domingo, 26 de outubro de 2008

NAÇÃO, NACIONALISMO, ESTADO

Li há tempos, ótimo ensaio no site “Carta Maior”.

O autor, Samuel Pinheiro Guimarães, nascido no Rio de Janeiro em 1939, é o Secretário-Geral das Relações Exteriores do Brasil desde 9 de janeiro de 2003. Foi professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Rio Branco (IRBr/MRE). Escreveu os livros "Quinhentos anos de periferia" (UFRGS/Contraponto, 1999) e "Desafios brasileiros na era dos gigantes" (Contraponto, 2006). Foi eleito Intelectual do Ano em 2006 (Troféu Juca Pato) pela União Brasileira de Escritores.

Devido ao grande tamanho do ensaio, transcrevo somente trechos esparsos. Porém, corro o risco de assim aleijar o conteúdo. Vale à pena a leitura do texto completo:

DEFINIÇÕES:

NAÇÃO E ESTADO

NAÇÃO, em seu sentido político moderno, é uma comunidade de indivíduos vinculados social e economicamente, que compartilham um certo território, que reconhecem a existência de um passado comum, ainda que divirjam sobre aspectos desse passado; que têm uma visão de futuro em comum; e que acreditam que este futuro será melhor se se mantiverem unidos do que se separarem, ainda que alguns aspirem modificar a organização social da nação e seu sistema político, o ESTADO.

Nesse sentido, é possível falar de uma nação brasileira, de uma nação mexicana, de uma nação indiana, de uma nação americana e assim por diante ainda que grupos sociais dentro dessas nações possam ter interpretações diferentes de seu passado e aspirações distintas para seu futuro em comum, sem, todavia, que nenhum grupo significativo chegue a desejar e a lutar pela secessão.

NACIONALISMO

É o sentimento de considerar a nação a que se pertence, por uma razão ou por outra, melhor do que as demais nações e, portanto, com mais direitos, sendo manifestações extremadas desse sentimento a xenofobia, o racismo e a arrogância imperial.

NACIONALISMO é, também, o desejo de afirmação e de independência política diante de um Estado estrangeiro opressor ou, quando o Estado já se tornou independente, o desejo de assegurar em seu território um tratamento pelo Estado melhor, ou pelo menos igual, ao tratamento concedido ao estrangeiro, seja ele pessoa física ou jurídica.

Os movimentos nacionalistas significativos do ponto de vista político, cujas manifestações históricas mais simples decorrem de identidade étnica, lingüística ou de pertencimento, no passado, a uma organização política, tem como seu principal objetivo o estabelecimento de um Estado ou a modificação das políticas do Estado para defender ou privilegiar interesses dos que integram certo movimento.

NACIONALISMO AMERICANO

O caso dos ESTADOS UNIDOS, civilização mais recente do que a chinesa, a judaica e a japonesa (e mesmo a francesa, a alemã e a russa), é distinto, mas as raízes do NACIONALISMO AMERICANO podem ser encontradas na religião protestante. Esta considera que o sucesso material é um sinal de aprovação divina, da própria salvação, de uma predestinação.

De um ponto de vista coletivo, o sucesso material da sociedade americana significaria um sinal de aprovação divina, de que a sociedade americana seria eleita pelo Senhor e que, por esta razão, não só poderia como deveria assumir o papel de líder e de modelo para todas as sociedades e Estados.

Esta missão salvadora dos Estados Unidos se encontra claramente expressa nos documentos de política externa dos Estados Unidos. A declaração do Presidente George W. Bush de que teria, literalmente, falado com Deus, a presença crescente e a enorme influência do fundamentalismo religioso, extremamente conservador, belicoso e nacionalista são aspectos, fatos reveladores desta convicção de povo, de nação eleita e, portanto, de superioridade em relação às demais nações.

O NACIONALISMO NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS

O NACIONALISMO NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS, em especial nas Grandes Potências, e sua pretensão de superioridade nacional redundou facilmente em políticas expansionistas e agressivas, tanto no continente europeu, mas também na formação dos impérios coloniais, com a noção explícita de inferioridade dos povos e das culturas locais e até, eventualmente, a idéia de que seriam seres humanos distintos e mesmo inferiores.

Em um exemplo chocante dessa pretensão, o General Westmoreland, então comandante em chefe das forças americanas no Vietnã, se referiu publicamente aos vietnamitas como seres diferentes “de nós”, para justificar certas ações das tropas americanas.

IMPERIALISMO - COLONIALISMO

Assim, a característica central do sistema internacional nos últimos quinhentos anos desde a descoberta das Américas tem sido o IMPERIALISMO e o COLONIALISMO, cujo fundamento de dominação, além da força, foi a ideologia de superioridade racial e civilizacional em relação às colônias e a seus povos e a agressão aos sistemas políticos, sociais e culturais de nações dominadas, pela força, pelas metrópoles européias (o que também ocorreu no processo de criação dos “impérios continentais” como na expansão territorial dos Estados Unidos rumo ao Oeste e da Rússia rumo ao Leste e ao Sul).

A ESCRAVIDÃO

A ESCRAVIDÃO foi a expressão máxima dessa dominação e os escravos eram considerados seres inferiores, sem alma, e portanto naturalmente sujeitos ao jugo e ao arbítrio de seus senhores. Lord Acton, em artigo publicado em 1862, afirmava que os Estados mais perfeitos são aqueles que, como o Império Britânico e o Império Austríaco, incluíam várias nacionalidades distintas sem as oprimir porque “as raças inferiores se elevam ao viver em união política com raças intelectualmente superiores”.

O CAPITALISMO E A CAMPANHA PELO FIM DO ESTADO

O CAPITALISMO MODERNO tem como fundamento a propriedade privada dos meios de produção e como objetivo principal o lucro. Este objetivo supremo torna indispensável a permanente expansão da produção a qual depende, por sua vez, da divisão do trabalho e, portanto, da extensão do mercado.

Quanto maior a extensão do mercado maior a possibilidade de divisão do trabalho, maior a produtividade, maior a produção, maior o consumo, maior o lucro e maior a felicidade humana, já que, conforme Jeremy Bentham argumentou, seria impossível medir o grau de felicidade humana e assim se poderia considerar que quanto mais bens o indivíduo (e a comunidade) puder consumir maior a sua “felicidade”.

A GLOBALIZAÇÃO

O processo de GLOBALIZAÇÃO, no início do século XXI, que corresponde à expansão do capitalismo e a sua permanente transformação tecnológica, para ser eficiente (maximizar o lucro) requer a uniformização das normas que regulamentam a atividade econômica nos distintos territórios soberanos.

Exige também, retirar da arena da política a questão econômica, estabelecendo como verdade absoluta e intocável a política neoliberal em seus preceitos fundamentais de propriedade privada e de livre jogo das forças de mercado que exigem, em conseqüência, programas de privatização (que chega até à segurança e aos presídios), de desregulamentação e de abertura comercial e financeira, de redução de impostos sobre o capital e de não-discriminação entre capital nacional e capital estrangeiro.

POLÍTICAS NEOLIBERAIS - O ESTADO-MÍNIMO

Para auxiliar de forma poderosa esta uniformização de normas nada mais útil do que a elaboração de teorias que advoguem o fim dos Estados nacionais (e dos nacionalismos), o fim das fronteiras, os benefícios do ESTADO-MÍNIMO, acompanhados da negociação de normas internacionais que levem à adoção pelos Estados soberanos (na impossibilidade de sua sujeição política pela força) daquelas POLÍTICAS NEOLIBERAIS, tornando ilegais, e até “absurdas”, quaisquer políticas diferentes.

GOVERNANÇA POLÍTICA GLOBAL

Finalmente, a idéia de que a globalização econômica para ser eficiente depende de uma GOVERNANÇA POLÍTICA GLOBAL que assegure seu funcionamento e impeça tentativas nacionais de reversão e de limitação dos direitos de ação das mega-empresas multinacionais. Todavia, paradoxalmente, o próprio processo de globalização na medida em que não existe um Estado mundial, necessita de Estados nacionais para internalizar as normas negociadas internacionalmente e garantir sua vigência.

Na periferia do sistema econômico e político mundial, onde se encontram os Estados que são ex-colônias, tais como o Brasil, as disparidades de renda e de poder são extraordinárias dentro de seus territórios assim como entre essas ex-colônias e os países que integram o centro desenvolvido e poderoso do sistema internacional.

OS ESTADOS, ÚNICA ENTIDADE NA PERIFERIA CAPAZ DE ENFRENTAR O PODER DAS MEGA-EMPRESAS MULTINACIONAIS

As crescentes disparidades de poder entre o centro e a periferia do sistema, que podem ser constatadas pelo crescente hiato de renda per capita e de acúmulo de capacidade militar entre Estados desenvolvidos e Estados em desenvolvimento, fazem com que os Estados, única entidade na periferia capaz de enfrentar o poder das mega-empresas multinacionais, das agências “internacionais” e dos Estados desenvolvidos, sejam obrigados, para manter a convivência pacífica entre os setores da população atingidos pelas políticas neoliberais dentro de seus territórios, a procurar executar políticas de desenvolvimento e de combate à pobreza que, muitas vezes, significam restrições ao processo de formação de mercados globais e ao livre jogo das forças de mercado.

NACIONALISTAS e “POPULISTAS”

Tais políticas são chamadas de NACIONALISTAS e “POPULISTAS” e seus defensores são acusados, criticados e ridicularizados pela imprensa a qual, hoje na prática, é constituída por empresas multinacionais de entretenimento e informação e se encontram intimamente vinculadas às megaempresas multinacionais e delas dependentes, em conseqüência não só de seus interesses ideológicos comuns, na qualidade de empresas privadas que são, como pelo sistema de anúncios”.

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