sábado, 20 de setembro de 2014

ENERGIA: O PRIMARISMO DA PROPOSTA DE MARINA





O primarismo da proposta energética de governo de Marina 

Por Rogério Maestri, engenheiro, Mestre em Recursos Hídricos

O primarismo da proposta energética de governo de Marina

1) Introdução
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Quando se quer renovar, é necessário ter base sólida para não cair em grandes bobagens, e me parece que isso está ocorrendo no programa de governo de Marina.

Como a proposta básica de Marina Silva é a sustentabilidade, ou seja, onde ela se diz mais forte, fui exatamente ao programa no item referente aos “cinco grandes focos” para “a sustentabilidade da matriz energética brasileira”, onde li os pontos básicos, que transcrevo literalmente, são:

1) aumento da eficiência energética;
2) aumento da participação da eletricidade na matriz energética;
3) realinhamento da política para focar nas fontes renováveis e sustentáveis, tanto no setor elétrico como na política de combustíveis, com especial ênfase nas fontes renováveis modernas (solar, eólicas, de biomassa, geotermal, das marés, dos biocombustíveis de segunda geração);
4) redução de consumo de combustíveis fósseis e
5) ampliação da geração distribuída.
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A grosso modo, esse programa parece correto e levaria a um resultado satisfatório e desejável para qualquer país. Porém, olhando em detalhes, ele provocaria um caos energético na matriz energética brasileira. Logo, vamos aos fatos.

O primeiro item, logicamente, já está sendo feito atualmente, pois significa reduzir as perdas do sistema. Porém isso deve ser feito por financiamento público, pois para as companhias privadas nacionais muitas vezes é mais econômico manter o sistema como está do que ter que investir, por exemplo, na diminuição do fator de potência que leva a altas cargas resistivas. Ou seja, a pergunta que é sempre feita, quem vai pagar a conta?

Pode-se passar a políticas punitivas aos consumidores, obrigando-os a se ajustarem a metas de melhoria na eficiência. Em resumo, obrigando os setores industrial, comercial e residencial a investimento, como por exemplo, passar toda a iluminação residencial a lâmpadas LED, mas tudo isso tem um custo e não é baixo.

Os itens (2) e (4) poderiam ser resumidos em um só item: a substituição da energia de queima de combustíveis fósseis por geração e transmissão de energia elétrica por outras fontes.

No item (5), a ampliação da geração distribuída já é permitida e feita nos dias atuais, mas como geralmente a energia é gerada por meios convencionais ou por fontes renováveis, como a instalação de células fotovoltaicas em casas, transferem-se custos altíssimos para o proprietário que instalará a sua autogeração.

Mas o mais preocupante de tudo são os detalhes que aparecem no núcleo da proposta, o item (3). Para que as propostas (2) e (4) se viabilizem, é necessário que a (3) funcione, ou seja, que haja um realinhamento da política de geração de energia.

2) Comentários sobre fontes alternativas de geração.

Nesse ponto é que está o nó da questão. Para se gerar energia, se pode, por exemplo, extrair das cascas de laranjas ou tangerinas combustíveis líquidos. Isso é possível e foi feito na segunda guerra pelos alemães para suprir com um mínimo de combustível seus aviões, devido a total carência de outras fontes. Diga-se de passagem que após a guerra nunca mais se fez isso porque os custos econômicos e principalmente energéticos são altíssimos.

Ou seja, no momento em que se gera energia, tem-se que levar em conta o custo monetário e, principalmente, o custo energético que é necessário para a extração da mesma. Um exemplo mais recente é o biodiesel. Com as técnicas atuais de geração de biodiesel, a energia necessária para gerá-lo é praticamente a mesma que ele produz, ou seja, se troca seis por meia dúzia.

Curiosamente, na proposta de governo sobre energias alternativas se coloca uma pequena mentira e se omite uma grande verdade.

Primeiro, a grande mentira está na expressão “fontes renováveis modernas”, dando o aspecto que as fontes como as citadas, solar, eólicas, de biomassa, geotermal, das marés, dos biocombustíveis de segunda geração, são grandes novidades e podem surpreender tecnologicamente a todos. Pois bem, vamos colocar algumas datas do início da geração de cada um dos itens.

A energia solar é utilizada há mais de 200 anos em caldeiras e coletores parabólicos para a geração direta de calor. O efeito fotovoltaico é mais recente. Foi descoberto em 1839 por Edmond Becquerel e já tem 60 anos de utilização pública (1955 em Phoenix no Arizona). Com a necessidade de fornecer energia a satélites, pesquisas com alto grau de sofisticação e alto grau de tecnologia estão sendo feitas há mais de 50 anos, sem ainda gerarem coletores eficientes e de baixo custo. Há 
à vendano momento, coletores solares de baixo custo, devido a razões de superprodução encalhada desses coletores pelos chineses (a Europa deixou de investir em fotovoltaica e os chineses encalharam, com bilhões em fábricas e estoques).

A energia eólica, como todos sabem, já Dom Quixote lutava contra moinhos de vento, e ela se encontra já tocando no limiar de eficiência teórica dessas máquinas. Sabendo que o vento é aleatório e que poucas regiões (que já estão sendo aproveitadas) têm ventos fortes e constantes, essa energia já está sendo utilizada baseada em FORTES SUBSÍDIOS ESTATAIS. No momento em que se passar para uma escala maior de utilização, os subsídios ainda terão que ser mais fortes, pois as regiões melhores já estarão sendo utilizadas e não há possibilidade de aumento na eficiência do sistema de geração. Outro problema da energia eólica é a falta de estabilidade na geração que ela leva ao sistema de distribuição. Na Alemanha, onde o sistema de distribuição é bem mais robusto e concentrado que o nosso, essa instabilidade está gerando grandes problemas.

Biomassa, já temos claro o problema. Se expandirmos mais a produção de álcool de cana de açúcar, diminuiremos a produção de alimentos ou teremos que ocupar novas áreas de produção! A geração de energia por biomassa já é conhecida há bastante tempo.

Quanto à geração de energia por marés, coisa que apesar de já ter sido, em 1966, inaugurada a primeira usina marémotriz do mundo em La Rance, na França, ela tem uma necessidade indispensável: a existência de marés com fortes desníveis, que são extremamente raras nas costas brasileiras. Poderíamos, no Maranhão e noutros lugares do norte do Brasil, a custa de eliminação de mangues, produzirmos uma energia ínfima que não compensaria a destruição do meio ambiente causada pela mudança dos períodos de enchimento e esvaziamento dos estuários e baías, ou seja, o estrago ambiental seria enorme em relação a uma energia mínima.

Bicombustíveis de segunda geração ainda estão em pesquisa, não se sabendo ainda o que dará em relação ao custo econômico e energético para sua implantação comercial. Ou seja, talvez num futuro não muito distante, uns cinco a dez anos, isso seja uma solução, mas não se pode contar com algo que está ainda em pesquisa para substituir a matriz energética.

Quanto a uma das “fontes renováveis modernas” a energia geotermal, é uma verdadeira piada colocar isso num programa de governo; e pior, não foi ocasional, pois já verifiquei isso! Primeiro, que ela não é “moderna”. Em 1911, começaram os primeiros projetos experimentais na Itália e em 1913 era gerada numa instalação comercial 250 kW no mesmo país. Mas sempre com um detalhe: é necessária uma região com VULCÕES para que gere esse tipo de energia. Há também a possibilidade, em regiões em que a crosta terrestre seja mais fina, de fazer grandes perfurações com sondas iguais às de petróleo para atingir regiões onde a Terra está suficientemente quente; mas isso só é possível quando se tiver uma geologia extremamente conveniente, e, além disso, injetando-se água nessas perfurações podem-se obter gases extremamente tóxicos na saída do vapor.

Para complementar o assunto fontes renováveis, A GRANDE VERDADE OMITIDA NO PLANO DE GOVERNO [de Marina] sobre energias renováveis é que é DELIBERADAMENTE ESCONDIDA a única grande fonte de energia renovável abundante e barata que existe no Brasil, a HIDROELETRICIDADE.

São dois motivos que levam a não citação dessa fonte de energia: um, que é comprovadamente falso: a emissão líquida de gases de efeito estufa em reservatórios em países de clima tropical e semitropical; e outro, que é resolvido por uma política correta de compensações: o desalojamento de populações ribeirinhas.

Em países frios, como a Noruega, a geração por hidroeletricidade é considerada ecologicamente correta, sendo destacado em todo o mundo que a geração de gases de efeito estufa é mínima e que essa energia é “limpa”.

A partir de poucas observações em barragens nos trópicos que criaram problemas ambientais (Petit Salut na Guiana e Balbina no Brasil), extrapolaram-se os dados dessas para todos os futuros aproveitamentos. Além disso, os balanços entre a liberação de CO2 foram feitos de forma incorreta, não levando em conta uma série de fatores que não cabe aqui detalhar. 


Para dar subsídios corretos ao assunto, foi realizada extensa e cara pesquisa que envolveu 108 pesquisadores de cerca de 15 instituições, foram feitas 44 campanhas de campo entre 2011 e 2012, em 11 aproveitamentos hidroelétricos no Brasil, oito em operação (UHEs Balbina, Itaipu, Tucuruí, Serra da Mesa, Xingó, Três Marias, Funil e Segredo) e três em construção (UHEs Santo Antônio, Belo Monte e Batalha). A conclusão dessa pesquisa mostra QUANTITATIVAMENTE que barragens não são fontes fortes de emissão de gases de efeito estufa.

Como conclusão desse trabalho, chegou-se à conclusão que, à exceção de Balbina (que era considerada por muitos o modelo de emissão - 1.71959gCO2e/kWh) a emissão de gases por kWh gerado foi: 


---para as usinas de Segredo, Funil, Itaipu, Xingó, foi de 4,59gCO2e/kWh, -1,32gCO2e/kWh e -0,5gCO2e/kWh respectivamente (as últimas duas absorvem CO2). 
---As Usinas de Três Marias, Serra da Mesa e Tucuruí apresentaram valores mais altos 50gCO2e/kWh, 32gCO2e/kWh e 48,7gCO2e/kWh gerado, que apesar de serem mais altos ainda são abaixo de qualquer geração com energia fóssil (gás ~400gCO2e/kWh ou óleo). 

Esses valores são equivalente ou menores do que barragens em clima frio, como a canadense Eastmain 47,9gCO2e/kWh. Participaram desse estudo 108 pesquisadores da CEPEL e COPPE/UFRJ, INPE, UFJF, UFPA, UFPR e IIEGA.

3) Conclusão:

Em resumo, EXATAMENTE onde o PROGRAMA DE GOVERNO de MARINA deveria ser o mais consistente é exatamente onde apresenta MAIORES CONTRADIÇÕES.

As propostas de Marina para energia escondem, mais por motivos políticos do que por princípios ambientais, a omissão daquilo que levaria o Brasil a ser um dos países do mundo com geração de energia LIMPA [a geração hidroelétrica]. A luta contra a retirada indiscriminada e sem compensações aos moradores ribeirinhos de rios em que os lagos das barragens ocupariam é uma luta justa, mas que passa pelo pagamento de indenizações e políticas públicas de melhora das condições de vida dessas pessoas. Porém, para a esse ponto há necessidade de capacidade de negociação e enfrentar o desgaste que essa posição produz."

FONTE: escrito por Rogério Maestri, engenheiro, Mestre em Recursos Hídricos e especialista em Mecânica da Turbulência. Publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/fora-pauta/o-primarismo-da-proposta-energetica-de-governo-de-marina).

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