quinta-feira, 21 de julho de 2011
Emir Sader: “A ORFANDADE CENTRO-AMERICANA”
“Subcontinente geografricamente na metade do caminho entre a América do Norte e a América do Sul, ao lado do Caribe, a América Central, mais do que nunca, encontra dificuldades para afirmar sua identidade na era da globalização neoliberal.
Por Emir Sader, em seu blog
À forte polarização internacional e marginalização das zonas mais frágeis do sistema capitalista, se somaram a recessão prolongada nos EUA e no México, principais sócios econômicos e referências políticas tradicionais.
A rebelião de países da região –governos sandinistas na Nicarágua, movimentos guerrilheiros– não produziram espaços de autonomia, ao contrário, deixaram sequelas ainda mais graves. Na Nicarágua, Daniel Ortega retornou ao governo, com orientação bastante mais moderada; na Guatemala as forças guerrilheiras e os movimentos indígenas não conseguiram transferir a força acumulada para forças políticas institucionais. El Salvador foi o país que melhor conseguiu adequar-se ao novo marco internacional –a passagem da bipolaridade à hegemonia imperial norte-americana.
Terminada a guerra fria, os movimentos guerrilheiros centro-americanos buscaram se reciclar para os processos políticos institucionais. Em El Salvador, a ‘Frente Farabundo Marti’ –que congregava todos os movimentos da luta armada– se transformou em um partido político, que rapidamente conseguiu eleger vários prefeitos –inclusive na capital– e bancada importante no Congresso. No entanto, somente nas eleições de 2009, ao lançar o nome de um jornalista muito conhecido em nível nacional –Mauricio Funes-, sempre opositor nas suas posições como candidato à presidência, conseguiram triunfar.
A situação herdada já era muito grave, antes da crise econômica internacional. Mais de 50% do fluxo comercial do país se dá com os EUA, revelando a enorme dependência do mercado norte-americano. Cerca de 1/3 da população salvadorenha –cerca de 3 milhões de pessoas– vive nos EUA, remetendo parte dos seus ganhos a El Salvador, o que constitui 18% do PIB, a primeira fonte de ingresso do país.
Os governos neoliberais que dirigiram o país nas duas décadas posteriores ao final da guerra interna promoveram concentração de renda ainda maior do que a existente antes dos conflitos armados. A balança comercial do país é permanentemente deficitária. El Salvador importa grande parte dos alimentos que consome. Dois de cada dez trabalhadores não têm emprego formal e cobertura social. Quando Funes assumiu, a economia salvadorenha havia sofrido retrocesso de cerca de 4%. Perderam-se, entre 2008 e 2009, em torno de 40 mil empregos formais, além dos impactos no extenso setor informal da economia.
Imediatamente, o governo elevou os recursos para as políticas socais de 24 para 134 milhões de dólares, como expressão da centralidade das políticas sociais que o governo assumiu. Foi criada a Secretaria de Inclusão Social –dirigida pela brasileira Vanda Pignato, que desenvolve extraordinário trabalho de criatividade na área social, a começar pelas inovadoras ‘Cidades Mulheres’- que desenvolve programas sociais que se constituem em eixos prioritários do mandato de Funes: Proteção Social Universal, Pacotes escolares, Alimentação escolar, Bônus em educação e saúde, Bolsas educativas, Pensão básica universal e Programa de atenção temporária à renda.
Como resultado da aplicação das políticas sociais, nos seus dois primeiros anos o governo de Funes conseguiu resultados muito positivos: extensão da cobertura pré-natal para 98,7% dos casos; controle sobre o crescimento e a nutrição das crianças superior a 90%; taxa de matrícula escolar superior a 98%; numero de partos atendidos aumentou em 13,3%; repetição escolar diminuiu em 8%.
Atacando obstáculos estruturais à democratização de El Salvador, o governo distribuiu, em dois anos, 18 mil títulos de posse de terra, dentre os quais 35,5% foram para mulheres, secularmente excluídas do direito de propriedade. O programa de atendimento aos veteranos de guerra distribuiu bolsas e desenvolve um programa de nutrição e saúde.
Mas, mesmo El Salvador, com um governo democrático e popular, sofre as consequências da crise econômica internacional e vive –como toda a região– em uma espécie de limbo: nem são atendidos pelos EUA e pelo México, em crise, nem estão disponíveis para integrar-se a processos sul-americanos, porque assinaram ‘Tratados de Livre Comércio’ com os EUA. Cabe ao Brasil e aos países que integram os processos de integração regional, desenvolver propostas que atendam às necessidades centrais da área centro-americana, com El Salvador no seu centro.
FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader em seu blog e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=159126&id_secao=7).
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