Brasil vive processo semelhante ao de Irlanda e Espanha, de país exportador de mão de obra a importador de trabalhadores
Em 1995, brasileiros traziam US$ 37 para cada US$ 1 que estrangeiros remetiam; hoje, essa proporção é de US$ 2,7 para cada US$ 1
"A peruana Maria Jesus, 43, natural de Lima e que nos últimos meses tem trabalhado como babá em São Paulo, diz que envia, "quando pode", US$ 100 para a sobrinha-neta no país de origem. E é assim, com pequenas quantias, que vem se formando um movimento que bateu recorde no fim de 2009 e que promete fazer barulho nos próximos anos: o de remessas de trabalhadores estrangeiros, especialmente sul-americanos.
Para especialistas, o país está passando hoje por um estágio que Espanha e Irlanda já atravessaram, de transição entre um país que apenas envia imigrantes para um que também recebe estrangeiros. Eles calculam que, em dez anos, esse mercado vai crescer 15 vezes, alcançando US$ 10 bilhões (cerca de 10% do PIB da Bolívia, um dos países que mais recebem remessas do Brasil).
Reforçada pelo retorno de brasileiros devido à crise nos países ricos e pela menor quantidade de remessas dos que ficaram fora, essa mudança já pode ser sentida.
Atualmente, para cada US$ 2,7 que entram no país de remessas de trabalhadores, US$ 1 sai para o exterior -a menor diferença desde ao menos 1995, quando ela chegou a US$ 37 para cada US$ 1. Ainda em 2004, a proporção era de US$ 15 entrando para cada US$ 1 que deixava o país.
Como ocorreu com o restante da economia brasileira, o mercado de remessas sofreu fortemente os efeitos da crise global nos últimos três meses de 2008, mas começou o processo de retomada já no início do ano passado, que culminou com o recorde de US$ 184 milhões entre julho e setembro (dado mais recente disponível) e confirmou um processo de alta que teve início em 2004, segundo o Banco Central.
Os dados do Banco Central, no entanto, representam cerca de 40% do total, já que a maioria dos imigrantes prefere enviar dinheiro por doleiros, por parentes que viajam para o país ou por carta -verba que não passa pelas contas oficiais.
"Esse mercado vem crescendo tremendamente. O Brasil está atraindo muita gente, e o mercado formal está avançando também", diz Odilon Almeida, presidente da ABMTransf (que reúne as instituições de transferência de dinheiro).
"O Brasil virou um polo de atração. Com a nossa economia e a moeda forte, toda essa comunidade da América do Sul e Central está voltando os seus olhos para cá", afirma Almeida, que diz que é nítido o avanço no número de transações.
Para Gregory Watson, analista do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), alguns motivos explicam por que o Brasil se tornou um "ímã" para os vizinhos. Um deles é que a economia brasileira se saiu da crise melhor que a espanhola e a norte-americana (os dois principais destinos dos migrantes latino-americanos). Outros fatores são a proximidade geográfica e a facilidade de atravessar a fronteira. "Você não precisa pegar um avião, pode entrar em um ônibus ou em um trem", afirma Watson.
Ele diz que, enquanto a economia estiver bem, não há motivos que interrompam esse movimento de entrada de estrangeiros, mas que esse público será formado principalmente por trabalhadores com baixa qualificação profissional.
Avanço na América do Sul
Mas não é só na contabilidade brasileira que os números chamam a atenção; eles também impressionam do outro lado da fronteira. Na Bolívia, por exemplo, o Brasil era a 11ª principal origem das remessas em 2007 e avançou para a quinta colocação no ano passado (levando em conta os nove primeiros meses de 2009), com um crescimento de 814%.
Outro destaque é o Equador: no início de 2007, o Brasil era o 27º país na lista dos que mais mandavam dinheiro. Porém, com um avanço de 324% em relação a 2007, o país estava na 15ª colocação no terceiro trimestre de 2009, ultrapassando até países de língua espanhola como Argentina e Venezuela.
No Paraguai, o país passou da décima posição, em 2007, para a nona, e os valores enviados até outubro do ano passado já superaram o total de 2008, que, por sua vez, era mais que o dobro do ano anterior."
FONTE: reportagem de ÁLVARO FAGUNDES publicada hoje (10/01) na Folha de São Paulo.
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