Transporte público: os desafios de Dilma e o embuste dos opositores
"Entre as muitas “mistificações” desta eleição, estão os argumentos oposicionistas – tanto de Marina Silva, quanto de Aécio Neves – de que o Governo Dilma Rousseff falhou, e, por falhar, foi alvo de severo descontentamento popular que deflagrou em movimentos de reivindicação nas ruas de todo o país, durante os meses de junho/julho de 2013.
Por Rodrigo Cocco, doutorando pela UFSC
Na tabula rasa [folha de papel em branco], os oposicionistas apregoam que farão a melhoria dos transportes, o que é paradoxal, se considerarmos que ambos defendem agendas liberais.
"Entre as muitas “mistificações” desta eleição, estão os argumentos oposicionistas – tanto de Marina Silva, quanto de Aécio Neves – de que o Governo Dilma Rousseff falhou, e, por falhar, foi alvo de severo descontentamento popular que deflagrou em movimentos de reivindicação nas ruas de todo o país, durante os meses de junho/julho de 2013.
Por Rodrigo Cocco, doutorando pela UFSC
Na tabula rasa [folha de papel em branco], os oposicionistas apregoam que farão a melhoria dos transportes, o que é paradoxal, se considerarmos que ambos defendem agendas liberais.
A ponta de lança desses movimentos (encabeçados pelo MPL) foram as projeções de aumento das tarifas de transporte público. Outro argumento – que se articula à questão – endossado pela grande mídia neoliberal, questionara as obras da Copa do Mundo de 2014, destacando os atrasos e ineficácias nas obras de transporte e mobilidade urbana, as quais ficariam como legado à população.
Na tabula rasa, os oposicionistas apregoam que farão, pela simples “vontade política”, todos os investimentos necessários à melhoria dos transportes e à mobilidade, o que é bastante paradoxal, se considerarmos que ambos defendem agendas liberais e que vão ao sentido contrário do desenvolvimento, como a defesa da independência do Banco Central, a despriorização da exploração da camada Pré-Sal etc.
Ora, como podem esses senhores se comprometerem com o investimento em infraestruturas e serviços sociais (saúde, educação e mobilidade urbana) se sua agenda sabota as políticas nacionais de desenvolvimento? Acaso há um descolamento de uma e outra? A experiência internacional nos mostra uma realidade diametralmente oposta: a de que é improvável que se desenvolvam e se mantenham sistemas de transporte coletivo de alta eficácia e acesso ao usuário sem uma contínua política de subsídios públicos.
Esse fato vincula diretamente a qualidade dos transportes públicos ao esforço de desenvolvimento nacional. Por exemplo, o emblemático sistema de transporte coletivo de Barcelona – que articula ônibus de piso baixo em corredores exclusivos, metrô, bondes (modernos e acessíveis) e trens de superfície – só pôde ser aperfeiçoado pelo aumento da presença do Estado em diferentes escalas: nacional, regional e municipal de forma conjunta e progressiva.
Lembremo-nos, que um cenário semelhante ao qual se vê hoje no Brasil (endividamento das empresas de transporte, aumento dos custos operacionais etc.) foi vivenciado por Barcelona nos anos de 1950 e em 1997. Primeiramente, nos anos de 1950 com a crise da iniciativa privada de transportes coletivos, se seguiu um considerável percentual de estatização do sistema, criando a TMB (Transports Metropolitans de Barcelona), que opera metrô e parte do sistema de ônibus.
Posteriormente, nos anos 1990, deflagra-se a crise geral de endividamento das empresas públicas e privadas (devido ao fato de que operavam com igual padrão de eficácia, espaços deficitários do ponto de vista contábil), culminando na criação da "Autoridade dos Transportes Metropolitanos" em 1997 (ATM), instituição pública cujo objetivo é também alocar os subsídios tripartites, os quais chegam a arcar com 55% dos custos operacionais do sistema, sendo os outros 45%, garantidos pela captação tarifária.
Ressalte-se aqui a ação do governo espanhol foi fundamental, pois a participação com subvenções por parte deste estaria condicionada à criação de um órgão estatal de gestão, planejamento e alocação de recursos com transparência, controle dos capitais privados e divulgação pública periódica da contabilidade do sistema. Destarte, ainda que a "Generalitat de Catalunha" (governo regional) cubra 62% dos subsídios, o município de Barcelona arca com 15% e o Estado espanhol com 23%.
Para efeito de comparação com o Brasil, em Florianópolis são direcionados recursos públicos (unicamente municipais) que arcam com apenas 8% dos custos gerais do sistema de transporte coletivo. Ademais, no tocante ao peso do transporte na renda das pessoas, na Região Metropolitana de Barcelona, nota-se que 4,5% da renda média da população é destinada a despesas de deslocamento (dados da ATM).
Segundo o IPEA, em cidades brasileiras, as famílias comprometem em média, 2,58% de sua renda com transporte coletivo, sendo 88% desse valor para o ônibus. Onde o transporte coletivo é pior (franjas urbanas), os gastos com transporte sobem para 11%, pois trata-se de compra e manutenção de automóveis.
Portanto, outro ponto a destacar aqui é: o acesso ao transporte é também uma repercussão da distribuição de renda, da valorização salarial, e não pode ser solucionada a partir de experiências já superadas como a tarifação zero e o passe livre, pois acima de tudo, o transporte coletivo deve ser competitivo frente ao crescimento da frota de automóveis individuais privados.
E por que trazemos o exemplo europeu? Que tem a ver conosco? Ora, o fato contundente é que a Europa (no caso, Barcelona) só pôde obter esses resultados graças ao momento histórico de desenvolvimento econômico (possibilitando investimentos e distribuindo renda) e a intervenção do governo de Madrid na criação de uma instituição representativa dos interesses públicos (a ATM), capaz de alocar e aplicar esses recursos adequadamente. Veja-se que em toda a década de 1990 a Europa ocidental foi beneficiada em função dos gastos públicos alemães na Alemanha Oriental, que em parte, puxou outros países, segundo Vicenç Navarro.
Finalmente, deve-se ressaltar que parte significativa dos novos serviços e infraestruturas de transporte da Área Metropolitana de Barcelona foram iniciados para atender às demandas das Olimpíadas de 1992, isto é, os Jogos Olímpicos de Barcelona foram um evento catalisador de algumas iniciativas importantes, “destravando” alguns projetos de utilidade pública. Essas iniciativas, embora foram principiadas, não foram terminadas para os jogos olímpicos (a expansão do metrô foi apenas iniciada durante os jogos) e tampouco se trata aqui de iniciativas de grande complexidade técnica, de investimentos massivos etc.
O que foi feito foi uma combinação de estratégias que visaram a evitar o estrangulamento do sistema de modo mais imediato, tais como abertura de uma rede de corredores exclusivos para ônibus (o “apelo” das olimpíadas abriu caminho diante da mídia e da opinião publica, muitas vezes contrárias aos corredores, tal como ocorre no Brasil); ampliação da quantidade de terminais automatizados para compra de bilhetes de transporte (evitando filas) e; criação de novos tipos de bilhete, como o T-10 (dez viagens integradas em um único bilhete), T-50 etc., diminuindo as filas nos terminais. Essas experiências – muitas das quais foram pensadas para serem provisórias, para atender ao aumento dos usuários durante os jogos olímpicos – se mantiveram, graças à aprovação popular.
Assim, devemos estar atentos e desmistificar alguns episódios, que de modo oportunista, têm sido utilizados pelos candidatos da oposição contra o governo, e que, na verdade, jogam uma cortina de fumaça que encobre os problemas reais do setor: ineficácia do sistema baseado univocamente no ônibus, ausência de subsídios públicos significativos e, sobretudo, a inexistência ou fragilidade dos atores públicos envolvidos (empresas públicas de transporte, instituições de planejamento de transporte etc.).
Esses fatos impõem, a um próximo mandato petista, um olhar mais atento sobre o problema, com maior participação do Governo Federal em duas frentes: garantir um cenário de desenvolvimento nacional e estimular a criação de autarquias e órgãos de gestão e planejamento da mobilidade nos municípios e regiões metropolitanas, com o objetivo de canalizar recursos ao setor. Quanto à oposição, o eleitorado deve vigiar, pois Aécio e Marina representam justamente uma ameaça aos avanços conseguidos até aqui".
FONTE: escrito por Rodrigo Cocco, doutorando, bolsista CAPES/DS pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI). Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/249190-1).
Na tabula rasa, os oposicionistas apregoam que farão, pela simples “vontade política”, todos os investimentos necessários à melhoria dos transportes e à mobilidade, o que é bastante paradoxal, se considerarmos que ambos defendem agendas liberais e que vão ao sentido contrário do desenvolvimento, como a defesa da independência do Banco Central, a despriorização da exploração da camada Pré-Sal etc.
Ora, como podem esses senhores se comprometerem com o investimento em infraestruturas e serviços sociais (saúde, educação e mobilidade urbana) se sua agenda sabota as políticas nacionais de desenvolvimento? Acaso há um descolamento de uma e outra? A experiência internacional nos mostra uma realidade diametralmente oposta: a de que é improvável que se desenvolvam e se mantenham sistemas de transporte coletivo de alta eficácia e acesso ao usuário sem uma contínua política de subsídios públicos.
Esse fato vincula diretamente a qualidade dos transportes públicos ao esforço de desenvolvimento nacional. Por exemplo, o emblemático sistema de transporte coletivo de Barcelona – que articula ônibus de piso baixo em corredores exclusivos, metrô, bondes (modernos e acessíveis) e trens de superfície – só pôde ser aperfeiçoado pelo aumento da presença do Estado em diferentes escalas: nacional, regional e municipal de forma conjunta e progressiva.
Lembremo-nos, que um cenário semelhante ao qual se vê hoje no Brasil (endividamento das empresas de transporte, aumento dos custos operacionais etc.) foi vivenciado por Barcelona nos anos de 1950 e em 1997. Primeiramente, nos anos de 1950 com a crise da iniciativa privada de transportes coletivos, se seguiu um considerável percentual de estatização do sistema, criando a TMB (Transports Metropolitans de Barcelona), que opera metrô e parte do sistema de ônibus.
Posteriormente, nos anos 1990, deflagra-se a crise geral de endividamento das empresas públicas e privadas (devido ao fato de que operavam com igual padrão de eficácia, espaços deficitários do ponto de vista contábil), culminando na criação da "Autoridade dos Transportes Metropolitanos" em 1997 (ATM), instituição pública cujo objetivo é também alocar os subsídios tripartites, os quais chegam a arcar com 55% dos custos operacionais do sistema, sendo os outros 45%, garantidos pela captação tarifária.
Ressalte-se aqui a ação do governo espanhol foi fundamental, pois a participação com subvenções por parte deste estaria condicionada à criação de um órgão estatal de gestão, planejamento e alocação de recursos com transparência, controle dos capitais privados e divulgação pública periódica da contabilidade do sistema. Destarte, ainda que a "Generalitat de Catalunha" (governo regional) cubra 62% dos subsídios, o município de Barcelona arca com 15% e o Estado espanhol com 23%.
Para efeito de comparação com o Brasil, em Florianópolis são direcionados recursos públicos (unicamente municipais) que arcam com apenas 8% dos custos gerais do sistema de transporte coletivo. Ademais, no tocante ao peso do transporte na renda das pessoas, na Região Metropolitana de Barcelona, nota-se que 4,5% da renda média da população é destinada a despesas de deslocamento (dados da ATM).
Segundo o IPEA, em cidades brasileiras, as famílias comprometem em média, 2,58% de sua renda com transporte coletivo, sendo 88% desse valor para o ônibus. Onde o transporte coletivo é pior (franjas urbanas), os gastos com transporte sobem para 11%, pois trata-se de compra e manutenção de automóveis.
Portanto, outro ponto a destacar aqui é: o acesso ao transporte é também uma repercussão da distribuição de renda, da valorização salarial, e não pode ser solucionada a partir de experiências já superadas como a tarifação zero e o passe livre, pois acima de tudo, o transporte coletivo deve ser competitivo frente ao crescimento da frota de automóveis individuais privados.
E por que trazemos o exemplo europeu? Que tem a ver conosco? Ora, o fato contundente é que a Europa (no caso, Barcelona) só pôde obter esses resultados graças ao momento histórico de desenvolvimento econômico (possibilitando investimentos e distribuindo renda) e a intervenção do governo de Madrid na criação de uma instituição representativa dos interesses públicos (a ATM), capaz de alocar e aplicar esses recursos adequadamente. Veja-se que em toda a década de 1990 a Europa ocidental foi beneficiada em função dos gastos públicos alemães na Alemanha Oriental, que em parte, puxou outros países, segundo Vicenç Navarro.
Finalmente, deve-se ressaltar que parte significativa dos novos serviços e infraestruturas de transporte da Área Metropolitana de Barcelona foram iniciados para atender às demandas das Olimpíadas de 1992, isto é, os Jogos Olímpicos de Barcelona foram um evento catalisador de algumas iniciativas importantes, “destravando” alguns projetos de utilidade pública. Essas iniciativas, embora foram principiadas, não foram terminadas para os jogos olímpicos (a expansão do metrô foi apenas iniciada durante os jogos) e tampouco se trata aqui de iniciativas de grande complexidade técnica, de investimentos massivos etc.
O que foi feito foi uma combinação de estratégias que visaram a evitar o estrangulamento do sistema de modo mais imediato, tais como abertura de uma rede de corredores exclusivos para ônibus (o “apelo” das olimpíadas abriu caminho diante da mídia e da opinião publica, muitas vezes contrárias aos corredores, tal como ocorre no Brasil); ampliação da quantidade de terminais automatizados para compra de bilhetes de transporte (evitando filas) e; criação de novos tipos de bilhete, como o T-10 (dez viagens integradas em um único bilhete), T-50 etc., diminuindo as filas nos terminais. Essas experiências – muitas das quais foram pensadas para serem provisórias, para atender ao aumento dos usuários durante os jogos olímpicos – se mantiveram, graças à aprovação popular.
Assim, devemos estar atentos e desmistificar alguns episódios, que de modo oportunista, têm sido utilizados pelos candidatos da oposição contra o governo, e que, na verdade, jogam uma cortina de fumaça que encobre os problemas reais do setor: ineficácia do sistema baseado univocamente no ônibus, ausência de subsídios públicos significativos e, sobretudo, a inexistência ou fragilidade dos atores públicos envolvidos (empresas públicas de transporte, instituições de planejamento de transporte etc.).
Esses fatos impõem, a um próximo mandato petista, um olhar mais atento sobre o problema, com maior participação do Governo Federal em duas frentes: garantir um cenário de desenvolvimento nacional e estimular a criação de autarquias e órgãos de gestão e planejamento da mobilidade nos municípios e regiões metropolitanas, com o objetivo de canalizar recursos ao setor. Quanto à oposição, o eleitorado deve vigiar, pois Aécio e Marina representam justamente uma ameaça aos avanços conseguidos até aqui".
FONTE: escrito por Rodrigo Cocco, doutorando, bolsista CAPES/DS pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infraestruturas (GEDRI). Transcrito no portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/249190-1).
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