sexta-feira, 1 de julho de 2011
Escritor venezuelano: “A LÍBIA É O NOSSO FUTURO”
“'Nenhum homem é uma ilha; a morte de qualquer pessoa me afeta', pregava John Donne. Nenhum país está fora do planeta: o genocídio cometido contra um povo assassina-me. Tudo o que acontece na Líbia fere-me, prejudica-te, nos afeta.
Por Luís Britto Garcia, escritor venezuelano
Falemos como homens e não como chacais ou monopólios mediáticos. A Líbia não é bombardeada para proteger a sua população civil. Nenhum povo é protegido lançando-lhe explosivos, nem o despedaçando com 4,3 mil ataques "humanitários" durante mais de cem dias. A Líbia é incinerada para lhe roubarem seu petróleo, suas reservas [de divisas] internacionais, suas águas subterrâneas.
Se o latrocínio triunfa, todo país com seus recursos será saqueado. Não perguntes sobre quem caem as bombas: cairão sobre ti.
'Encarceraram os comunistas; nada poderia importar-me menos porque não sou comunista', ironizava Bertold Brecht. O Conselho de Segurança da ONU aprova uma zona de "exclusão aérea" a favor dos secessionistas líbios, mas permite um bombardeio infernal; a China e a Rússia abstêm-se de vetar a medida porque, como não são líbios, nada poderia lhes importar menos. De imediato, os Estados Unidos ameaçam a China com a declaração de uma "moratória técnica" da sua impagável dívida externa e agridem o Paquistão. A China replica que "toda nova ingerência dos Estados Unidos no Paquistão será interpretada como ato não amistoso" e arma o país islâmico com cinquenta caças JF-17. Nenhum povo está fora da humanidade: se não vetas a agressão contra outro, a desencadeias contra ti.
Conta Tólstoi que um urso ataca dois camponeses: um sobe em uma árvore, cedendo ao outro o privilégio de defender-se só. Este vence e conta que as últimas palavras da fera foram: "Quem te abandona não é teu amigo". A Liga Árabe, a União Africana, a OPEP trepam na árvore da indecisão esperando a vez de serem esquartejadas. Ao abandonar as vítimas, te abandonas.
Como nos tempos em que o fascismo assaltava a África, hoje a Itália, Alemanha, Inglaterra, França e outros pistoleiros da OTAN sacrificam armamentos e efetivos numa guerra que só favorecerá os Estados Unidos.
Impedido pelo seu Congresso de investir abertamente fundos no conflito, Obama queixa-se dos seus cúmplices da OTAN porque sacrificam à despesa militar menos de 2% dos seus PIB e ordena-lhes que imolem, pelo menos, 5% (fonte: "El futuro de la OTAN"; Editorial [do jornal espanhol] ‘El País’ em 15/06/2011).
São instruções inaplicáveis quando o protesto social, a crise financeira, a dívida pública impagável e o próprio gasto armamentista minam os governos do G-7. Perante tais exigências, a Itália opta por não participar mais na associação criminosa (‘agavillamiento’). A Agência Internacional [de Petóleo] autoriza a gastar, das reservas que não tem, 60 milhões de barris de petróleo em dois meses. Os Estados Unidos desbaratam, em 2010, uma despesa militar de 698 bilhões de dólares, 43% do total mundial de 1,6 trilhão de dólares [naquele ano] (fonte: ‘Confirmado.net’, 17/06/2011). Assim se dilapidam, em forma de morte, os recursos que deveriam salvar a vida. Se montam guerras para devorar o outro, as guerras te devorarão a ti.
Como na época de Ali Babá e os quarenta ladrões, os banqueiros internacionais, que tão benevolamente receberam 270 bilhões de dólares em depósitos e reservas da Líbia, assaltam o botim e estudam trespassá-lo àqueles que tentam assassinar os legítimos donos. Também, criam para os monárquicos de Bengazi um banco central e uma divisa secessionista. São os mesmos financistas cujo latrocínio custa à humanidade o atual colapso econômico: não indague a quem roubam os banqueiros: desfalcam a ti.
No estilo das ‘blitzkrieg nazis’, o presidente dos Estados Unidos inicia guerra sem a autorização dos seus legisladores e prolonga-as ignorando o Congresso, onde dez deputados denunciam o presidente e o Secretário da Defesa cessante, Robert Gates, e vetam os fundos para a agressão contra a Líbia, tachando-a de ilegal e inconstitucional. Não averigúes se deves impor a tiros a democracia a outros povos: acaba antes com os vestígios dela que restavam no seu próprio país.
Cada homem é peça do continente, parte do todo, insiste John Donne. Os inimigos do homem não cessam de fragmentá-lo para destruí-lo melhor. Os impérios, que são quebra-cabeças instáveis de peças juntadas à força, no exterior fomentam ou inventam o conflito de civilização contra civilização, o rancor do iraniano contra o curdo, do xiita contra o sunita, do hindu contra o muçulmano, do sérvio contra o croata, do descendente contra o ascendente, do ancestral contra o menos ancestral, do líbio contra o líbio, do venezuelano contra o venezuelano. De cada variante cultural pretendem fazer um ‘paisinho’ e de cada ‘paisinho’ um protetorado. Quem nos separa nos faz em pedaços, quem me divide me mutila. Não indagues como despedaçam a Líbia: esquartejam a ti.
Toda pilhagem arranca com promessa de golpe fácil e atola-se na carnificina insolúvel. As guerras do Afeganistão, Iraque, Líbia, Iêmen e a agressão contra o Paquistão arrancam passeios triunfais, espatifam-se em holocaustos catastróficos e nenhuma conclui nem se decide. A resistência dos seus povos retarda a imolação da qual não te livrarão, nem vetos omitidos, nem organizações abstencionistas, nem banqueiros carteiristas, nem Congressos nulificados. Não perguntes por que são assassinados os patriotas líbios: estão a morrer por ti.”
FONTE: escrito por Luís Britto Garcia, escritor venezuelano. Artigo original encontra-se no “Blog de Luís Britto Garcia”. Transcrito no site “Resistir.info” e no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=157468&id_secao=9) [imagem do Google, pequenos ajustes de forma na tradução e trechos entre colchetes adicionados por este blog].
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