domingo, 18 de janeiro de 2015

COMEÇOU O JULGAMENTO DOS CRIMES DE GUERRA DE ISRAEL NA PALESTINA?


Palestinos andam aterrorizados pelos escombros das suas casas em Beit Hanun, na Faixa de Gaza, procurando familiares sob os escombros, durante momentos de "trégua" dos bombardeios israelenses em 26 de julho de 2014 (Mohammed Abed/AFP/Getty Images)


Encurralado, Israel rebate inquérito preliminar sobre crimes de guerra


"A promotora do Tribunal Penal Internacional (TPI) Fatou Bensouda anunciou na sexta-feira (16) um inquérito inicial sobre as denúncias de crimes de guerra perpetrados durante a ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza, em 2014. “Justiça” tem sido um conceito distante das análises sobre o chamado “conflito Israel-Palestina”, mas a tradição da impunidade pode estar finalmente sacudida, mesmo que ainda falte um difícil trajeto.

Por Moara Crivelente, 
cientista política, para o portal "Vermelho" 

Durante a “Operação Margem Protetora” de Israel contra a Faixa de Gaza, entre julho e agosto do ano passado, Richard Falk, que acaba de concluir seu mandato como relator especial da ONU para os territórios palestinos ocupados de 1967, avaliava um “novo crime de guerra”: o impedimento da saída de civis – possíveis refugiados – com cada vez menos abrigos dos bombardeios. Falk, assim como representantes da "Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos para os Refugiados da Palestina" (UNRWA), reconhecia que o estreito território sitiado desde 2006, com quase 1,8 milhão de habitantes em 360 km2, um dos locais mais densamente habitados do mundo [pois o restante da Palestina foi invadido e apropriado por Israel e seus habitantes expulsos], não oferecia opções sequer para o “deslocamento interno” – ou seja, sem cruzar as fronteiras – para longe dos “alvos”.

Segundo Falk, que entregou o cargo de relator especial em setembro ao indonésio Makarim Wibisono (já taxado de pró-palestino, como Falk, pela mídia israelense), o direito internacional humanitário não fornece sentenças claras sobre a prática específica de impedir a saída dos que seriam refugiados do território atacado, mas talvez os consultores israelenses na Advocacia-Geral do Exército já tivessem destrinchado intencionalmente essa questão. 

O mesmo vale para as extensas violações dos direitos humanos mais básicos nos territórios palestinos [ilegal e impunemente] ocupados por Israel - aos quais se inclui Gaza, mas abrangem a Cisjordânia e Jerusalém Oriental - inclusive através de um regime militar, enquanto um regime civil beneficia os colonos israelenses ilegalmente assentados [nas terras palestinas roubadas]. O TPI terá jurisdição retroativa e poderá investigar os eventos desde 13 de junho de 2014, quando foi lançada uma"operação militar" contra a Cisjordânia, "Guardião Fraterno".


Tanto como os outros crimes de guerra ou crimes contra a humanidade denunciados, o impedimento à busca de refúgio também deve ser exposto no quadro geral sobre a vulnerabilidade do direito internacional à instrumentalização como diretriz sobre "como massacrar dentro da lei". Foi assim que o cinismo dos líderes israelenses apresentou, em redes sociais e páginas oficiais, a “benevolência” dos avisos despejados como panfletos, mensagens de texto ou por rádio, sobre os próximos bombardeios a acertarem escolas, casas, mesquitas, igrejas, clínicas e hospitais, muitos servindo seus propósitos e também o de abrigos para os já desalojados. A prática, tanto do emprego de juristas para a condução da ofensiva quanto a da propaganda sobre seus feitos, não é novidade.

Tampouco é novidade o rompante do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu Chanceler Avigdor Lieberman, que criticaram a decisão da promotora Bensouda e classificaram o TPI, que "deveria ser desmantelado", como "parte do problema", segundo o jornal israelense "Haaretz".

Antecedentes da iniciativa palestina

Em 2009, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) pediu ao então promotor Luis Moreno Ocampo que investigasse a condução da “operação Chumbo Fundido” de Israel, outra vez, contra a Faixa de Gaza, quando cerca de 1.400 palestinos foram mortos e o território já sitiado ficou devastado. Naquele ano, uma missão do Conselho de Direitos Humanos da ONU para averiguação dos fatos publicou um relatório de 500 páginas sobre os crimes de guerra e “possíveis crimes contra a humanidade” perpetrados. As acusações foram atribuídas também ao Hamas, partido e movimento de resistência em Gaza, taxado de forma calculista por Israel de “organização terrorista”, ou seja, jogado ao limbo da expressão “combatente ilegal”, supostamente desprotegido pelo direito, o que ainda serve para a mobilização de apoio popular nas ações contra o “terror”.


O TPI explica que a resposta do promotor foi negativa devido ao estatuto da ANP, então apenas de “entidade observadora” da ONU. Em 2012, porém, a mudança ocasionada pelo reconhecimento da Palestina como "Estado observador não membro" pela Assembleia Geral das Nações Unidas reverteu a situação. Em janeiro de 2015, após a sequência estarrecedora de eventos (o massacre de quase 2.200 palestinos, a expansão da ocupação, a intensificação da violência israelense sobre a Cisjordânia e Jerusalém Oriental e a evidência de que a liderança sionista em Israel acentua sua agressividade contra os palestinos), o presidente Mahmoud Abbas, finalmente, assinou o Estatuto de Roma para aceder ao TPI.

O que os que acompanhamos o decorrer dos eventos, com expectativa, questionamos, é o que pode ser diferente desta vez. A hipótese primária: as referidas e fundamentais tecnicalidades, embora Israel e seus aliados, os Estados Unidos, esforcem-se para minar a busca dos palestinos pelo cumprimento do direito internacional – por exemplo, ambos anunciaram não considerar legítima a adesão palestina ao TPI, órgão cuja jurisdição não reconhecem - porque não reconhecem o Estado da Palestina. Mas tão importante quanto o que dizem os artigos do Estatuto de Roma pode ser, apesar de tratar-se de um processo judicial e burocrático, o apoio político angariado pela Palestina no nível mundial.

Novo rumo da burocracia jurídica

Assim como a evidente falta de disposição para a diplomacia de um governo politicamente abalado e agressivo em um país onde a extrema-direita ganhou tamanha força, sobrou pouco espaço para, mesmo através de um elaborado aparato midiático e de contorcionismo jurídico, questionarem-se a veracidade e a coerência das acusações de crimes de guerra contra o Exército e o governo de Israel. Essas foram opiniões expressas por diversos especialistas, inclusive israelenses.

[Obama recebe feliz Netanyahu, o mandante do último atentado em Gaza, que matou 180 vezes mais do que o atentado ao Charlie Hebdo" em Paris] 

Além deles, o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter, renomado como importante ator em diferentes mediações diplomáticas através do seu instituto – e apesar de sua própria atuação enquanto no governo estadunidense – disse, em entrevista ao jornal "Huffington Post" divulgada na terça-feira (13), concordar com a investigação pelo TPI, embora o atual presidente, Barack Obama, tenha garantido ao premiê israelense Benjamin Netanyahu não apoiar a iniciativa. “Acho que pode ser bom o TPI olhar de forma inquisitiva não apenas ao que os israelenses fizeram aos palestinos, mas também vice-versa,” disse Carter, fazendo questão de pontuar as acusações israelenses – antes que seja completamente deslegitimado ou até achacado pela liderança sionista, como todos os acusados de não lamentar “o suficiente” pelos 66 soldados e sete civis israelenses mortos pelos minifoguetes [rojões] palestinos, preocupados demais com a dimensão – alguns a chamaram de “desproporcional” – da devastação física e psicológica ainda persistente em Gaza.

Ao contrário de Obama, que já deu outras amostras da arrogância do seu governo, Carter lembrou que cerca de 150 países já reconhecem o Estado da Palestina, pelo que a argumentação de invalidade da iniciativa palestina não pode sentar sobre o fato de os EUA ou Israel não fazerem parte desse grupo, ao qual até mesmo seus aliados na França e no Reino Unido podem somar-se em breve. Porém, Carter relativiza tanto suas afirmações que nega a imposição de um regime de apartheid por Israel aos palestinos, apesar de todas as evidências expostas pela ONU e por organizações de defesa dos direitos humanos, inclusive israelenses, como são as mais de 50 leis segregacionistas elaboradas pelo regime sionista de ocupação, a “Potência Ocupante”, conforme terminologia da quarta "Convenção de Genebra sobre Proteção dos Civis em Tempos de Guerra" (1949).

Por outro lado, para somar-se à pilha de denúncias que se acumula no colo do governo israelense, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deve emitir nos próximos meses – talvez no período das eleições antecipadas pela fragmentação do gabinete de coalizão de Netanyahu, em março – um relatório da sua nova missão de investigação, aprovada ainda em julho de 2014, com apenas um voto negativo, o dos EUA. Resta à mesma solidariedade internacional demonstrada durante os bombardeios pressionar para que este não encontre o mesmo destino do relatório de 2009, o esquecimento. Que a impunidade seja finalmente derrubada, abrindo espaço à justiça e à tão postergada autodeterminação dos palestinos, e o fim da ocupação."

FONTE: escrito 
para o portal "Vermelho" por Moara Crivelente, cientista política, jornalista e membro do "Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz" (Cebrapaz) assessorando a presidência do "Conselho Mundial da Paz" (http://www.vermelho.org.br/noticia/257274-9). [Trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

COMPLEMENTAÇÃO

Palestina manterá luta pacífica por sua autodeterminação

"O embaixador da Palestina ante as Nações Unidas, Riyad Mansour, afirmou que esse povo árabe manterá sua luta pacífica pelo fim da ocupação israelense e o direito à autodeterminação.

Riyad Mansour, observador permanente do Estado da Palestina na Organização das Nações Unidas

Em um foro do Conselho de Segurança sobre o Oriente Médio, incluída a questão palestina, o diplomata precisou que essa postura não mudará com adversidades, como a rejeição no órgão de 15 membros a um projeto de resolução para pôr prazo à retirada de Tel Aviv dos territórios [ilegalmente] ocupados desde 1967.

Retornamos ao Conselho após este fracassar uma vez mais em suas obrigações de resolver o conflito palestino-israelense”, assinalou.

De acordo com Mansour, os palestinos seguirão indo ao Conselho de Segurança e às nações amantes da paz, para buscar que se respeitem as leis internacionais e o direito a um Estado independente, com Jerusalém Oriental como sua capital.

"Estamos determinados a perseguir por vias pacíficas, políticas, diplomáticas e legais a realização de nossos direitos inalienáveis e aspirações legítimas", sentenciou.

Nesse sentido, recordou que a Faixa de Gaza permanece bloqueada e sob os efeitos devastadores da agressão de Tel Aviv desde o verão passado, que deixou mais de dois mil mortos, entre eles 520 crianças, 11 mil feridos e enormes danos na infraestrutura socioeconômica.

Por sua vez, Cisjordânia e Jerusalém Oriental não deixaram de ser cenário da colonização ilegal pela potência ocupante, que constrói mais assentamentos, demole moradias e altera a demografia”, denunciou.

Em relação aos trâmites palestinos para acessar convênios e acordos internacionais, o diplomata defendeu o direito soberano a empreender tais passos. “Trata-se de ações não violentas e legais face ao caminho da paz e da justiça”, afirmou.

A Palestina solicitou no início do ano seu ingresso em 16 instrumentos, entre eles a Corte Penal Internacional, órgão com sede em Haia, ante o qual apresentou uma demanda retroativa contra Israel por crimes de guerra, pela agressão a Gaza em julho e agosto passados.

Para Mansour, o centro da atenção não deve estar em criticar as medidas pacíficas palestinas, mas em pôr fim à ocupação e exigir responsabilidades pelas violações dos direitos humanos, os crimes de guerra e o desconhecimento das leis por Israel."

FONTE: do Prensa Latina. Transcrito no portal "Vermelho"  (http://www.vermelho.org.br/noticia/257223-9).

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