sábado, 29 de janeiro de 2011

NOSSAS EXPORTAÇÕES: OPÇÃO POLÍTICA OU VOCAÇÃO NATURAL?


“O governo deve alterar a política cambial, de forma a reverter a tendência à valorização artificial de nossa taxa de câmbio em relação às demais moedas importantes no mundo. Para com isso conseguirmos estimular as exportações brasileiras de maior conteúdo de valor e reduzir a invasão desproporcional de bens industriais estrangeiros.

Por Paulo Kliass

Durante as últimas semanas, foram divulgados os dados preliminares a respeito do desempenho do setor externo do Brasil durante o ano passado. Infelizmente, a análise inicial das informações publicadas pelo Ministério de Indústria e Comércio Exterior (MDIC) não oferece panorama muito positivo a respeito das relações econômicas de nosso País com o resto do mundo.

Na verdade, os dados só confirmam a tendência observada ao longo dos últimos [20] anos em relação ao tema. Por um lado, continuidade do crescimento moderado das exportações, não obstante as dificuldades enfrentadas com a taxa de câmbio bastante sobrevalorizada na relação do real com o dólar norte-americano e demais moedas importantes no comércio internacional. Por outro lado, crescimento expressivo das importações, justamente em função dessa política cambial que estimula o ingresso de produtos importados a preços artificialmente reduzidos, o que estabelece sérias dificuldades para as empresas nacionais conseguirem concorrer em termos de preço e de qualidade.

Assim, as exportações totais saíram de US$ 73 bilhões em 2003, chegaram a US$ 137 bi em 2006 e fecharam 2010 no patamar de US$ 202 bilhões. Em princípio, um desempenho excelente, representando um crescimento de 276% ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula.

No entanto, o quadro das importações acaba por relativizar um pouco o sucesso exportador. O total anual gasto com importados era de US$ 48 bilhões em 2003, saltando para US$ 91 bi em 2006 e atingindo a marca de US$ 182 bilhões no final do ano passado. Com isso, observou-se elevação das despesas com a importação da ordem de 380%. Ou seja, índice mais de 100 pontos percentuais superior ao crescimento das exportações.

O resultado de tal performance reflete-se, obviamente, no ocorrido com o saldo (sempre positivo) da Balança Comercial, que vem a ser a diferença entre exportações e importações. Ele sai de US$ 25 bilhões em 2003, chega a alcançar US$ 45 bi em 2006 e termina 2010 com a – digamos assim - modesta marca de US$ 20 bilhões. Mas por que modesta?, alguém poderia perguntar com toda a razão. Bem, o fato é que o saldo comercial representava quase a metade do valor das importações em 2003 e 2006. Já em 2010, essa relação cai para apenas 11% do total das importações, revelando uma situação mais vulnerável em relação ao comércio exterior. Basta uma simples elevação de pouco mais de 10% nas compras externas para que e o saldo da Balança desapareça!

Além disso, é necessário analisarmos o desempenho do setor externo com lente mais apurada e buscarmos compreender algo de mais significativo nessa dinâmica econômica. Afinal, não há mais espaço para o Brasil se imaginar como sociedade autárquica em pleno século XXI, sem aprofundar as relações econômicas, sociais e culturais com os demais povos e nações do mundo. A abertura comercial e o aumento do fluxo de comércio com o exterior faz parte do jogo econômico nos tempos atuais. O segredo é saber como tais relações são definidas e em quais bases elas são operadas.

E aqui entram, então, as informações a respeito de qual é a composição das nossas exportações e das nossas importações. A triste constatação a que chegamos é que, apesar do longo processo histórico de industrialização e urbanização, nosso modelo continua ainda muito assentado na tradição de origem colonial, em que a divisão internacional do trabalho delegava aos chamados países periféricos as funções de produção e exportação de produtos primários, aqueles oriundos da agricultura, da pecuária e do extrativismo.

O antigo e conhecido ciclo em que os países ditos subdesenvolvidos e em desenvolvimento eram conhecidos pela exportação de matérias-primas e outros insumos necessários ao processo de industrialização, ao passo que os países desenvolvidos ficavam encarregados da produção industrial e do fornecimento de serviços. Com isso, assegurava-se a manutenção e a reprodução de um modelo caracterizado por uma profunda desigualdade. Importávamos mercadorias de alto valor agregado, em função do processo de industrialização, e exportávamos bens básicos, sem quase nenhum valor adicionado. No limite, perpetuava-se um processo contínuo de transferência de renda e valor em direção dos países mais ricos. Exportava-se algodão para importar tecidos.

Essa realidade, aliás, era uma das bases objetivas para o movimento em prol de um processo de substituição das importações, com a meta de reduzir o grau de dependência econômica e tecnológica em relação ao exterior. Ou seja, a busca pela chamada internalização das forças produtivas e a instalação de parque industrial moderno, capaz de produzir internamente aquilo que era importado dos países mais avançados. As décadas avançam, o País parece evoluir, mas algumas questões substantivas insistem em permanecer inatacadas. Hoje em dia, continuamos a exportar soja e açúcar para importar produtos industrializados de alto valor agregado.

Entre 2009 e 2010, houve crescimento das exportações de US$ 153 bilhões para US$ 202 bi, correspondente a uma elevação de 32%. Já as importações cresceram proporcionalmente muito mais ao longo do mesmo período. Saíram de US$ 123 bi em 2009 e fecharam 2010 com US$ 182 bilhões, correspondendo a um aumento de 48%.

Os dados das exportações exibem crescimento também da parcela menos intensiva em valor agregado de nossa pauta. Ou seja, a soma de produtos básicos e de semimanufaturados representava 54% do total exportado em 2009 e essa participação sobe para 57% no ano passado. A contrapartida de tal movimento foi a redução da parcela dos bens industrializados, de maior valor agregado. Ela saiu de 44% em 2009 e fechou 2010 com representando apenas 40% das exportações.

Os primeiros oito itens em importância de nossa pauta exportadora respondem por 43% do valor total do que o Brasil vende para o resto do mundo. A observação detalhada desses produtos só faz confirmar a preocupação acima levantada. A lista real parece contraditória com a imagem de um país moderno e que se pretende possuidor dos sintomas da industrialização. Aqui vão os principais itens responsáveis pelo nosso desempenho exportador:

1. Minério de ferro: 14,3%
2. Petróleo: 8,0%
3. Soja em grão: 5,5%
4. Açúcar: 4,6%
5. Frango: 2,9%
6. Café: 2,6%
7. Pastas de madeira: 2,4%
8. Derivados de soja: 2,3%


Sub-Total: 43,0%

As primeiras categorias de bens industriais surgem logo a seguir, com aviões e automóveis representando um subtotal de apenas 4,2%. Mas a lista retoma seu caráter preponderante de matéria-prima, de maneira que, dos dezessete primeiros itens representando mais de 57% do total exportado, apenas 7% referem-se a quatro itens de maior valor agregado.

Já pelo lado das importações a situação é bastante distinta. Ao lado de alguns produtos ainda de característica primária, já despontam outros como automóveis e autopeças (com saldo maior que as exportações dos bens de mesma natureza), circuitos microeletrônicos (em valor equivalente à nossa exportação de soja), produtos farmacêuticos (cujo valor equivale às exportações de frango), produtos siderúrgicos, aparelhos transmissores e receptores, motores, geradores, bombas, rolamentos, engrenagens etc. Em resumo, um conjunto bastante desequilibrado, em que o Brasil é claramente deficitário em termos de incorporação de intensidade tecnológica e de valor econômico.

Em síntese, trata-se do resultado de uma opção política e de projeto de País. Caso o desejo seja realmente o de continuar reproduzindo o modelo ultrapassado da divisão internacional do trabalho, aí não há muito o que mudar. Basta deixar o sistema operando no automático, que nós vamos cada vez mais continuar exportando minério de ferro de ferro e importando produtos siderúrgicos elaborados, para ficar apenas na imagem emblemática do caminho sem futuro.

No entanto, há outras alternativas. O Brasil tem muitas das condições necessárias para se converter em nação mais autônoma, com maior nível de desenvolvimento industrial internalizado. Espaço físico de um País de dimensões continentais. Contingente populacional de quase 200 milhões, que permite um ganho de escala para o atendimento de suas necessidades internas. Uma multiplicidade de biomas, a reserva estratégica da Amazônia (verde e azul) e um fenomenal potencial estratégico de água. Uma costa de mais de 8 mil km de extensão. O que falta é a vontade política de utilizar esses elementos favoráveis na afirmação de um projeto de nação independente.

Além disso, não há mais espaço para aquelas teorias absurdas da “vocação natural exportadora dos países” do Terceiro Mundo. A médio e longo prazos, o caminho passa, entre outros aspectos, por investimento pesado em educação e ciência e tecnologia, sem falar na implementação de um modelo efetivo de distribuição de renda e de redução das desigualdades sociais, econômicas e regionais. Mas a persecução de tal objetivo passa também, no curto prazo, por esquecer algumas decisões incompreensíveis e absurdas, como a que começa a esboçar a direção da Petrobrás, ameaçando abandonar a opção de priorizar a compra de equipamento nacional em suas operações industriais. Afinal, o importado é mais barato...[OBS deste blog: a Petrobras já desmentiu essa informação falsa difundida pela imprensa tucana. Ver postagem deste blog de terça-feira, 25 de janeiro de 2011, intitulada “CONTEÚDO NACIONAL: CARTA DA PETROBRAS À FOLHA”].

E, por fim, o mais importante de tudo: o governo deve alterar urgentemente a política cambial, de forma a reverter a atual tendência à valorização artificial de nossa taxa de câmbio em relação às demais moedas importantes no mundo. Para com isso conseguirmos estimular as exportações brasileiras de maior conteúdo de valor e reduzir a invasão desproporcional de bens industriais estrangeiros. Como tudo, trata-se de mais um ato que exige vontade e coragem políticas da parte de nossos governantes.”

FONTE: escrito por Paulo Kliass, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10. Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4941) [imagem do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog].

2 comentários:

iurikorolev disse...

Maria Tereza
Desafio tão grande como a integração social dos excluídos, em curso no Brasil, será o desenvolvimento de empresas tecnológicas brasileiras, se é que isso algum dia acontecerá.
O Brasil é um país de industrialização tardia, e ocupa uma posição periférica no mundo.
É como nas nossas cidades : as pessoas que moram na periferia ganham pouco, executam tarefas de baixo valor agregado etc.
Precisamos de uma mudança radical de caminhos no Brasil, coisa que ainda não ocorreu. E, em minha opinião, isso terá que ser liderado pelo Governo. Temos que nos tornar uma sociedade do conhecimento. Quem conseguir dar esta reviravolta, terá no século XXI uma importância comparável a de Getúlio Vargas no século XX.
O brasileiro tem talento, mas as lideranças empresariais ainda são fracas.
Continuar a ser um país exportador de commodities no século XXI, será caminhar para um destino incerto, para não dizer, algo muito pior.

Unknown disse...

Iurikorolev,
Você está certo em todos esses conceitos. Nos países desenvolvidos foi e continua sendo assim. Nesses Estados, há forte intervenção estatal para a geração de tecnologia, sob variadas formas. Nos EUA, mais flagrantemente, houve e há bilionários programas de pesquisa e desenvolvimento para programas militares e, ao final, gigantescas aquisições. Para atendê-los, ocorre, direta e indiretamente, o aumento do conhecimento, criação de novos laboratórios, a elevação da qualidade do ensino nas escolas etc etc. Por fim, daqueles resultados pagos pelo Estado surgem milhares de novos produtos civis de alto valor agregado e competitivos no mercado, pois seus custos de desenvolvimento foram indiretamente arcados pelo Estado. É ilusão, ingênua ou dolosamente enganosa, pensar que "o mercado", as lideranças empresariais resolverão essa deficiência brasileira.
Maria Tereza