Edu Marcondes: Analisando o populismo
"A Ressuscitação do Populismo
Tecnicamente falando, a palavra é uma “unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação”. Mas, ela muito mais que isso. As palavras tem história refletindo um momento e as características do povo que as usa. As idéias fazem uso delas, do mesmo modo que as imagens, como suporte para sua propagação. E como estas, as palavras podem ser usadas de variadas formas. Podem sofrer retoques e distorções, cortes e acréscimos, que mudam seu significado. Podem ainda ser retiradas de seus contextos históricos e serem recicladas para novos usos, tudo em nome de interesses políticos de pessoas, grupos, partidos etc.
Em 1996/97 o governo Fernando Henrique o os partidos que o apoiavam (PSDB/PFL) articularam uma reforma constitucional para permitir a reeleição imediata do mesmo. Apesar de se constituir numa quebra das regras com o “jogo” em pleno andamento a mídia aliada a apoiou:
"Reeleição popular: a população vê com bons olhos a chance de renovar os mandatos dos que vêm a se mostrar bons governantes. (...) Entre a candidatura e a renovação do mandato estará sempre o democrático e o inquestionável veredicto das urnas." (Editorial da Folha de São Paulo,5/1/1996)
Dez anos mais tarde, a simples insinuação de que Lula pudesse querer o mesmo virou o “golpe do terceiro mandato". Assim , uma reforma constitucional pode ser rotulada com a idéia, tanto de reeleição popular, como golpe.
Desde o inicio deste século, a vida política no Brasil e na América Latina vem apresentando significativas mudanças. Nota-se o aparecimento de governos e governantes que tem concentrado boa parte de suas atenções nas condições socioeconômicas deploráveis de parcela considerável da população de seus países e se enveredam em ações destinadas a tirá-los da situação de miséria e exclusão.
Aceitar esses novos atores no cenário político tem sido complicado para setores tradicionais da sociedade latino americana acostumados aos benefícios dos regimes oligárquicos ou mesmo dos tolerados estados democráticos de raiz liberal-burguesa.
Por isso, diante da inexorável existência desses novos governos e governantes uma elite conservadora sentindo-se ameaçada na estabilidade de seus poderes tem recorrido a insidiosas campanhas golpistas para as quais conclama intelectuais, políticos e a mídia aliada com o intuito de repercutir deles uma imagem negativa que os abale, os enfraqueça, os ponha abaixo.
É nesse contexto que, na busca de um rótulo de comprovada eficácia propagandística, essas campanhas foram desenterrar o populismo, identificador de forma de governo que vicejou nos anos 1940, 1950, 1960 em vários países da América Latina.
Ainda que vivamos hoje numa realidade nacional e internacional completamente diferente das que o geraram naqueles anos não há nada que uma boa plástica semântica não consiga fazer rejuvenescendo um velho e até há pouco quase esquecido conceito.
Naqueles tempos, populismo não poucas vezes vinha associado à idéia de comunismo que se colava nos políticos que manifestassem por suas palavras ou ações a defesa da economia nacional com restrições à presença de capitais externos, assim como,revelassem simpatias e proximidade com lideranças sindicais.
No Brasil, Getúlio Vargas foi o caso mais sintomático. Centrado numa política de promover o setor industrial, Vargas colocou o Estado como indutor de reformas sociais, com destaque para a regulamentação das relações trabalhistas, e da implantação de uma infra-estrutura indispensável ao setor manufatureiro (máquinas, energia, matérias primas).
O projeto “populista” de Vargas e daqueles que também o adotaram era reformista. Quebrava a tradição liberal de não intervenção estatal na economia e ousava colocar limites à presença do capital externo. Ousava também com a implantação de uma legislação trabalhista, que no entanto apenas regulava as relações de trabalho no âmbito de uma sociedade capitalista de mercado e ademais vinha acompanhada da tutela dos sindicatos pelo Estado retirando assim a autonomia de lutas dos trabalhadores urbanos. As condições socioeconômicas eram tão precárias e a exclusão tão grande, que estes trabalhadores sentiram no cotidiano os benefícios gerados pela dita legislação resultando daí uma satisfação, que traduziram em amplo apoio(quase uma idolatria mesmo) a Getúlio.
O caráter reformista do populismo dos tempos do pós Guerra, não impediu que Getúlio e outros políticos ligados ao trabalhismo não poucas vezes fossem rotulados de comunistas ou filo comunistas. Para conservadores, em grande parte acoitados na UDN e nas páginas de jornais como o Estado de São Paulo, A Tribuna da Imprensa e outros, eram tidos como, verdadeiras ameaças à sociedade capitalista, ocidental e cristã e à democracia instituída pela Constituição de 1946.
Nos dias de hoje, pós Guerra Fria e à débâcle do modelo comunista-bochevique e de sua nação-líder, a URSS, o rótulo “comunista” soaria anacrônico a qualquer governo de inclinação mais popular e nacionalista, ainda que se possa encontrá-lo em textos de conservadores fundamentalistas, que babam na gravata.
Nos dias que correm, o populismo exumado e reciclado vem colado a governantes de posições nacionalistas, defensores da revitalização do mercado interno, assim como da promoção das condições de vida das camadas mais excluídas econômica e politicamente da sociedade. Governos mais ou menos reformistas (Chavez, Evo Morales,Lula, Tabaré, Lugo) que chegaram ao poder pelo voto e com respeito às regras constitucionais vigentes, mas ainda assim vistos pelas elites conservadoras como uma ameaça devido às reformas e ações sociais empreendidas que lhes granjeia grande apoio popular reforçando seu poder.
Tratados por epítetos depreciativos (o índio, o apedeuta, o caudilho) esses governantes são associados ao autoritarismo, manipulação, corrupção, e ineficiência administrativa e econômica, ou até mesmo ao narcotráfico.Todos eles elementos apresentados como constitutivos do DNA da idéia síntese do novo populismo.
Para Fernando H. Cardoso, o populismo de hoje é uma ameaça à democracia liberal vigente. Segundo ele, “O populismo é uma forma insidiosa de exercício de poder que se define essencialmente por prescindir da mediação das instituições, do Congresso, dos partidos e por basear-se na ligação direta do governante com as massas, cimentada na troca de benesses.” (FHC, Esquerda e populismo na América Latina, O Globo, 2009).
No site do Instituto Millenium, entidade que reúne a nata da intelectualidade e formadores de opinião da direita brasileira pode-se ler artigo de um tal Hector Leis onde liberdade política e livre mercado são antípodas do populismo resumido como uma “aventura”, um projeto de poder de um determinado grupo ou partido, apoiado no carisma de um líder, para o qual se valem de quaisquer mecanismos, lícitos ou ilícitos:
“O assistencialismo clientelista, a tributação excessiva, a multiplicação dos cargos de confiança para os militantes, a apropriação indevida de recursos e outros casuísmos e violências jurídicas destinados à perpetuação no poder.” Colocando em risco “as liberdades políticas e econômicas dos cidadãos.” (Democracia ou populismo, no site do Instituto Millenium)
Assim, prescindindo do fantasma do comunismo, as elites conservadoras de hoje criam um novo espectro a alimentar a campanha de medo para combater os governos que tiveram a audácia de abrir caminho aos mais pobres no acesso ao mercado de consumo e à participação política. O fantasma do populismo vem sendo invocado insistentemente na mídia corporativa e nos discursos políticos com o fito de exorcizar o cenário político da onda popular obrigando-a a retrair-se para seu leito original."
FONTE: escrito pelo jornalista Eduardo Marcondes e postada hoje (29/01) no portal "Vi o mundo", do jornalista Luiz Carlos Azenha [título colocado por este blog].
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