso no cotidiano, na forma como pessoas comuns, como eu e você, vemos o mundo, as outras pessoas e suas necessidades. Algumas frases, algumas posturas, são esclarecedoras nesse sentido. Sem a menor preocupação com o valor “científico” desta afirmação nada ortodoxa e dela depurado um possível viés maniqueísta, penso que esnobação, arrogância, egoísmo, preconceito, defesa exagerada do primado do individual e coisas do gênero são atitudes “de direita”, enquanto solidariedade, convivência igualitária, respeito à alteridade, preocupação social e valorização do coletivo, por exemplo, são posicionamentos “de esquerda”.
A esquerda e a direita sobrevivem, mesmo com a queda do Muro de Berlin, mesmo com a morte do socialismo, mesmo com a apregoada caducidade do marxismo. Sobreviverão, enquanto as desigualdades sobreviverem...
Não é, pois, difícil reconhecer quem é de esquerda ou de direita, ainda que estes últimos não se admitam ou se reconheçam assim. Aliás, cá para nós, o primeiro passo para reconhecer um direitista é quando ele nega a existência dessa dicotomia, uma forma, talvez, de pacificar a sua consciência... Fernando Henrique Cardoso, em seu ato falho, quase se assumiu...”
FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-ato-falho-de-fhc) [imagem do google adicionada por este blog].
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