quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

ARGENTINA

O Presidente Lula chega hoje à noite à Argentina.
Amanhã, ele e a Presidente Cristina Kirchner assinarão acordos de cooperação nas áreas de energia, nuclear, de tecnologia e de defesa.

Este blog já abordou com certa profundidade a situação da Argentina, principalmente a da década de 1990. O texto sobre aquele país está inserido no artigo intitulado "Por que o governo quer gastar de novo R$ 1,5 bilhão com a mesma coisa?" postado em 3 de fevereiro último (sugiro a leitura).

O referido artigo deste blog tratou da necessidade de o Brasil comprar novamente um bilionário satélite para comunicações e o seu lançamento em órbita. Satélite que tenha capacidade, também, de transmissão na banda para dados sigilosos de defesa nacional (banda X).

Comprar de novo porque o que tínhamos foi inexplicavelmente passado para uma empresa norte-americana, quando o governo PSDB/DEM/FHC vendeu para eles toda a estatal EMBRATEL. A empresa norte-americana MCI ficou com o domínio completo das nossas comunicações via satélite, inclusive comunicações militares. Sem possibilidade de o Brasil opinar, ela revendeu posteriormente a EMBRATEL para um grupo mexicano.

O absurdo acima me fez alongar o texto daquele artigo para outras loucuras que aconteceram nos dois países. Aquela década de 1990 foi trágica para o Brasil e a Argentina. Parecia haver uma insana "competição neoliberal" entre os presidentes Menem e FHC.

Felizmente, com o afastamento do poder daqueles presidentes e de seus partidos, o Brasil e a Argentina abandonaram aquele modelo neoliberal que servia apenas aos interesses dos EUA e das demais potências industrializadas. Os dois países, pouco a pouco, estão recuperando o crescimento e a nacionalidade.

Agora, o foco deste artigo é a Argentina de hoje.

Segundo o jornal Folha de São Paulo desta data, pelo quinto ano seguido, a Argentina deve apresentar crescimento do PIB acima de 8%. O crescimento da atividade econômica em 2007 chegou a 8,7%, superando os 8,5% de 2006, segundo o Indec (o IBGE local). O índice é um sinalizador do PIB, cujo resultado de 2007 será divulgado em março. O dado havia sido antecipado pela presidente Cristina Kirchner, na semana passada.
Em dezembro, a economia argentina cresceu 9,7% ante mesmo mês de 2007. São 61 meses consecutivos de crescimento. Mais uma vez se antecipando à divulgação de dados oficiais, a presidente Cristina anunciou ontem que as exportações argentinas cresceram 67% em 2007.

Sobre aquele país vizinho, hoje também foi publicado na FSP um artigo muito bom de Paulo Nogueira Batista Júnior, diretor-executivo no FMI. Ele representa no FMI um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Reproduzo abaixo o seu artigo na FSP.

”A ARGENTINA EM APUROS

A inflação na Argentina chegou a um nível perigoso; quem sabe não está chegando a hora de chamar Lavagna de volta?
Não só a Argentina, eu também estou em apuros. Tentei escapar de publicar artigo nesta quinta-feira, mas avisei tarde demais e o Jacques Constantino, que cuida das colunas, disse-me que não teria tempo de encontrar um artigo substituto. Perdoe-me, leitor, se o artigo não sair a altura do tema.

A Argentina é um país muito especial. Já escrevi várias vezes a respeito dela nesta coluna e em outras publicações. Nos tempos de Carlos Menem e Domingo Cavallo, na década de 1990, a minha preocupação central era que os argentinos pudessem ser arrastados para a dolarização total e a subordinação completa aos Estados Unidos, contaminando em alguma medida a posição brasileira e solapando de vez a integração sul-americana.
Depois, sobreveio a crise terrível de 1999-2002, uma das piores de que se tem notícia.

Surgiu então uma espécie de salvador da pátria: Roberto Lavagna, um dos melhores, provavelmente o melhor ministro da Economia que apareceu na América Latina em muito, muito tempo. Lavagna conseguiu, primeiramente, restaurar a moeda nacional, libertando-a da vinculação rígida ao dólar, estabelecida no governo Menem, e afastando o risco de dolarização plena da economia. Mostrou que era perfeitamente possível romper a ligação com o dólar sem recair na hiperinflação, como muitos temiam. Em 2004, a taxa de inflação diminuiu para apenas 4,4%, contrariando previsões tenebrosas.

Se tivesse feito só isso, Lavagna já teria entrado para a história econômica argentina. Mas fez mais: liderou a reestruturação da dívida. Nervos de aço. Com coragem e criatividade, acabou conseguindo que a maioria dos credores aceitasse uma espécie de contrato de adesão, que reduziu consideravelmente o estoque e o serviço da dívida pública. A proposta de Lavagna gerou muitas reações iradas no exterior, mas ele ficou firme e acabou prevalecendo.
O que aconteceu, na prática, foi uma reestruturação unilateral da maior parte da dívida.

Infelizmente, Lavagna desentendeu-se com o presidente Néstor Kirchner e deixou o cargo em novembro de 2005. Desde então, a qualidade da política econômica argentina vem sofrendo sensível deterioração. Os seus sucessores deixaram muito a desejar.

A situação da Argentina não é de todo ruim. A economia continua crescendo em ritmo acelerado, mais de 8% ao ano. O balanço de pagamentos em transações correntes registra superávits ano após ano. As contas públicas também estão bastante ajustadas.

O grande problema é a volta da inflação -problema agravado pelo descrédito dos índices oficiais de preços. A taxa de inflação oficial foi de 8,5% em 2007. Ninguém acredita nesse número. Técnicos do instituto que calcula os índices de preços estimaram a inflação de 2007 em 26%. A Ecolatina, firma de consultoria fundada por Lavagna, apresentou uma estimativa de 24%. Roberto Frenkel, um dos mais importantes economistas argentinos, supõe que a taxa de inflação esteja por volta de 20%.
Como observou Frenkel, a inflação chegou a um nível perigoso. Aumenta a freqüência com que se ajustam os preços e os salários. Os contratos tendem a se encurtar. A economia fica mais vulnerável a choques e à aceleração da inflação.
É urgente estabelecer uma política crível de combate à inflação.

Quem sabe não está chegando a hora de chamar Lavagna de volta?

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