domingo, 8 de janeiro de 2012

ÁGUAS DA CHUVA TRAZEM PRIMEIRA (FALSA?) POLÊMICA POLÍTICA EM 2012


Um ministro bairrista no repasse de verbas contra enchente. Dilma disposta a enquadrá-lo com uma interventora. PT endossando denúncia de ONG de oposição e condenando um histórico aliado. Nas cordas, um PSB presidido por político com ambições em 2014 e à frente do estado beneficiado pelo bairrismo". Pronto, eis a polêmica. Mas os fatos parecem não sustentá-la.

Por André Barrocal

“Mais um ano começa com tragédias provocadas pelas chuvas que marcam esta época. O principal palco dos estragos até agora é Minas Gerais, onde pessoas morreram e uma centena de municípios já decretou situação de emergência. Os governos federal e estadual correm para socorrer vítimas, acolher desabrigados, liberar dinheiro, planejar a recuperação do destruído.

Ao mesmo tempo em que causa problemas concretos no mundo real, as chuvas também produziram consequências não muito longe de Minas, mas num mundo mais virtual, a política. Nascido na capital brasileira, o “aguaceiro” espraiou-se pelo país por meio de TVs, rádios, jornais, blogs da internet na forma de polêmica que talvez não mereça a definição.

O motivo foi a suposta preferência explícita do ministro responsável pelo gasto de recursos federais destinados a prevenir enchentes por aplicá-los em seu estado de origem. Por trás da predileção de Fernando Bezerra por Pernambuco, estaria interesse político de quem estaria de olho em candidatura a prefeito de Recife em outubro.

A tese de gestão eleitoreira de Bezerra foi sustentada com base na seguinte informação: de R$ 29 milhões em dinheiro liberado pelo Ministério da Integração Nacional para obras contra enchentes em 2011, R$ 25 milhões foram para Pernambuco.

A informação foi levantada primeiramente por uma ONG chamada “Contas Abertas”, especializada na vigilância do gasto público. A entidade é de um deputado federal, Augusto Carvalho (DF), que pertence a um partido adversário do governo Dilma Rousseff, o PPS. A informação foi repassada pela ONG para um grande jornal, que a publicou na última terça-feira (3).

No mesmo dia, uma das ministras mais próximas da presidenta, Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, abreviou as férias e voltou ao batente, por ordem da chefa, que só retomaria o trabalho na sexta (6). A entrada de Gleisi em cena foi vista pelo mundo político como intervenção presidencial na pasta do “politiqueiro” ministro Fernando Bezerra, que seria “enquadrado” a partir dali.

No dia seguinte, o secretário de Comunicação do PT, deputado federal André Vargas (PR), daria declaração a um jornal do estado dele, chamando de “equívoco” o “privilégio” dado por Bezerra, que é do PSB, ao próprio estado na liberação de recursos. E garantindo que “a presidente Dilma não concorda com esse tipo de gestão.”

Um ministro sem atitude republicana, como se viu em números. Uma presidenta irritada e disposta a enquadrar o auxiliar, por meio de uma interventora. O partido dela fazendo coro à denúncia de uma ONG de oposição e condenando em público um aliado histórico do PT, o PSB. Aliado que é presidido por um político em ascensão, Eduardo Campos, que vê as eleições presidenciais de 2014 com certas ambições e que é, justamente, governador de Pernbambuco. Pronto, estava criada a polêmica.

Mas, será que haveria mesmo motivo para uma? Na última quarta-feira (4), o ministro acusado de bairrismo convocou a imprensa para dar explicações. E, pelos dados que apresentou na entrevista, talvez mereça crítica mais por dificuldade de gastar todo o dinheiro que tinha à disposição, do que por privilegiar o próprio estado.

Em 2011, a Integração tinha R$ 366 milhões para investir em prevenção de enchentes. Empenhou, primeiro ato de um gasto público, 70% - mais de R$ 100 milhões não foram usados. E pagou de fato só R$ 29 milhões.

Desses pagamentos realizados, 90% foram mesmo para Pernambuco. Mas, disse o ministro, porque o estado tinha sido quem mais pedira verba federal [com os documentos e autorizações (IBAMA etc) e projetos correspondentes prontos] depois que, em 2010, passou por uma das maiores tragédias causadas por chuvas na história brasileira, com mais de 18 mil famílias atingidas.

Aquela tragédia levara o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a fazer acordo com Dilma Rousseff para construir diversas barragens no estado, ao custo de R$ 600 milhões, de forma rateada com o governo federal. Era um dos estados com projetos em estágio mais avançado de elaboração e em mais condições de efetivamente receber dinheiro federal.

Segundo Fernando Bezerra, o que também mostra que não houve bairrismo no ministério, é a análise do resto do orçamento. No ano passado, as ações posteriores a enchentes - socorro a pessoas com alimentos e remédios ou reconstrução de estradas, por exemplo - tiveram empenho de R$ 910 milhões por parte do ministério. Só a metade foi paga.

Do total empenhado, quem mais recebeu recursos foi o estado do Rio de Janeiro, grande vítima de enchentes em sua região serrana no início de 2011, com cerca de 20%. Depois, Santa Catarina, que passou por um grande estrago em 2008. Pernambuco, que sofreu em 2010, foi o terceiro. "Não existe aqui política partidária, miúda, pequena", disse Bezerra.

Mas não bastava ao ministro explicar que não havia "bairrismo". O mundo político em Brasília ainda exigira que algumas arestas fossem aparadas em meio à "polêmica".

No mesmo dia da entrevista de Bezerra, Gleisi Hoffmann distribuiu nota à imprensa para desmentir a tese de que era "interventora". Disse a ministra: “Esclareço que não recebi por parte da presidenta da República nenhuma orientação ou determinação para intervir na execução orçamentária do Ministério da Integração Nacional. O ministro Fernando Bezerra é e continua sendo responsável pela execução dos programas e projetos daquela Pasta. Qualquer informação fora deste contexto tem por objetivo disseminar intriga”.

O PT também precisava fazer sua parte para, depois que um membro graúdo do partido, o secretário de Comunicação, tinha colocado lenha na fogueira em que Fernando Bezerra ardia e alimentado a “intriga” citada por Gleisi. Na sexta-feira (6), o presidente do partido, Rui Falcão, também soltou nota para acalmar o PSB. “Para o PT, o episódio está encerrado e não abala nem um pouco as relações políticas com o seu aliado, o PSB."

FONTE: escrito por André Barrocal no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19341) [trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

Nenhum comentário: