terça-feira, 3 de janeiro de 2012

HEROIS NORTE-AMERICANOS E HEROÍNA AFEGÃ

Plantações protegidas pelos EUA/OTAN e um "terrorista" afegão

“LUTA CONTRA NARCOTRÁFICO NO AFEGANISTÃO FOI BEM-SUCEDIDA” [sic!]

[OBS deste blog ‘democracia&política’:

Nos EUA e em boa parte do mundo são muito difundidas imagens e histórias de soldados-herois norte-americanos que, "pela Humanidade", sacrificam suas vidas para levar a "liberdade" e a "democracia" ao Afeganistão.  Os jornais e TVs mostram solenidades em que orgulhosas famílias recebem de volta os seus filhos em caixões cobertos com a sagrada bandeira dos EUA.

Porém, muitas coisas "não batem". Esse título acima, sobre a luta "bem-sucedida" dos EUA/OTAN contra o narcotráfico, parece gozação.

Em 22 de março de 2008, logo no início de sua existência, este blog já externava perplexidade quanto às circunstâncias que envolvem a ação dos EUA e OTAN no Afeganistão. Na postagem intitulada “FATOS MUITO ESTRANHOS NA GUERRA DOS EUA CONTRA O AFEGANISTÃO”  (http://democraciapolitica.blogspot.com/2008/03/fatos-muito-estranhos-na-guerra-dos-eua.html), expusemos:

A GUERRA DOS EUA CONTRA O AFEGANISTÃO

"Já era conjecturado pela imprensa, nos EUA e no exterior, muito antes do ataque terrorista de 11/09/2001 às torres gêmeas de Nova Iorque, que o Afeganistão seria invadido por tropas norte-americanas em futuro próximo.

O PETRÓLEO

Um dos motivos desse ataque prenunciado foi o fato de a região da Ásia Central abrangida pelos países Cazaquistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão ter sido identificada como possuindo reservas de petróleo e gás maiores que as do Golfo Pérsico.

Os EUA já haviam ajudado, com interesse na área, o regime Talibã e Osama Bin-Laden a combaterem a União Soviética no Afeganistão, país vizinho àquela rica região petrolífera e caminho natural para o melhor escoamento da futura produção petrolífera.

O Afeganistão é importantíssimo como solução geográfica mais barata para o transporte daquelas riquezas. Será muito menos custoso passar oleodutos e gasodutos por seu território, até o porto na área marítima do Paquistão junto ao Oriente Médio, do que a solução manifestada pelos russos, de estendê-los até o Mar Negro.

Segundo a imprensa, vários grupos dos EUA (Chevron, Conoco, Texaco, Mobil Oil e Unocal) já estavam na década de noventa com investimentos adiantados no Afeganistão para aquela exploração.

O regime afegão Talibã, todavia, veio a se negar a autorizar a passagem pelo Afeganistão do oleoduto e do gasoduto, os quais já estavam iniciados pela empresa norte-americana Unocal. Essa negação causou a interrupção da obra em 1998. Naquele ano, em 20/08/1998, de surpresa, à noite, os EUA atacaram com mísseis de cruzeiro e aviões uma região daquele país “suspeita de abrigar possíveis terroristas”. (OBS: esse ataque já foi mencionado por este blog no artigo desta série intitulado “Ataques dos EUA contra Granada, Somália, Sudão e outros”, postado em 15 de março 2008).

Desde então, volta e meia surgiam artigos em jornais e revistas, em várias partes do mundo, abordando novo e iminente ataque militar dos EUA ao Afeganistão. Talvez, o ataque terrorista de 11/09/2001 em Nova Iorque tenha sido o valioso e oportuno pretexto (acidental?) para aquela esperada e planejada ação militar norte-americana.

COISAS MUITO ESTRANHAS - O NARCOTRÁFICO

Nem tudo, no entanto, era assim facilmente previsível ou imaginável. Sempre achei que havia no ar coisas muito estranhas, incoerentes. Muitas delas até hoje perduram ou se repetem. E ainda não as compreendo.

Por exemplo: o regime Talibã banira do Afeganistão o cultivo do ópio, do qual é extraída a heroína. A produção caiu a zero em julho de 2001, dois meses antes do atentado às torres gêmeas de Nova Iorque. O comércio mundial daquele produto, que somente nos EUA move mais de dois bilhões de dólares por ano, ficou arrasado, com preços disparando, inviabilizando a sua comercialização e causando o desespero dos seus comerciantes e dos consumidores, principalmente norte-americanos. Em 2008, o comércio de narcotráfico (heroína e outros) movimentou 1,75 trilhões de euros no mundo.

Alguns meses depois da invasão norte-americana, na caça ao terrorista Bin Laden, os EUA devastaram com poder impressionante o Afeganistão, com milhões de toneladas de bombas e mísseis moderníssimos. Até o seu subsolo, suas cavernas, suas montanhas foram explodidos por novas e poderosas bombas que tudo esfarinhavam como um grande terremoto.

Aquele país atacado, cujos progresso e infraestrutura o assemelhavam ao interior do Piauí, e o seu centro comercial era semelhante a uma feira livre da periferia de Caruaru, foi completamente destroçado, com dezenas de milhares de civis afegãos mortos. Até hoje, está totalmente ocupado pelas numerosas, modernas e poderosíssimas Forças Armadas dos EUA e de seus aliados.

Contudo, o surpreendente e incompreensível para mim é o Afeganistão, mesmo policiado palmo a palmo por forças que se intitulam com o nobre direito de combater o terror e o narcotráfico no mundo, ter rapidamente recuperado, e gigantescamente aumentado, a lavoura, a produção e a exportação do ópio, hoje já respondendo por quase 100% da produção mundial. Os preços e o suprimento da heroína já baixaram e estão normalizados nos EUA e nos demais grandes mercados consumidores.

Fico perplexa, nada entendendo.

Apenas para exemplificar mais ainda esse incongruente quadro, relembro trechos de um artigo da BBC Brasil, de 03/09/2006, que tratou desse surpreendente e exponencial crescimento da produção de papoula, ópio e heroína após a invasão norte-americana:

CULTIVO DE ÓPIO NO AFEGANISTÃO AUMENTA 59% NO ANO (2006)

Da BBC

“O cultivo de papoulas no Afeganistão - matéria-prima para a produção de ópio - deverá aumentar em 59% neste ano [2006], representando 92% da produção mundial da droga, de acordo com as Nações Unidas.”

(...) “O narcotráfico no Afeganistão, estimado em US$ 2,7 bilhões, responde por cerca de um terço da economia do país.” (atualização deste blog: em 2008, 57% do PIB afegão provém da heroína, segundo UOL Mídia Gobal, 02/04/2008).

GOVERNO DÉBIL

Das 34 províncias do país, em apenas seis não há produção de ópio, afirma a agência.

O aumento do cultivo de papoulas ocorreu ainda no nordeste do país, o que é atribuído à presença de comandantes de milícias e a um governo débil, disse o relatório.

"A opinião pública está cada vez mais frustrada com o fato de que o cultivo de ópio no Afeganistão está fora de controle".

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Isso foi em 2006. Em 2007 foi pior:

Vejamos outro artigo, da “Folha Online”, em 05/03/2007:

ONU RELATA AUMENTO DO TRÁFICO DE ÓPIO NO AFEGANISTÃO (2007)

“O cultivo de papoula --matéria prima do ópio-- no Afeganistão poderá se expandir em 2007 após uma safra recorde em 2006, afirmou nesta sexta-feira a agência da ONU que investiga drogas. O relatório da ONU destaca o fracasso de uma iniciativa internacional que luta contra o tráfico de narcóticos crescente no país.

A “Agência para Drogas e Crimes” da ONU (UNODC) prevê aumento da papoula em um círculo de Províncias afegãs, inclusive Helmand, no sul, onde há a mais extensa área de cultivo no país.”

(...) "A pesquisa deste inverno sugere que o cultivo de ópio no Afeganistão em 2007 poderá superar a colheita recorde de 165 mil hectares em 2006", afirmou o diretor executivo da UNODC”.

CULTIVO


(...) Segundo a ONU, o cultivo de papoula ocorre em 100% dos vilarejos visitados na Província de Helmand e em 93% das vilas da Província vizinha de Candahar (ex-bastião do Talibã).”

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[Muito estranho...”

Por que agora relembro essas postagens? Porque li ontem (2 jan 2012), no site “DefesaNet”, que me parece ser porta-voz dos interesses judaico-americanos e do complexo industrial-militar dos EUA/Israel, o seguinte artigo, onde a OTAN/ISAF faz afirmações inverossímeis totalmente incoerentes com as avaliações da ONU. Parece-me gozação, escárnio da OTAN/ISAF]:

OTAN: “LUTA CONTRA NARCOTRÁFICO NO AFEGANISTÃO FOI BEM-SUCEDIDA”

A luta contra o narcotráfico no Afeganistão é um sucesso graças às "incríveis" apreensões realizadas em 2011, considerou em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (2) Carsten Jacobson, porta-voz da ISAF, a coalizão militar estrangeira dirigida pela OTAN.


"O tráfico de entorpecentes tem sido um fator chave para o financiamento dos insurgentes, mas essa fonte de renda diminui. As forças de segurança afegãs, com seus associados da ISAF, capturaram quantidades incríveis de drogas ilícitas e de material vinculado, em 2011 em relação a 2010", comemorou Jacobson.

As apreensões de ópio aumentaram 13% e as de haxixe 59%, enquanto as de maconha e de morfina se multiplicaram por 12 e 10, respectivamente, segundo estatísticas da ISAF, que não comunicou as quantidades confiscadas.


"As operações antidrogas afetam com sucesso as capacidades dos insurgentes para transformar o ópio em heroína. Em 2012, continuaremos sufocando as rendas geradas pela venda de drogas ilícitas", afirmou o porta-voz da ISAF.


No entanto, o otimismo da OTAN deve ser relativizado, já que o Escritório das Nações Unidas contra a droga e o crime (UNODC) indicou, em outubro 2010, que a produção de ópio no Afeganistão aumentou de maneira importante (+61%) em 2011 em relação a 2010, quando havia diminuído devido à presença de um parasita.

Para este ano, a UNODC considera a produção potencial em 5.800 toneladas, contra 3.600 toneladas no ano passado, com um leve aumento das superfícies cultivadas (+7%) em relação a 2009 e 2010, para se estabelecer em 131 mil hectares em 2011.

Depois de leve queda da parte afegã na produção global de 2010, o Afeganistão deverá representar, mais uma vez, 90% da produção mundial de ópio, com o sul do país, principal região afetada pela insegurança, representando 78% deste total, segundo a UNODC.”

FONTE: a primeira parte, o título, os entre colchetes, foram elaborados e adicionados por este blog ‘democracia&política’. A segunda parte (OTAN: “LUTA CONTRA NARCOTRÁFICO NO AFEGANISTÃO FOI BEM-SUCEDIDA”) foi publicada no site “defesaNet”  (http://www.defesanet.com.br/geopolitica/noticia/4205/Otan--luta-contra-narcotrafico-no-Afeganistao-foi-bem-sucedida)

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