quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

CUBA E A SAÍDA DE FIDEL

A RENÚNCIA

A mensagem publicada ontem, sobre a renúncia de Fidel Castro, com 81 anos, do cargo de Presidente de Cuba, por problemas de saúde, hoje foi manchete e assunto na imprensa do mundo inteiro. No próximo domingo, seu irmão Raúl Castro, com 77 anos, deverá ser eleito pela Assembléia Nacional para a função de Presidente de Cuba.

A carta de Fidel Castro ao jornal oficial cubano Granma diz: ..."A meus compatriotas, que fizeram a imensa honra de me eleger recentemente como membro do Parlamento, em cujo âmbito devem ser adotados acordos importantes para o destino de nossa Revolução, comunico a vocês que não aspirarei nem aceitarei - repito - não aspirarei nem aceitarei o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Comandante-em-Chefe".

Fidel exerceu o poder máximo em Cuba por 48 anos. Diz ele em sua mensagem: "Desempenhei o honroso cargo de presidente ao longo de muitos anos. Em 15 de fevereiro de 1976 foi aprovada a Constituição Socialista por voto livre, direto e secreto de mais de 95% dos eleitores. A primeira Assembléia Nacional foi constituída em 2 de dezembro daquele ano e elegeu o Conselho de Estado e sua Presidência. Antes, tinha exercido o cargo de primeiro-ministro durante quase 18 anos. Sempre dispus das prerrogativas necessárias para levar adiante a obra revolucionária com o apoio da imensa maioria do povo".

BREVE HISTÓRIA DE CUBA

O artigo de Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES e doutor em economia, no Jornal do Brasil de hoje, resume bem a história cubana (reproduzo parcialmente):

"Como Fidel mudou Cuba

A história de Cuba começa politicamente com a derrota da Espanha pelas forças navais americanas na virada do século passado. Os EUA queriam anexar as Antilhas espanholas. Retiveram Porto Rico, mas não conseguiram Cuba, que já tinha tradição de resistência aos espanhóis e movimentos por independência.
As forças nacionalistas cubanas ficaram contra os EUA antes mesmo da 1ª Guerra Mundial. A história de Cuba até a revolução de Fidel Castro é de guerrilhas, revoluções, repressões, prisões, exílios.

Quando Fidel vence Fugêncio Batista, bandido ligado à máfia do jogo clandestino americano, e toma o poder, Cuba era uma enorme plantação de açúcar de usinas americanas.

Fidel reafirma a autonomia do país e luta para que as usinas paguem melhor os operários cubanos. Quis fazer a reforma agrária nas terras das usinas. Americanos reagiram, começaram a impor restrições a Cuba. Os EUA foram empurrando Fidel para fora.
O nacionalista Fidel expulsa as empresas americanas do país, depois de fechar os cassinos e bordéis. Fica como oposição americana. Então, se une ao Partido Comunista Cubano.
É quando a União Soviética entra no jogo e começa a comprar cotas de açúcar do país.
O calcanhar-de-Aquiles de Cuba é a questão energética. Ou recebe petróleo e derivados de outros países, ou pára. A URSS passou a fornecer energia para Cuba. Então, a revolução avançou para a esquerda. Até aí, Fidel não era bem um comunista, e sim uma figura social-democrata-radical.
Os EUA tentam então derrubar Fidel, o que culmina com o episódio mal-sucedido da Baía dos Porcos, em 1962.
Com os americanos derrotados, Fidel passa a apoiar todos os movimentos guerrilheiros do continente. Por sua vez, os EUA fazem o mesmo. É como se os sul-americanos tivessem importado a Guerra Fria.

Entre o momento em que Fidel assumiu e hoje, Cuba mudou radicalmente. É um povo maravilhoso, com saúde, educação, sem preconceito. Vive com modéstia na roupa, na casa. Uma sociedade que se abre para o turismo. Sabe como os outros vivem. Mulheres querem cosméticos, jovens querem tecnologia, homens desejam carros novos.
O novo governo terá de saber como atender isso e lidar com a enorme população cubana que vive nos EUA. É provável que Cuba apele para investimentos estrangeiros. Talvez até se inspirem na China".

SERÀ O FIM DO SOCIALISMO EM CUBA?

Segundo o artigo do escritor Frei Betto no jornal "O Estado de São Paulo" de hoje, "ilude-se quem imagina significar a renúncia de Fidel o começo do fim do socialismo em Cuba."

No Estadão, o escritor descreve bem esse conceito: "Não há nenhum sintoma de que setores significativos da sociedade cubana aspirem o retorno ao capitalismo. Nem os bispos da Igreja Católica. Exceção a uns poucos que, em nome dos direitos humanos, não se importariam que o futuro de Cuba fosse equivalente ao presente de Honduras, Guatemala ou Nicarágua. Aliás, nenhum dos que se evadiram do país prosseguiu na defesa dos direitos humanos ao inserir-se no mundo encantado do consumismo...

Cuba não é avessa a mudanças. O próprio Raúl Castro desencadeou um processo interno de críticas à Revolução, por meio das organizações de massa e dos setores profissionais. São mais de 1 milhão de sugestões ora analisadas pelo governo.

Os cubanos sabem que as dificuldades são enormes, pois vivem numa quádrupla ilha: geográfica, única nação socialista do Ocidente, órfã de sua parceria com a União Soviética e bloqueada há mais de 40 anos pelo governo dos EUA.

Malgrado tudo isso, o país mereceu elogios do papa João Paulo II por ocasião de sua visita, em 1998.
No Índice de Desenvolvimento Humano de 2007 da ONU, o Brasil comemorou o fato de figurar em 70º lugar. Os primeiros 70 países são considerados os melhores em qualidade de vida. Cuba, onde nada se paga pelo direito universal à saúde e à educação de qualidade, figura em 51º lugar. O país apresenta uma taxa de alfabetização de 99,8%, conta com 70.594 médicos para uma população de 11,2 milhões (1 médico para 160 habitantes), índice de mortalidade infantil de 5,3 por cada 1 mil nascidos vivos (nos EUA são 7 e, no Brasil, 27) e 800 mil diplomados em 67 universidades, nas quais ingressam, por ano, 606 mil estudantes.

Hoje, Cuba mantém médicos e professores atuando em mais de 100 países, incluindo o Brasil, e promove, em toda a América Latina, a “Operação Milagros”, para curar gratuitamente enfermidades dos olhos, e a campanha de alfabetização “Yo si puedo” (Sim, eu sou capaz), com resultados que convenceram o presidente Lula a adotar o método no Brasil.

Haverá, sim, mudanças em Cuba quando cessar o bloqueio dos EUA, quando forem libertados os cinco cubanos presos injustamente na Flórida por lutarem contra o terrorismo, e se a base naval (norte-americana) de Guantánamo, ora utilizada como cárcere clandestino - símbolo mundial do desrespeito aos direitos humanos e civis - de supostos terroristas for devolvida (à Cuba).

Não se espere, contudo, que Cuba arranque das portas de Havana dois cartazes que envergonham a nós, latino-americanos, que vivemos em ilhas de opulência cercadas de miséria por todos os lados: "A cada ano, 80 mil crianças morrem vítimas de doenças evitáveis. Nenhuma delas é cubana." "Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma é cubana."

O jornal "Valor Econômico" de hoje expressa: "Cuba realizou uma tímida abertura nos anos 90, após o colapso da União Soviética, permitindo, entre outras coisas, a criação de pequenos negócios privados, algumas transações em dólares e a entrada de empresas estrangeiras. Hoje, não há necessidade de reformas. A economia cresce em ritmo forte, impulsionada pelo “boom” das “commodities” e, principalmente, pela ajuda enviada pelo presidente Hugo Chávez. Nos últimos três anos, o crescimento acumulado do PIB atingiu 35%".

OS DIREITOS HUMANOS NA ILHA DE CUBA

A Folha de São Paulo (FSP) de hoje critica esse aspecto. Publicou: "Falta de liberdade é o lado mais sombrio do regime cubano. Organizações de direitos humanos dizem haver mais de 200 presos políticos no país, que mantém pena de morte. De acordo com ONG "Human Rights Watch", execuções ocorrem apenas duas semanas após veredicto, sem direito à defesa de réus".

TORTURA NORTE-AMERICANA NA ILHA DE CUBA

O jornal Folha de São Paulo de uma semana atrás, de 12/02/2008, em artigo de Marcos Nobre entitulado "Fechar Guantánamo", aborda a tortura que os EUA conduzem naquela ilha. Reproduzo trechos.

"AS GUERRAS no Iraque e no Afeganistão praticamente desapareceram do debate nos EUA. É como se a batalha na opinião pública já tivesse sido ganha contra Bush.
Mas as coisas não são tão simples assim. Junto com o Iraque veio a prisão de Guantánamo, base americana em Cuba em que estão os prisioneiros do que é chamado pelos conservadores de "guerra contra o terror".

Em Guantánamo se torturou, em Guantánamo os prisioneiros não são formalmente acusados, nem têm direito a habeas corpus.

Os principais candidatos à corrida presidencial nos EUA "já se manifestaram a favor do fechamento da prisão. Fechar Guantánamo é certamente importante, mas não resolve o problema de base: a violação flagrante de direitos fundamentais. É bastante possível que se chegue finalmente a um julgamento depois de mais de sete anos da invasão do Afeganistão. Mas em que condições?".

O ÊXODO DE CUBA

Diz a FSP que em 1961 ocorreu o primeiro êxodo da ilha. Expressa o jornal que a classe média, que no início apoiou a revolução que derrubou a ditadura corrupta de Batista, não aprovou a reviravolta comunista. Mais de 50 mil pessoas fugiram para os EUA. Houve carência de médicos e engenheiros, que abandonaram o país.

Esses números de exilados publicados pela FSP devem ser lidos com ressalvas. Fidel Castro já disse em entrevista a Ignácio Ramonet, no livro “Biografia a Duas Vozes”: "Os mexicanos e argentinos que saem de seus países são imigrantes. Todos que saem de Cuba são exilados".

REAÇÃO DOS CANDIDATOS À PRESIDÊNCIA DOS EUA. FIM DOS EMBARGOS?

Li na BBC Brasil, via UOL Notícias de hoje, a matéria "Candidatos nos EUA não devem propor mudança em política com Cuba". Ela expressa as posições dos três principais candidatos à presidência dos EUA sobre as recentes mudanças em Cuba.
"Em pleno ano eleitoral, não se deve esperar mudanças em relação à política dos Estados Unidos para Cuba, nem promessas nesse sentido por parte dos candidatos à Presidência."
"O governo do presidente George W. Bush adotou políticas que só permitem a cidadãos de origem cubana residentes nos Estados Unidos viajarem a Cuba uma vez a cada três anos e que impedem cidadãos americanos de viajarem ao país caribenho".

"O senador Barack Obama parece ser o mais disposto a dar esse passo, o de permitir viagens a Cuba". "Obama foi o único que se disse disposto a manter encontros incondicionais com Fidel Castro e defendeu, ainda, reduzir as restrições de viagens a Cuba". Contudo, nesta terça-feira (19), o senador divulgou um comunicado no qual adota uma posição um pouco menos aberta ao fim do bloqueio econômico. Ele afirmou que o governo americano deve estar preparado para normalizar relações com Cuba e afrouxar o embargo somente "se o governo cubano fizer mudanças democráticas significativas".

Hillary Clinton, por sua vez, tem deixado o assunto Cuba meio fora da campanha presidencial.
A senadora democrata votou a favor de reduzir as restrições de se viajar a Cuba em duas ocasiões, em 2003 e em 2005.
Nesta terça, no entanto, ela afirmou, em uma mensagem endereçada ao novo governo cubano, que os Estados Unidos estarão prontos para aceitar Cuba, desde que "vocês promovam reformas rumo ao caminho da democracia, com mudanças reais e significativas".

O republicano John McCain manifestou opiniões que pouco diferem da linha defendida pelo governo do presidente George W. Bush. Ele é a favor do embargo nos termos atuais.

A jornalista Mary O'Grady, autora da seção "The Américas", do Wall Street Journal, publicou:
"Estamos em um ano eleitoral, e a comunidade cubana exilada na Flórida ainda é muito poderosa neste país. E eles se opõem ao fim do embargo. Defender uma posição contrária a isso teria um efeito muito forte sobre ambos os partidos, ainda mais que a Flórida é um Estado muito importante nas eleições."

Em resumo, independentemente do candidato que vier a ser eleito nos EUA, não se deve esperar mudanças nos draconianos embargos norte-americanos a Cuba. Embargos que já estrangularam, asfixiaram o desenvolvimento do povo cubano por mais de 40 anos. Talvez, isso tenha sido feito simplesmente para que, maldosamente, o resultado da experiência socialista na ilha venha a ser mostrado para o mundo como pior do que os alcançados em regimes capitalistas. Compararão, sarcástica e incoerentemente, Cuba com Porto Rico, com as Bahamas, com as Ilhas Cayman, com a Austrália e assim por diante.

RAÚL CASTRO PEDE À LULA AJUDA NA TRANSIÇÃO CUBANA

O portal UOL “Últimas Notícias” de hoje publica matéria da FSP, informando que "em encontro em Havana, no mês passado, Raúl Castro disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que desejava acelerar o processo de transição política e econômica em Cuba e que o Brasil seria um parceiro mais conveniente do que a Venezuela para essa tarefa."

"No poder desde julho de 2006, quando Fidel se afastou temporariamente, Raúl pediu a ajuda de Lula para aumentar investimentos privados no país e melhorar as relações internacionais de Cuba, sobretudo com os Estados Unidos.
Raúl deseja empenho de Lula para tentar convencer os Estados Unidos a pôr fim ao bloqueio econômico que teve início em 1962.

Nas palavras de um ministro cubano, o Brasil é um dos poucos países do mundo capazes de dialogar com o regime cubano, com Chávez e com o governo norte-americano. Raúl veria em Lula uma forma de se descolar um pouco do venezuelano Hugo Chávez".

Torcemos para que o Brasil consiga ajudar o povo sofrido daquela ilha.

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