sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

INJUSTIÇA FISCAL NO BRASIL



Lena Lavinas, autora do estudo 
"A Long Way from Tax Justice: The brazilian case"

Feliz ajuste fiscal


Injustiça fiscal: Quem ganha até dois salários mínimos deixa 53,9% da renda com o Tesouro

A identidade fugidia do patrimonialismo no Brasil hoje pode ser desvendada na fiscalidade 

Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista "CartaCapital"

"O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, manifestou sua rejeição ao patrimonialismo. O ministro utilizou o conceito para designar a concessão de incentivos, subsídios e favorecimentos a determinados setores da economia.

Na raiz da rejeição, está a concepção da economia competitiva: povoado por indivíduos racionais e otimizadores, o mercado, sem favores ou barreiras, tem a virtude de gerar os incentivos adequados ao crescimento econômico e para a elevação do bem-estar da comunidade. Nessa visão, mesmo com a economia resvalando para a recessão, o equilíbrio intertemporal das contas públicas é condição para o crescimento econômico saudável. É o que tenta há cinco anos a Europa da senhora Merkel...

Vamos ao patrimonialismo. O leitor certamente conhece o livro de Raymundo Faoro, "Os Donos do Poder", uma aventura intelectual na busca do desvendamento das raízes patrimonialistas da sociedade e do Estado no Brasil. O livro de Faoro não é de fácil leitura. A obra não investiga apenas os caminhos e descaminhos do patrimonialismo brasileiro. Avança, sim, na perquirição a respeito das origens luso-colonial-mercantilistas do patrimonialismo nativo. No fim do percurso, encontra a encruzilhada weberiana: o patrimonialismo tupiniquim junta-se ao fenômeno universal do “patrimonialismo capitalista”.

O capitalismo realmente existente na Inglaterra liberal do século XIX surgiu das entranhas dos privilégios mercantis. No século XVIII, às vésperas da Revolução Industrial, diz Eric Hobsbawn, a Inglaterra era comandada pela aristocracia enriquecida na esfera financeira e mercantil. Prevaleciam os grandes comerciantes, banqueiros e negociantes de dinheiro, concentrados em Londres. Os industriais manchesterianos auferiam rendimentos muito inferiores àqueles obtidos pelos mercadores e financistas. Ainda mais ricos e influentes do que os empresários da indústria eram os que se valiam de privilégios e sinecuras: soldados, magistrados, todos incluídos na rubrica de “offices in profit of the crown”.

Os privilégios sobreviveram à Revolução Industrial. Metamorfoseados no poder da finança internacionalizada da City londrina, decretaram o destino econômico da Inglaterra, logo suplantada pela escalada das industrializações retardatárias. Os retardatários usaram e abusaram de subsídios e privilégios: protecionismo nos Estados Unidos, "dirigisme" na França e íntimas ligações entre o chanceler Bismarck, a burocracia Junker e o banqueiro-lobista Bleichröder, na Alemanha.

No Brasil, o patrimonialismo capitalista vestiu muitas máscaras ao longo da história, mas hoje sua identidade fugidia pode ser desvendada na fiscalidade. Vamos enveredar pela estrutura tributária e de gasto para entender o caráter regressivo e concentrador dos juros de agiota sobre dívida pública.

Entre 1995 e 2011, o Estado brasileiro transferiu para os detentores da dívida pública, sob a forma de pagamento de juros reais, um total acumulado de 109,8% do PIB. Se avançarmos até 2014, essa transferência de renda e riqueza chega a 125% do PIB. Isso significa atirar ao colo dos detentores de riqueza financeira, ao longo de 19 anos, um PIB anual, mais um quarto. É pelo menos curioso que os idealizadores do “impostômetro” não tenham pensado na criação do “jurômetro”.

É possível alinhavar algumas cifras para apontar os perdedores e ganhadores do jogo. Para tanto, vou recorrer ao excelente estudo da professora Lena Lavinas (foto acima), "A Long Way from Tax Justice: The brazilian case".

Nesse caso, como em outros, há brasileiros e brasileiros. Em 2011, a carga tributária bruta chegou a 35,31% do PIB. No Brasil, os impostos indiretos, como o IPI e o ICMS, representam 49,22% do total da carga tributária. Como se sabe, esses impostos incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços, independentemente do nível de renda. Pobres e ricos pagam a mesma alíquota para comprar o fogão e a geladeira, mas o Leão “democraticamente” devora uma fração maior das rendas menores. 

Os chamados encargos sociais representavam 25,76% da carga total e o ônus estava, então, distribuído entre empregados e empregadores.

Já o Imposto de Renda contribui com parcos 19,02% para a formação da carga total, enquanto os impostos sobre o patrimônio são desprezíveis, sempre empenhados a beneficiar a riqueza imobiliária e financeira dos mais ricos. As estimativas sobre a distribuição da carga tributária bruta por nível de renda mostram que, enquanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem ao Tesouro 53,9% da renda, os que ganham acima de 30 mínimos contribuem com 29,0%.

A quem tem, mais se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que quase não tem, até o que tem lhe será tirado.” Feliz ajuste fiscal."

PS do Viomundo: Cadê o imposto sobre fortunas previsto na Constituição de 1988? Ou o Levy foi colocado lá para taxar só os pequenos?"


FONTE: escrito por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista "CartaCapital". Transcrito no portal "Viomundo"  (http://www.viomundo.com.br/denuncias/injustica-fiscal-quem-ganha-ate-dois-salarios-minimos-deixa-539-da-renda-com-o-tesouro.html).

5 comentários:

iurikorolev disse...

E os covardes do Lula e da Dilma em 12 anos de poder nada fizeram para mudar isso.
E ainda se dizem socialistas.

Unknown disse...

Ao Iurikorolev,
É muito simplista classificá-los de covardes... Infelizmente, os governos Lula e Dilma não conseguiram ser eleitos com forte apoio no Congresso. Somente conseguiram alguma governabilidade por meio de frágil, mínima e complexa coalizão com vários partidos diferentes e com parlamentares eleitos pelo grande capital, assim comprometidos com interesses os mais diversos que nada tinham de social. Desse modo, dificilmente conseguiram implantar medidas que privilegiassem o social e não o capital. Lembra como foi forte a vitoriosa campanha do PSDB, DEM. PPS e da mídia para derrubar a CPMF que beneficiava o SUS, mas prejudicava os grandes sonegadores, ao facilitar o seu rastreamento?
Maria Tereza

iurikorolev disse...

Por que "simplista"?
O FHC foi muito criticado por eles por não ter feito nada.
Ambos ainda tentaram ressucitar a excrescencia da CPMF.
Ainda bem que o Congresso não deixou.

iurikorolev disse...

MT, infelizmente a CPMF nunca foi usada para a saúde.
Além do mais ela trata os desiguais de forma igual, sendo de grande injustiça social.
Tem um gênios aí que sugerem acabar com todos os tributos e colocar só uma "CPMFzona".
Quanto aos grandes sonegadores, eles têm modos eficazes de sonegar...

Unknown disse...

Ao Iurikorolev,
Não é bem assim como você expressou.
De 1994 a 1997, o IPMF de FHC/Itamar não exigia gastar em saúde o arrecadado. Com a CPMF, criada em 1997 pelo PSDB/FHC, a obrigação era 100% em saúde. Porém, eles mesmos alteraram em 1999. Passou a ser 53% Saúde, 26% Previdência e 21% Pobreza. E assim foi até à extinção em 2007 por ação do PSDB/DEM/PPS.
O percentual (0,38%) era igual para qlq movimentação, de rico ou pobre. Todos os impostos no Brasil têm essa característica. O imposto do arroz do pobre é o mesmo do arroz do rico.
A CPMF era mais difícil de sonegar, pois na legalidade ou ilegalidade, quem movimentasse dinheiro automaticamente pagava o imposto. Até traficantes.
Além disso, o CPMF permitia à Receita, sem precisar de autorização judicial, fazer cruzamentos, por exemplo CPMF x Imposto de Renda e assim identificar os ladrões de impostos.
Você tem razão. Sempre os sonegadores sonegam. Porém, os demotucanos, extinguindo a CPMF, deram a eles muito mais facilidade de sonegar impunemente.
Maria Tereza