terça-feira, 12 de julho de 2011

Ministra do Planejamento: “GOVERNO DILMA NÃO É “CORRIDA DE CEM METROS”


“A demissão de dois ministros, em menos de 30 dias, disseminou a impressão de crise e paralisia de um governo cuja presidente, Dilma Rousseff, mal completou sete meses de mandato. Nada mais falso, segundo a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. "Algumas coisas estão sendo tocadas, e bem, e outras estão sendo montadas".

Para Miriam Belchior, o desenvolvimento da gestão de governo é o esperado: "O primeiro ano é o de o governo armar o bloco", diz a ministra, em entrevista a Raymundo Costa, João Villaverde e Rosângela Bittar, do Valor Econômico. "Nossa corrida não é de cem metros, mas de quatro anos. É em quatro anos que a presidenta pode ser cobrada de seus compromissos.”

Valor: Há uma sensação de certo imobilismo, talvez provocado pelas crises políticas recentes. O governo está parado?

Miriam Belchior:
De jeito nenhum, o governo não está parado. A gente trabalha muito, chegamos muito cedo e saímos muito tarde. Os primeiros meses do ano foram para construir uma proposta capaz de atacar esse problema da extrema pobreza, conforme definição da presidenta Dilma. Estamos começando a desenvolver isso. A presidenta vai ao Nordeste nesta semana para um compromisso relacionado a este programa. Temos quatro anos de governo, não é uma corrida de cem metros.

Valor: O lançamento do Brasil Sem Miséria coincidiu com momentos dramáticos que culminaram na queda de Antônio Palocci, e foi por ela sombreado, parece que o governo só trata de crise...

Miriam:
Não vejo isso, de o governo estar travado. O primeiro ano é de o governo armar o bloco. Algumas coisas estão sendo tocadas, e bem, e outras estão sendo montadas, como o Brasil Sem Miséria. Já lançamos o Pronatec e os ministros [Fernando] Haddad e [Carlos] Lupi estão preparando o bloco para o momento em que o Congresso aprovar o programa. Os frutos de tudo isso virão em 2014, fim dos quatro anos do mandato. Bom lembrar que o Bolsa Família foi lançado em outubro de 2003, no décimo mês do governo Lula. Mal temos seis meses de governo Dilma.

Valor: Por que alguns projetos de interesse do governo, como a reforma da Previdência e a mudança na lei de licitações se arrastam no Congresso e outros, como o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), em que o governo se empenha mais, tramitam com velocidade?

Miriam:
Alguns temas são mais difíceis de ser encaminhados. Nós estamos trabalhando com o Congresso, que tem respondido bastante bem às questões que o governo tem colocado. Às vezes [aprovam] não como o governo propôs, mas estamos em uma estrutura democrática e é assim que funciona. Acredito que eventos como a Copa do Mundo trazem oportunidades como essas, e o caso do RDC é um exemplo. Fizemos essa discussão com a preocupação de que precisamos entregar os eventos. Começamos a construir no país algumas visões comuns a respeito de alguns temas.

Valor: A mudança na lei de licitações seria uma delas?

Miriam:
Com certeza. A lei tem questões importantes, ao garantir lisura nos processos, mas tem questões que podem ser modificadas. A lei 8.666 [de licitações, aprovada em junho de 1993] reflete determinado momento. E há um consenso no país no sentido de ajustar a 8.666, algo que faz parte de nosso aperfeiçoamento institucional.

Valor: Existe alguma ideia em discussão no governo para promover mudanças na gestão, de forma a reduzir desperdícios e desvios, como os do Ministério dos Transportes?

Miriam:
É importante ver as árvores, claro, mas é muito importante ver a floresta. Temos mudanças significativas através do tempo na melhoria e transparência da gestão pública e da eficiência dos mecanismos de controle. Isso é que é importante. Décadas atrás ninguém sabia que tinha problema de corrupção. Será que não tinha? Agora temos mecanismos para descobrir a corrupção. Isso é que é o importante a ser reconhecido, que os controles estão melhorando.

Valor: O governo não renovará o projeto de gestão diante dos fatos?

Miriam:
A definição da nossa presidenta é trabalhar aqui no Planejamento, e no governo como um todo, a questão da gestão, não só a questão de desvios, mas de tornar a gestão mais eficiente. Tivemos ações simbólicas, como a da Previdência, feita há oito anos, que fez acabar as filas [do INSS]. A ideia é ampliar bastante isso. Aqui no Planejamento essa é uma área à qual daremos grande prioridade de trabalho.

Valor: Esse projeto é o que fará a Câmara de Gestão criada na Presidência?

Miriam:
Já fizemos, na Câmara, uma primeira etapa de trabalho. Estão lá quatro ministros e quatro representantes do setor empresarial. Delineamos uma estratégia de trabalho, em que nós fizemos uma pré-seleção de áreas, pelo peso de cada uma, o volume de verbas.

Valor: Para definir as áreas prioritárias a merecerem atenção da Câmara o critério foi esse? O volume de verbas?

Miriam:
Sim, porque a possibilidade de reduzir gastos é maior. Definimos áreas pelo critério de maior prestação de serviços ao cidadão, com maior volume de verbas, além da criticidade do setor. Escolhemos Saúde, Justiça, Previdência, Infraero, Correios, Copa do Mundo e o tema da competitividade, que é aprofundar o PAC, melhorando o ambiente de negócio. A ideia é definir com cada ministério qual será a abordagem para cada tema. Vamos também fazer um trabalho transversal, que passa pela escolha de itens em cada área, junto dos ministérios, para que cada um tenha iniciativas de melhorar a gestão interna, com foco no melhor atendimento aos cidadãos. Já tive essa experiência em Santo André (SP), quando ganhei prêmio da ONU em gestão administrativa.

Valor: A avaliação que se tem feito é que o PAC também anda devagar. Os levantamentos do governo mostram que o programa executou este ano 36% mais que em igual período de 2010. Mas esse desempenho não foi sustentado por gastos de custeio e não de investimento?

Miriam:
Isso é uma falsa questão, porque classificação do orçamento é uma coisa, e lógica de investimento é outra. As pessoas entendem custeio como manutenção da máquina administrativa. O custeio a que nos referimos no PAC não é isso. A maneira como executamos o Minha Casa, Minha Vida está sendo implementada em vários países. Fazemos uma parceria público-privada. No começo, vários Estados e municípios reagiram, perguntando por que não passávamos recursos a eles. Depois perceberam que estamos fazendo com muito mais eficiência, e eles estão garantindo a política pública de redução do déficit [habitacional], indicando as famílias que estão em áreas de risco ou favelas para ocupar as habitações que estão sendo construídas.

Valor: Então aquilo que é discriminado como custeio, o governo entende como investimento?

Miriam:
Claro. Ao invés de o dinheiro ser repassado às prefeituras, que por meio de licitações próprias aplicariam os recursos, o que significaria investimento público, nós preferimos investir no FAR [Fundo de Arrendamento Residencial], e esse fundo executa as unidades habitacionais. Isso é investimento. Estamos fazendo um enorme esforço no país para que crescimento seja equilibrado e sustentado pelo consumo interno, que é o que dá o bom crescimento. O que estamos fazendo com o Minha Casa, Minha Vida é dar sustentação ao investimento. Não é porque a norma orçamentária chama isso de custeio que isso deixa de ser investimento. A gente não pode se prender de maneira limitada a isso.

Valor: Então os investimentos não foram menores que no ano passado?

Miriam:
Não, mesmo que se pegue a rubrica investimento. O investimento pelo PAC no primeiro semestre de 2010 foi de R$ 8,7 bilhões, e neste ano foi de R$ 8,6 bilhões. Rigorosamente o mesmo. Na verdade, a execução aumentou devido ao custeio, relativo ao Minha Casa, Minha Vida, mas mesmo o investimento puro foi no mesmo patamar. Então é uma falsa questão de análise. Não estamos reduzindo os investimentos.

Valor: O ritmo, no entanto, não poderia estar mais acelerado?

Miriam:
Estamos ainda armando o governo. Nossa corrida não é de 100 metros, mas de quatro anos. É em quatro anos que a presidenta pode ser cobrada de seus compromissos. Ela prometeu o ensino técnico, e já lançou o Pronatec. Ela prometeu a erradicação da pobreza extrema, e já lançou o Brasil Sem Miséria. Isso vai começar agora, e o período que vivemos é justamente dessa armação inicial. No caso do PAC, uma obra para virar obra precisa ser projeto, depois receber o licenciamento [ambiental], ser licitada e só então vira uma obra de fato. Temos ainda obras remanescentes do PAC 1 e algumas do PAC 2 que já estão começando neste ano, então os desembolsos serão ainda maiores no ano que vem. É um governo de continuidade, mas é um novo governo.

Valor: Quais são as bases desse projeto desenvolvimentista do governo Dilma?

Miriam:
Estamos aprofundando a estratégia iniciada no governo Lula, a partir da base dada pela estabilidade econômica. A proposta é aprofundar a questão do mercado interno e da nossa competitividade.

Valor: Nesse modelo de desenvolvimento não lhe parece haver um Estado ainda muito grande no Brasil?

Miriam:
Não gosto dessa discussão de Estado mínimo e Estado máximo. Temos demonstrado que tentamos trabalhar com equilíbrio. Não abrimos mão do Estado como indutor do crescimento. Temos tido sucesso nisso. Veja o exemplo do Minha Casa, Minha Vida. Tradicionalmente, isso seria feito pelo público, pegaríamos essa dinheirama do Orçamento e iríamos dar para Estados e municípios implementarem. O que fizemos? Inovamos. Fazemos junto do setor privado. Na Caixa, quando falamos em 200 mil moradias, eles tremiam. Quando o presidente Lula colocou a meta de 1 milhão de unidades, parecia impossível. Mas antes de lançar o programa nós chamamos todas as unidades da Caixa para rever os processos, para simplificar procedimentos. Isso tudo é uma enorme mudança, um movimento gigantesco. Agora lançamos o Minha Casa, Minha Vida 2 com muito mais tranquilidade, porque nós já sabemos fazer. Nós, como Estado brasileiro, e nós, empresariado brasileiro da construção civil, provamos que conseguimos fazer e fizemos juntos. Essa lógica do Minha Casa, Minha Vida demonstra o que pensamos do papel do Estado, qual é o limite do Estado e qual é o papel da iniciativa privada. É possível fazer junto e fazer bem. Há também o setor elétrico, desenhado pela Dilma quando ministra de Minas e Energia, que é outro exemplo de sucesso.”

FONTE: publicado no jornal “Valor Econômico” e transcrito no portal "Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=158489&id_secao=1).

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