domingo, 3 de junho de 2012

Bresser-Pereira e Marconi: MERCADO INTERNO PARA QUEM?


O mercado interno é o maior ativo que a economia de um país pode possuir; sua magnitude é definida por seu Produto Interno Bruto (PIB), pela soma dos salários, dos lucros e das rendas do capital.

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira e Nelson Marconi, no jornal “Valor”

Foi buscando aproveitar esse mercado que os desenvolvimentistas brasileiros defenderam, nos anos 1950, o modelo de industrialização por substituição de importações. Foi procurando ampliar esse mercado interno que, a partir do fim dos anos 1960, esses mesmos economistas, vendo que o processo de substituição de importações se esgotara, apoiaram o exitoso processo de ampliação das exportações de manufaturados que, concomitantemente, aumentou o mercado interno.

Hoje, depois de muitos anos de baixas taxas de crescimento e de queda da participação dos manufaturados nas exportações totais, coloca-se novamente o problema do aproveitamento e da ampliação do mercado interno.

No mundo atual, as economias são muito mais abertas que no passado; competir em pé de igualdade pelos mercados de manufaturados (leia-se bens com maior valor adicionado e que incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia) é necessário para o aumento da produtividade e o alcançamento de taxas mais elevadas de desenvolvimento econômico. Dado que não faz sentido voltar a reduzir o coeficiente de importações, o desenvolvimento econômico brasileiro será limitado pela taxa de crescimento das exportações.

Entretanto, uma parcela dos economistas brasileiros defende uma estratégia de crescimento “wage-led”, baseada no aumento dos salários. Preferem conviver com a sobreapreciação cambial existente, porque o custo de se colocar a taxa de câmbio no nível de equilíbrio (a do equilíbrio industrial, que torna competitivas as empresas industriais eficientes) implicará alguma redução dos salários reais e em aumento da inflação (ambos temporários). No fundo, querem voltar ao modelo de substituição de importações, mas não propõem as altas taxas aduaneiras que seriam necessárias para voltar a uma estratégia desse tipo, incompatível com o estágio de desenvolvimento do Brasil.

A estratégia de desenvolvimento não deve ser “export-led” ou “wage-led”, mas “growth-led”; deve propiciar oportunidades de investimento lucrativas para os empresários que garantam taxa de crescimento satisfatório. Se o patamar de crescimento é insatisfatório, como acontece agora, esse fato é causado, principalmente, por taxa de câmbio apreciada e taxa de juros alta em termos reais, que resultam em baixas oportunidades de investimentos lucrativos para as empresas industriais - justamente aquelas que proporcionam maior valor adicionado per capita.

Como, a partir de 2004, a economia brasileira pareceu haver retomado o crescimento baseado em estratégia do tipo “wage-led” - baseada no aumento real do salário mínimo, na “Bolsa Família” e no crédito consignado, enquanto a taxa de câmbio se apreciava fortemente - surgiu a tese de que seria possível para a economia brasileira crescer a partir da expansão do consumo no mercado interno, não havendo necessidade de se depreciar a taxa de câmbio.

Aquele crescimento, porém, só foi possível porque uma economia mundial aquecida antes da crise elevou os preços de nossos produtos exportados, principalmente das “commodities” (160% entre 2002 e 2008, enquanto os preços das exportações de manufaturados cresceram 53% no mesmo período), fato que possibilitou à economia brasileira financiar o aumento das importações decorrente dessa estratégia sem gerar desequilíbrio significativo no saldo em transações correntes.

Mas a continuidade desse modelo é inviável, primeiro, porque o cenário externo não permite continuar a contar com o aumento do preço das “commodities”, e, segundo, porque o câmbio sobreapreciado faz com que o mercado interno seja suprido por importações: com pequena defasagem, esse mercado interno foi entregue de graça aos exportadores de outros países, principalmente aos chineses, e a indústria brasileira entrou em crise. As exportações de manufaturados, calculadas em quantum, estão em declínio desde 2007, sendo que, em 2011, foram 15% inferiores às daquele ano, enquanto o quantum das importações de manufaturados aumentou 59% no mesmo período.

Os dados das “Contas Trimestrais a preços constantes” mostram que, em média, 34% do incremento da demanda agregada no país foi atendido por importações nos anos de 2010 e 2011, enquanto esse percentual foi de cerca 10% entre 2000 e 2005. Não é a magnitude desse percentual que impressiona, mas a velocidade da elevação das importações nos últimos anos.

Enquanto a produção industrial encontra-se, praticamente, no mesmo patamar que vigorava antes dos reflexos mais significativos da crise no Brasil (a média de 2011 foi 2,7% superior à média de 2008), o volume de vendas do comércio varejista foi 25,3% superior na mesma base de comparação. Graças ao último aumento do salário mínimo, o mercado interno brasileiro continua grande, mas não está dando emprego para brasileiros, e sim aos exportadores de manufaturados para o Brasil.

Não se trata, portanto, de adotar estratégia "export-led" ao invés de "wage-led". Trata-se de defender estratégia "growth-led", uma estratégia que garanta o crescimento do mercado interno e dos salários de 5% a 6% ao ano ao invés de a 3% como voltou a acontecer depois do boom das commodities.

O limite desse crescimento é o do crescimento das exportações. Alcançar esse crescimento graças aos preços das “commodities” não é mais realista; tentar transformar o Brasil em grande fazenda é uma loucura.

Felizmente, a presidente Dilma Rousseff parece ter entendido isso e está gradualmente tirando a economia brasileira da armadilha dos juros altos e do câmbio sobreapreciado.”

FONTE: escrito por Luiz Carlos Bresser-Pereira e Nelson Marconi no jornal “Valor Econômico”. Transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=184450&id_secao=2) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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