Angra 1 e 2
FÍSICO DEFENDE COMPETITIVIDADE DA ENERGIA NUCLEAR
“Rex Nazaré Alves, 73, diretor de Tecnologia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), é um dos físicos mais importantes para a história do desenvolvimento da energia nuclear brasileira.
Na década de 60, se especializou em engenharia nuclear pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e, mais adiante, se formou doutor em física pela Universidade de Paris, Sorbonne. Foi presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e membro do Conselho de Administração e chefe do Departamento de Tecnologia da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
O físico defende a continuidade da política nacional de energia nuclear e a aplicabilidade dessa matriz na medicina. E acredita que os recentes acidentes ocorridos nas usinas de Fukushima, no Japão, não irão frear o crescimento dessa matriz no mundo. Confira o porquê na entrevista a seguir.
-Como nasceu o seu interesse pessoal em estudar física nuclear?
Em 1961, ganhei uma bolsa da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que estava nascendo, para estudar engenharia nuclear no Instituto Militar de Engenharia, como civil. Essa era a fonte de energia que mais impressionava porque percebíamos aplicações de toda a ordem. Para se ter ideia, a espessura da folha de papel que você deve ter em mãos é controlada por mecanismos de energia nuclear. O nível de água ou de óleo que se coloca dentro dos vasilhames para se controlar os motores, é controlado por processos de energia nuclear.
Naquele momento, o Brasil tinha um problema que começava a me preocupar, porque éramos ricos em matéria prima e tínhamos que aprender por conta própria a desenvolver nossa própria tecnologia. Por esses motivos, o interesse foi crescendo, especificamente voltado para essas duas coisas: a necessidade nacional de desenvolver esse setor e aplicação dos meios que a gente dispõe no Brasil.
-Por que a fissão nuclear é tão manipulada para a produção de energia se existem tantas fontes no mundo que são bem mais seguras?
Os primeiros marca-passos cardíacos tinham bateria de plutônio 238 porque era uma bateria que não precisava ser trocada todos os dias. Todos esses dispositivos que são enviados para o espaço, por exemplo, para Marte para captar informações e remeter para a Terra, precisam de fonte de energia constante. Sem dúvida nenhuma, são movidos a fontes nucleares.
Cada tipo de energia e cada utilização em particular no nuclear tem sua importância e aplicação. A energia nuclear vem sendo usada pela necessidade e em muitos casos por ser a melhor opção. Quando não for a melhor opção, ainda assim será utilizada por muito tempo por ser mais competitiva do ponto de vista econômico.
-Esse é o mesmo motivo de investirem em submarinos a propulsão nuclear, porque, dentre outras razões, ficam carregados por muito mais tempo?
Exatamente. A vida útil do combustível nos reatores dos submarinos nucleares é uma das causas principais de seu emprego.
-Em dezembro de 1945, o físico nuclear Alvin Weinberg disse à comissão sobre energia atômica do Senado norte-americano que a força atômica pode tanto curar quanto matar. Pode adubar e enriquecer uma região, bem como destruí-la. Qual tem sido o papel dos cientistas brasileiros nesse sentido?
É válido o que o Weinberg mencionou em 1945, que a energia nuclear tanto pode servir para curar, quanto para matar. E é importante lembrar que uma das primeiras fontes de energia nuclear utilizadas da natureza, foi a separação dos elementos químicos rádio e polônio, realizada pela Madame Marie Curie. Esse rádio permitiu fazer agulhas de rádio que eram utilizadas em radioterapia e foi, sem dúvida alguma, uma das primeiras formas de uso da radioterapia junto com o raio-X dermatológico. A Madame Curie veio ao Brasil, em agosto de 1926, para visitar o Instituto do Radium, um hospital de oncologia, primeiro no Brasil na luta contra o câncer, em Belo Horizonte, que usava rádio 226 que ela mesmo tinha separado. Isso mostra que desde a origem a energia nuclear vem sendo utilizada na medicina.
Hoje as técnicas de medicina nuclear para diagnóstico permitem efetivamente ter acesso à informação de tumores numa fase muito inicial. Então, sem dúvida nenhuma, a física nuclear tem uma influência grande para o bem. Ao mesmo tempo, é verdade que pode haver acidentes graves. Um exemplo típico foi o que tivemos com o césio 137, em Goiânia.
O mesmo ocorre com a produção de energia. Ainda assim, de todas as fontes de energia do mundo, se compararmos a produção de megawatts por hora, a fonte com menor número de acidentes e vítimas fatais é a nuclear. As pessoas se esquecem de rompimento de barragens, acidentes nas usinas térmicas, minas de carvão.
-Qual será a formação da matriz energética do Brasil em 2030? O PDE 2030 [Plano Decenal de Expansão de Energia] acerta ao propor que 3% dela seja composta por energia nuclear?
O Brasil aprendeu três coisas fundamentais, na década de 1970, com as duas crises do petróleo e que devem jamais ser esquecidas. Primeiro, que precisávamos ter combustível necessário, ou seja, só investir na produção de certa matriz se tiver acesso à fonte. Nesse caso, temos água, para hidrelétricas, sol para produção de energia solar, ventos para produção de energia eólica, petróleo, gás, álcool e temos urânio.
Então, esse é o primeiro item, disponibilidade do combustível. O segundo item é dominar a tecnologia, para não ficarmos como muitos países que produzem petróleo, exportam a matéria bruta e importam o produto refinado. Dominamos tecnologia em todas essas matrizes que mencionei, seja em menor ou maior profundidade.
A terceira coisa que aprendemos com as crises do petróleo foi incorporar as lições dentro de todo esse quadro histórico. Antes das crises, tínhamos uma matriz que dependia fortemente do petróleo. Em 1979, consumíamos aproximadamente 1 milhão de barris de petróleo/dia e produzíamos em torno de 180 mil. Nessas condições, quando vieram as altas repentinas do preço do barril do petróleo, vimos nossa economia praticamente quebrar. Isso nos incentivou a investir, por exemplo, no Pró-álcool.
Em consequência disso, diria que é difícil afirmar se a participação da energia nuclear vai ficar em 3% ou 4%, porque, sem dúvida nenhuma, a nossa fonte prioritária é água, e continuará sendo por muito tempo água. O que acontece é que precisamos ter alguma coisa que atenda a demanda quando houver falta de hidroeletricidade. Essa alguma coisa tem que ser de fontes térmicas, alimentadas por carvão, petróleo, gás ou urânio. A energia eólica ainda terá que se desenvolver muito para alcançar o grau de competitividade das usinas de grande porte.
-Os acidentes em Fukushima abalaram a opinião pública. Diante disso, vale à pena continuar investindo ainda nessa matriz sabendo dos riscos?
Sem dúvida nenhuma os fenômenos naturais devem ser considerados num projeto de usina nuclear, prevendo-se ocorrências com grau de intensidade superior ao estimado pelos cientistas. O Japão fez isso, mas o caso de Fukushima foi atípico. A região passou pelos terremotos e ainda assim as usinas continuaram operando inicialmente. O problema foi que, uma hora depois do terremoto, vieram às águas do tsunami que inviabilizaram o processo de resfriamento dos reatores.
É obvio que a simultaneidade de fenômenos deve ser considerada uma vez que o tsunami é fruto do terremoto que ocorreu em alto mar, o problema foi a intensidade do tremor, uma das maiores já registradas pelo homem.
Voltando-se para o Brasil, vemos que, aqui, as características geológicas são diferentes, pelo menos até hoje tudo indica que estamos longe de ameaças equivalentes. Ainda assim, os fenômenos naturais e a simultaneidade deles devem ser considerados. Qualquer projeto de central nuclear tem reforços contra terremotos e mecanismos redundantes para um desligamento seguro caso esse fenômeno venha ocorrer.
-O Japão, assim como a França e até a Alemanha, não possui muitas opções de matrizes, por isso mesmo seria difícil para o país desenvolver outros tipos de produção de energia. No caso brasileiro é um pouco diferente, temos como explorar outras fontes...
Estamos numa condição curiosa que é a interrupção de obras de hidroeletricidade. Não podemos abandonar nenhum processo de geração de energia. Temos que ser responsáveis pela implementação de todas. Não temos necessidade de construir dez ou vinte centrais de qualquer que seja sua origem, mas, para podermos ter garantia que no futuro vamos usá-las de maneira confiável, temos que manter uma continuidade no nosso programa energético. Essa continuidade implica na constância de construirmos uma usina de dois em dois anos ou em quatro em quatro anos, em função do crescimento econômico-social do país.
-Após o acidente no Japão, alguns países propuseram repensar seus investimentos para construção de usinas nucleares, como os Estados Unidos. Se isso ocorrer nos demais estados que tradicionalmente dependem da nuclear como principal fonte, a exemplo da França, como essas nações serão capazes de suprir a demanda nas próximas décadas?
Quando houve o acidente em Chernobyl [na Ucrânia, em 1986], de imediato alguns países pensaram em abandonar o programa nuclear. Porém, muitos que efetivamente deixaram de investir na produção nuclear dentro de seus territórios continuaram a comprar energia nuclear de países vizinhos. A maioria dos países europeus, pequenos em extensão, não tem grandes reservas de fontes energéticas e não irão poder abrir mão da energia nuclear.
Para botar uma usina nuclear de 1 mil MW para funcionar, do tipo TWR, durante 30 anos, precisa-se de 5 mil toneladas de ‘yellow cake’, que é o composto de urânio concentrado não enriquecido. Eu posso armazenar isso em qualquer lugar, fazer uma reserva estratégica e não ficar na dependência de um combustível que, de repente, pode me ser negado.
-E sobre as novas energias que tanto se fala, não teríamos capacidade de, com elas, substituir as principais fontes?
Sem dúvida as fontes solar e eólica ganharão um espaço muito importante nos próximos anos, mas elas, na minha maneira de ver, não serão substitutivas das fontes carvão, gás, nuclear e hidrelétrica. Essas quatro serão os grandes percentuais dentro da matriz no mundo.
-Por que são mais baratas?
Não. É porque eu tenho condição de conseguir uma maior quantidade de energia dentro de uma mesma geometria, numa mesma área. O Sol joga na Terra 1 mil MW por metro quadrado. Posso fazer o que quiser, e o Sol vai continuar jogando na terra, meio dia, com o céu limpinho, 1 mil MW por metro quadrado. Então, eu melhoro minha geometria, uma série de coisas, porém, ele continuará mandando apenas isso.
-Em entrevista concedida para a revista Istoé, edição 2159, o historiador norte-americano Richard Rhodes afirma que a bomba atômica é inútil e obsoleta e que os países não investem mais nesse tipo de arsenal. Concorda?
A história é muito curiosa. Desde que o homem parou de ser nômade e resolveu se fixar em determinado lugar, começou a alimentar mais seu lado ambicioso. Quando encontrou um lugar de terras férteis, com água, e que não era excessivamente frio, foi obrigado a ter que desenvolver meios para defender seu território de outros. Os gladiadores, máquinas de ganhar guerra no braço, nasceram a partir dessa ideia, ao mesmo tempo o homem passou a desenvolver meios para se tornar mais competitivo, como a pólvora. Com isso, a tendência natural foi fazer armamentos que gerassem um impacto de destruição maior. E, no limite que estamos hoje, é sem dúvida nenhuma a da energia atômica, e suas aplicações militares o instrumento de maior impacto.
Já dizia Charles de Gaulle [ex-presidente da França], ‘não lançam contra a França uma bomba porque ela tem a possibilidade de mandar outra de volta’. Nesse quadro lhe diria que, sem dúvida nenhuma, eles reduziram a quantidade de armamento, mas ainda as reservam em estoques extraordinariamente grandes.
Há um discurso em relação ao encerramento das aplicações para fins militares de energia atômica. Mas eu acho que ainda é apenas um discurso [falso] das grandes potencias militares.
-A CNEN [Comissão Nacional de Energia Atômica] deve deixar de acumular a função de fiscalização do setor? Por que não conseguimos criar, até hoje, uma agência reguladora para o setor nuclear, assim como existe para o setor elétrico?
A energia nuclear no Brasil teve diferentes velocidades de desenvolvimento. Em alguns momentos, se acoplou mais à dependência externa, em outros momentos, se desenvolveu de forma autônoma.
Quando se fala em fiscalizar, é preciso identificar quem realmente tem condições para isso, atualmente. O primeiro dado que tem que ser considerado é que o fiscalizador precisa ter elevado nível de conhecimento.
Todos os países do mundo começaram a produzir energia nuclear com as suas funções regulatórias junto com as suas funções de desenvolvimento. Eles puderam fazer essa transição de dividir as duas funções, principalmente, porque tiveram um programa contínuo nuclear, a exemplo da França e dos Estados Unidos –a França separou as atividades de produção e regulação no final dos anos 1980 e Estados Unidos nos anos 1970.
O Brasil tem e precisa fazer essa separação, mas de maneira muito responsável, mas antes, necessita ter efetivamente a garantia de que, ao separar as duas atividades, terá condições de fazer a fiscalização. Não deve separá-las apenas para agradar a Gregos e Troianos.
-Sendo assim, estaríamos no momento de efetivar essa separação, ou ainda acha que temos que amadurecer?
Temos que amadurecer, pelo menos agora, porque temos que esperar a conformação que o atual governo quer fazer sobre a energia nuclear, com que velocidade quer implementá-la. A partir daí, definir em que momento se irá fazer essa separação.
-O Brasil, além de possuir reservas de urânio e demais metais radioativos, domina toda a tecnologia para produção de energia nuclear. O que falta, então, para que afetivamente todo o processo seja realizado no país? Estamos perto de chegar nesse ponto?
Falta ter um programa contínuo, mesmo que cresça devagar, mas que tenha continuidade. O nosso problema hoje não é tecnologia, porque a temos, é simplesmente escala. Se fizermos Angra 3, e fizermos mais uma unidade a cada três ou quatro anos, mas que isso fique efetivamente ajustado e que a encomenda seja feita a tempo de formarmos mão de obra especializada para que a competência seja devidamente passada, dessa forma, você pode ter certeza que teremos condição total e autonomia de sermos efetivamente um país que domine inteiramente o uso pacífico de energia nuclear.
-Ao longo da história, as atividades humanas influenciaram as formas de consumo de energia. Hoje, as formas de consumo de energia influenciam atividades humanas?
Inicialmente, o ser humano era nômade e só andava perto de onde tinha água. Depois, aprendeu a usar o fogo e se fixar, aprendeu a produzir energia da natureza melhorando sua qualidade de vida. A partir desse momento, sim, é que começou a condicionar suas atividades a uma demanda maior de energia.
Por exemplo, você está numa sala que garanto que tem ar condicionado. Há vinte anos, seguramente, não havia ar condicionado aí, mas o ser humano que está aí sobrevivia da mesma forma. Culturalmente, a gente vem optando por modelo de qualidade de vida que é altamente dependente de energia. A atividade, em si, não mudou muito, o homem continua dormindo, comendo, trabalhando, mas tem televisão, agora tem computador, quer ter um telefone celular em sua mão para usar a qualquer momento. Então, o que mudou foi o consumo criado pela evolução da cultura.”
FONTE: escrito por Lilian Milena, no site “Brasilianas.org” da “Agência Dinheiro Vivo” e no blog do jornalista Luis Nassif
(http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-competitividade-da-energia-nuclear#more) [imagem do Google adicionada por este blog].
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