quinta-feira, 7 de julho de 2011
Evo Morales: “AMÉRICA DO SUL DEVE CONSTRUIR UMA ALIANÇA ESTRATÉGICA”
“Em entrevista ao jornal argentino ‘Página/12’, o presidente da Bolívia, Evo Morales, fala sobre sua experiência como presidente, sobre os programas sociais que está implantando para beneficiar a população mais pobre e defende uma aliança estratégica entre os países da América do Sul. “Devemos fazer uma aliança estratégica com toda a América do Sul para a tecnologia. Porque a América do Sul já é a mãe de todos os recursos estratégicos do mundo. Temos a Amazônia, água doce... É uma esperança para o mundo. É preciso desenvolver uma nova tese. A tese da vida, da humanidade”.
Por Martín Granovsky, no jornal argentino ‘Página/12’
O jogo da noite entre Argentina e Bolívia e o gasoduto para trazer gás ao norte argentino eram os grandes temas da visita de Evo Morales à Argentina até que surgiu o protesto da comunidade judaica pela viagem do ministro de Defesa iraniano a La Paz. São 11 horas da manhã e Evo acaba de se despedir dos dirigentes da DAIA (Delegação de Associações Israelitas Argentinas). Saíram sorridentes. Talvez contagiados pela tranquilidade que emana hoje desse presidente aymara e ex-dirigente sindical que, no último dia 22 de janeiro, completou cinco anos no Palácio Queimado.
- Nunca sonhei em ser presidente –diz Evo. Nunca pensei que iria ser presidente.
- Nunca?
- Até 2002, jamais. Jamais. Eu, de tão baixo [na escala social]. Quando meus companheiros me propuseram ser candidato à presidência, em 1997, pensei que estavam gozando com minha cara.
- Mas o elegeram deputado.
- Sim. Fui candidato a presidente em 2002, e a candidatura surpreendeu a mim mesmo. Eu candidato? Foi uma satisfação. E depois, em 2005, ganhamos, mas temos muito que seguir aprendendo no novo sentido da política boliviana: antes, o povo era escravo do governo. Agora, o governo é escravo do povo. Está a serviço do povo.
- Os bolivianos votaram várias vezes em eleições presidenciais e para a reforma da Constituição. Como faz um presidente para avaliar o sentimento popular a cada dia?
- As reuniões com os movimentos sociais permitem saber como servir ao povo. Os resultados de gestão não só satisfazem como causam orgulho quando o povo se sente atendido em suas demandas. Nem sempre é suficiente, claro, porque os recursos são limitados. Mas sempre escutamos.
- Os dirigentes da DAIA que tiveram a entrevista com você comentaram isso: que os escutou, que admitiu ter cometido um erro e que eles acreditaram.
- Houve problemas e nós os reconhecemos. Melhor aprender errando. Melhor não ocultar as coisas. Assim a vida é melhor. Essa é minha experiência na família, no sindicalismo e no governo.
- Admitir um erro não pode ser tomado como sintoma de debilidade?
- Para mim não. Alguém sempre pergunta por que eu reconheço isso. Quem não comete erros? Lamentamos coisas que não estavam em nossos planos e expressamos nosso reconhecimento.
- Qual é o interesse nacional boliviano com o gasoduto que começou a ser negociado com a Argentina em 2006 e da conversa com a presidenta (Cristina Fernandez Kirchner)?
- A Bolívia, lamentavelmente em boa parte, viveu [somente] de seus recursos naturais. Em um primeiro momento, a borracha; depois, o estanho e, mais tarde, o gás. As relações que iniciamos com o presidente Néstor Kirchner tiveram continuidade com os acordos com a companheira Cristina e com a construção do gasoduto Juana Azurduy, tão importante para os dois povos, um que será abastecido de gás e o outro que se beneficiará disso.
Ao mesmo tempo, estamos melhorando a economia da Bolívia e prestando um serviço ao povo argentino. Falei muito sobre isso com a companheira Cristina. Ela conhece o tema. Não parece advogada, mas sim uma petroleira. Garantir energia frente à crise do mundo, no marco da complementaridade, é importante. Nós necessitamos do povo argentino e de seu governo e, se eles precisam de nós, aqui estamos. Eu nunca esqueço que, quando nos faltou trigo e farinha para o pão, a Argentina nos socorreu. Não sei como fez, mas o trigo ajudou a nossa felicidade.
- A nova Constituição estabelece um Estado plurinacional. Como está funcionando a construção?
- Nossa história mostra tantos irmãos assassinados, enforcados, esquartejados, discriminados, marginalizados... Houve rebeliões com resultados nefastos, mas nessas rebeliões nossos antepassados defenderam a identidade e os recursos naturais. Agora, estamos em uma revolução. Não com balas; com o voto. O Estado plurinacional se constrói também via processo de descolonização. Três etapas: rebelião, revolução, descolonização. Essa etapa não é fácil. Podemos mudar normas e procedimentos pelas quais um funcionário público se converterá em um servidor público. Mas é mais difícil mudar a mentalidade.
- A do funcionário?
- Sim. Por sorte, na Bolívia o povo começa a pensar diferente sobre a política. No passado, o político era visto como delinquente, como meliante, ladrão, farsante. Estamos mudando isso. Agora, ser político é prestar serviço ao povo por tempo determinado.
O que significa por tempo determinado?
- Que depende dos tempos da democracia, dos mandatos, do voto. Antes ser político era dizer: “Isso é meu. Aproveitarei”. Terminamos com isso na Bolívia. O povo era escravo do governo. Em meu gabinete há intelectuais e profissionais que poderiam estar ganhando melhor em outro trabalho. Mas se somam a esse trabalho para prestar um serviço por tempo determinado. E descolonizar também é a busca da soberania com igualdade de todos os bolivianos. Não pode haver uns vivendo no luxo e outros que morrem de fome. Não podem existir essas diferenças de família para família e tampouco de país para país, ou de continente para continente. Este milênio não deve ser o das oligarquias, hierarquias e monarquias. Olhemos as reações que temos nestes dias em outros continentes. Na Europa, por exemplo. Antes, eles olhavam para a América Latina. E o que viam? Os golpes militares, as ditaduras, crises, convulsões, mortos. A Bolívia, antes de eu chegar à presidência, teve cinco presidentes em cinco anos.
- Nós [argentinos] ganhamos: cinco em uma semana.
- Sim. E eu não posso acreditar: entrei no sexto ano da presidência. Isso quer dizer que estamos mudando.
- Bom, e pelo Honoris Causa da Universidade de Córdoba já é o doutor Evo Morales.
-E sou doutor, sim. Mas o que vale é o que estamos mudando no plano estrutural, no econômico e financeiro. Estamos nos libertando financeiramente. O próximo passo é tecnológico e científico. Devemos fazer uma aliança estratégica com toda a América do Sul para a tecnologia. Porque a América do Sul já é a mãe de todos os recursos estratégicos do mundo. Temos a Amazônia, água doce... É uma esperança para o mundo. É preciso desenvolver uma nova tese. A tese da vida, da humanidade. Falamos muito sobre isso com o companheiro Néstor Kirchner.
- Vocês se conheceram antes da presidência.
- Sim. Néstor foi muito prático em suas recomendações e sugestões. Para mim, segue sendo um pai político. Quando comecei como presidente, lá estava Néstor, lá estava Lula, lá estava Chávez para suas sugestões e recomendações.
- Qual foi a recomendação mais importante?
- O serviço ao povo. E lembro a ajuda que me deu em Tarija. Ele me disse: “Se perceber que as empresas não querem investir, pega o telefone e me liga que a Argentina vai investir”. Talvez possa ser entendida como mensagem simbólica. Mas foi muito importante. Nós, presidentes, devemos nos ajudar também em temas de investimento.
- Qual é, no plano mundial, a novidade boliviana em termos de identidade e desenvolvimento dos povos originários?
- Programas, por exemplo. Para os setores mais pobres das comunidades indígenas, o governo está garantindo 70% do investimento para empreendimentos produtivos. Os beneficiados contribuem com os outros 30%. O Banco Mundial está exportando esse programa para a África.
Outro programa: a criança que termina o ano escolar recebe um pequeno bônus de 200 bolivianos ao ano. O segredo desse bônus é evitar que haja novos analfabetos. Estamos conseguindo diminuir a evasão escolar, especialmente nas áreas rurais do altiplano e nos bairros periféricos das cidades. Baixamos a evasão de 6% para 2% e temos que impedir que surjam novos analfabetos.
Outro programa ainda: os mais pobres, os abandonados, os que trabalharam durante toda a vida, recebem cerca de 200 bolivianos por mês. Não é muito, mas é alguma coisa. Nas áreas rurais, o idoso que recebe sua renda resolve seu problema de água e de luz. E estamos entregando terra, ainda que alguns sejam muito ambiciosos.
- O que querem?
- Em lugar de 50 hectares, querem 150. Não é possível. Alguns dizem: “Aproveito a presidência do companheiro Evo, do irmão Evo, porque depois não haverá essa chance”.
- Como é o estado atual da unidade da Bolívia, sobretudo em relação a Santa Cruz de la Sierra? Os enfrentamentos de 2008 são coisa do passado?
- Antes, se falava da 'meia lua'. Isso acabou. Agora é a 'lua inteira'. Nosso movimento se baseia na política do bem viver, não do viver melhor. Se você quer viver melhor, tem que roubar, saquear os recursos, explorar. Isso [bem viver] nós podemos garantir porque meu partido, o dos mais pobres, dos camponeses indígenas originários, tem dois terços da Câmara de Deputados e dois terços da Câmara de Senadores. Isso nunca aconteceu na história da Bolívia. Há um sentimento popular que simpatiza com as mudanças profundas. E isso apesar das corridas aos bancos, que fracassaram. Ou do boicote para que falte açúcar ou azeite e para que joguem a culpa em cima de mim. Mas estamos sempre preparados para aprender errando, errando.
- Mauricio Macri disse que um dos problemas da Argentina, e repetiu isso, é o que chamou de “imigração descontrolada”. Como reagiu ao ouvi-lo?
- Respeitamos as opiniões de todos. Cada um tem direito a expressar o que pensa e o que sente. Mas somos todos latino-americanos. Todos somos sul-americanos. Temos a obrigação de compartilhar. Mas não só na Bolívia, também na Europa, na Espanha e em outros países o boliviano é visto como honesto e trabalhador. Veio aqui [na Argentina] buscar melhores condições de vida. Mas também contribui para o desenvolvimento da Argentina. Assim ocorre sempre com as migrações. As externas e as internas. Na Bolívia, vemos o que ocorre com os que chegam a Cochabamba, ou com os que vão de Potosi ou Oruro para Santa Cruz. Por isso, em Santa Cruz se encontra gente de origens tão diferentes. Vão trabalhar. Assim, ajudam o desenvolvimento. Na América Latina, ocorre o mesmo. Nos complementamos para viver juntos.”
FONTE: reportagem de Martín Granovsky, no jornal argentino ‘Página/12’. Transcrita no site “Carta Maior”com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18008).
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Um comentário:
Adoro Evo Morales, mas confesso que eu fiquei muito triste com o partidarismos sionista adotado por ele na questão do Ministro iraniano da Defesa, Ahmad Vahidi. Vahidi é SUSPEITO do atentado à Associação Israelita (AMIA), em Buenos Aires (1994), nada foi comprovado e, mesmo que comprovado, eu lembro que a segurança da SOBERANIA Persa está em grande parte nas mãos de Vahidi senão os PIRATAS já estariam por sobrevoando Teerã, que o diga o inocente Muammar Abu Minyar al-Gaddafi. Se Gaddafi estivesse armado os piratas não estavam nos céus de Trípoli assassinando civis inocentes. Todo PIRATA é covarde.
Ariel Sharon, Avigdor Lieberman e Benjamin Netanyahu é que deveriam responder por atos TERRORISTAS.
01/07/2011: Evo Morales pede desculpas a judeus argentinos por visita de iraniano
Ministro de Defesa iraniano é apontado como mentor de atentado que matou 85 pessoas
http://noticias.r7.com/internacional/noticias/evo-morales-pede-desculpas-a-judeus-argentinos-por-visita-de-iraniano-20110701.html
Eu não sou Anti-Semita. Amo os homens de bom coração e a generosidade que se dispersa através dos humanistas. Poucos são os judeus de bom coração, poucos são os judeus filantropos, poucos são os judeus interessados em igualdade social e racial.
O que existe são casos isolados, pois o que vale mesmo é quem tem o poder da caneta, o microfone na boca, o foco da câmera e o dedo no gatilho.
Professores israelenses desafiam governo e ensinam perdas sofridas por palestinos
16 de junho, 2011
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/06/110616_nakba_escolas_israel_guila_rw.shtml
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