Terra Magazine
Os presidentes da França, Nicolas Sarkozy, e do Brasil, Lula, selam em Brasília acordo militar
"Os 36 caças Rafale que o Brasil vai comprar da França, além de helicópteros, cargueiros, submarinos convencionais e tecnologia para fabricação de modelo nuclear, não é gasto excessivo, diz o ex-embaixador do Brasil na França, Marcos Azambuja. É, completa, o necessário para que o poder militar nacional seja compatível com o tipo de país que o Brasil já é e quer ser: uma potência mundial.
"O Brasil não se faz ameaçador, ele apenas não se torna mais um país militarmente inexistente", considera o ex-embaixador, que além de Paris, atuou na Argentina. Tornando-se a maior potência bélica da América Latina, com a aquisição dos novos equipamentos, o país não dispara uma corrida armamentista no continente, analisa Azambuja na entrevista que se segue.
Azambuja é membro da Comissão de Armas de Destruição em Massa, integra o Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). É Presidente da Fundação Casa França-Brasil. Foi Secretário-Geral do Itamaraty de 1990 a 1992, entre outros.
Terra Magazine - Compra dos caças franceses pelo Brasil é uma estratégia de aproximação dos dois países?
Marcos Azambuja - Ajuda, facilita, reforça o que já existe. Na verdade, o Brasil já comprou equipamento militar francês várias vezes. Os Mirage tão aí, os porta-aviões estão aí. É um reforço de uma relação que já é densa.
A relação tem se intensificado desde quando?
A França tem sido um parceiro que busca, primeiro, negócios com o Brasil que tem tecnologia a vender e depois, a trocar. De modo que tem vantagens importantes.
Vantagens para a própria França?
Para a própria França e para o Brasil. Vantagens competitivas. A França tem uma tradição de fornecer ao Brasil equipamento militar. Você sabe que nós temos uma fábrica de helicópteros que é essencialmente associada à França, à Eurocopter, a Helibras. Há toda uma tradição já que nessa hora se reforça.
Quais seriam as vantagens para o Brasil?
Primeiro, um grande país, que o Brasil é, tem que ter uma capacidade militar com credibilidade. Em outras palavras, não é um excesso, não é uma demasia, não é comprar o que não precisa, não é nada contra ninguém. Mas um grande país tem que ter uma capacidade militar crível. Em outras palavras, que tenha credibilidade, que imponha uma medida de respeito. O Brasil está, hoje, com um equipamento militar muito datado. Os nossos aviões de caça estão com 20 anos, 25 anos, 30 anos. Tudo em nós ficou muito envelhecido, de modo que é momento de fazer uma renovação e uma adaptação.
Certo...
O Brasil tem três ou quatro interesses. Primeiro cada vez mais com o petróleo offshore, não só o pré-sal, é uma grande reserva, um grande patrimônio a ser preservado. Tem todo problema amazônico, com a imensa extensão que aquilo tem. Teria a sua qualificação hoje para ser um membro do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) um país que quer jogar no primeiro time, e para jogar no primeiro time, tem que ter uma certa qualificação militar. Por tanto, essas compras nos dão isso.
O presidente Lula diz que a França tem disposição em transferir tecnologia para a fabricação de aviões passar a ocorrer em território nacional. Por que a França teria essa disposição? O que presidente quer dizer com isso?
A transferência de tecnologia tem que ver nos termos específicos do acordo para ver o que é que nós receberemos. O que eu entendo é que nós compramos uma quantidade de aviões Rafale, que é um avião competitivo com os rivais, que eram suecos, russos e americanos. Entendo que vão comprar uma série de cargueiros que a Embraer vai desenvolver agora, o K-390, que é para substituir o velho C-130, um avião que já viveu sua vida-útil. O objetivo é criar entre nós e a França uma relação de ida e volta. Quer dizer, eles (franceses) vão comprar também aviões nossos, que nós vamos desenvolver agora. E tudo isso é bom.
É bom?
O Brasil não está gastando demais. O Brasil está se equipando para ter um poder militar compatível com o tipo de país que ele já é. O Brasil cada vez mais busca ser visto como uma potência de presença regional e mundial e isso vem acompanhado de certa necessidade de equipamento.
Em relação aos outros países da América Latina, o Brasil vai se tornar a maior potência bélica.
Isso é natural. Nós somos a maior potência demográfica, a maior potência territorial, a maior potência econômica, a maior potência tecnológica. Então é natural que haja uma simetria e, também na área militar, o Brasil tenha uma capacitação compatível com sua estatura em outras dimensões. E por tanto o Brasil não será um anão armado, será um gigante com armas adequadas à sua defesa. Uma coisa que é importante que se diga: o Brasil não se capacita contra ninguém. A qualificação militar é para o Brasil ter condições gerais de tranquilidade e de segurança.
Pode-se dizer que está havendo uma corrida armamentista na América Latina?
Eu não qualificaria como corrida armamentista. A Venezuela fez investimentos grandes, importantes, esses sim muito superiores ao que a Venezuela é em termos de potência regional. O que eu queria acentuar é isso: a Venezuela gastou proporcionalmente muito mais do que o Brasil está gastando. O Brasil está apenas renovando aquilo que envelheceu, não criando novas categorias de armas. Os aviões Mirage, F-5 que nós temos, tem 25, 30 anos, esgotou-se sua vida útil. Nós temos de renová-los. A corrida armamentista é quando você amplia uma capacitação, passa a ter mais. Nós estamos apenas substituindo o velho pelo novo. O Brasil pretende também ter um submarino com propulsão nuclear, e através dessa compra, ele renova sua frota de submarinos e aprende a fazer os submarinos que terão a propulsão nuclear.
A despeito da proporcionalidade a que o senhor se refere, a empreitada do Brasil não pode reforçar a visão de que o país seja imperialista?
O imperialista tem que ter objetivos, focos. O Brasil, você sabe, não tem objetivos territoriais, não tem objetivos estratégicos. O Brasil não procura obter nem o carvão de um, nem o petróleo de outro. O Brasil apenas está se dotando de uma capacitação militar crível. Você não pode ter um poder militar tão leve, tão gasto, tão ultrapassado que não seja objeto de uma consideração respeitosa pelos demais. O Brasil não se faz ameaçador, ele apenas não se torna mais um país militarmente inexistente. A nossa capacitação não se volta contra ninguém, nem tem objetivo agressivo com relação a ninguém. Isso é apenas para que um país que ocupa mais de metade de um continente, que é uma grande potência mundial, que já um dos Bric tenha um poder militar mínimo - é mínimo para a região, são trinta e poucos aviões - não é nada fora de proporção com a nossa escala.
Não há risco de interpretação equivocada de países do continente?
Você não pode garantir, a interpretação dos outros é direito dos outros. É improvável que seja assim. O Brasil não fez compras tão importantes que sugira que ele queira agredir. Nós compramos não serve para invadir ninguém. Não é uma força militar ameaçadora, nem voltada contra ninguém, apenas gera maior respeito pelo Brasil e uma percepção de que o país não pode ser um gigante econômico, um gigante agropecuário, um gigante de minerais e ser um anão militar. Isso não existe. A Argentina não verá isso como uma ameaça a ela, nem é. Ninguém mais. A própria Venezuela eu creio que verá que o presidente está comprando equipamento em escala muito menor, dado o tamanho da nossa economia, que o que ela fez ao país. No caso da Venezuela, há compras que vão bem além do que o que seria normal para um país daquele porte. No nosso caso, não. O Brasil continuará um país com gastos muito reduzidos. Não pensa que com isso nós viramos um gigante militar. Apenas passa a ser um país com algum tipo de equipamento que permita falar com autoridade.
O presidente Lula e o presidente Nicolas Sarkozy intensificaram relações, como o senhor diz. Eles têm uma empatia que pode explicar?
Têm. Uma empatia herdada também. Porque você sabe que havia uma relação muito boa também entre os presidentes Fernando Henrique Cardoso e o presidente (Jacques) Chirac, o que criou entre o presidente Sarkozy e o Lula. Entre Brasil e França, há uma relação naturalmente próxima. Pelas raízes comuns de latinidade, de convergência de ideias políticas - nós somos dois países social-democratas. Há uma aproximação que deriva um pouco da história - houve missão militar francesa no Brasil nos anos 1920. Há uma bela e boa tradição de entendimento. Então quando é para o Brasil comprar alguma coisa, o Brasil olha para a França com uma certa naturalidade."
FONTE: entrevista de Thais Bilenky, do portal Terra Magazine, com o ex-embaixador do Brasil na França, Marcos Azambuja, publicada em 08/09/2009.
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