Ainda sobre o fim da CPMF, achei interessante o artigo abaixo, publicado hoje, 12/01/2008, no jornal Folha de São Paulo:
"TENDÊNCIAS/DEBATES
Com o episódio da CPMF, a oposição ao governo Lula encontrou um caminho?
NÃO
Tomar o dinheiro de Lula, FÁBIO WANDERLEY REIS
RESPONDER "não" à pergunta da Folha envolve presumir que a idéia do rumo expresso na atuação recente da oposição seja vista com alguma seriedade ou em termos mais ambiciosos.
Pois é claro que essa atuação tem "dado certo" em determinado sentido: impôs-se a derrota do governo no caso da CPMF e, com a difícil situação orçamentária que resulta, torna-se possível continuar a fustigá-lo, sobretudo dada a precariedade de sua sustentação no Congresso Nacional. Mas os limites do caminho trilhado pela oposição são também claros.
Talvez se possa deixar de lado o Democratas. O próprio fato de ter acabado tendo de carregar esse nome desajeitado é um arremate irônico da camaleônica trajetória desde a condição de partido da ditadura militar, ponto de origem do governismo e do clientelismo de sempre que de repente perdem o pé. Pagando o preço da imagem negativa junto às parcelas majoritárias do eleitorado urbano e há muito sem perspectiva de uma candidatura presidencial que pudesse pretender viabilidade, é natural que esteja disposto a fazer barulho e jogar duro, quem sabe atear fogo ao circo, na expectativa de cavar espaço.
Do ponto de vista do PSDB, porém, o quadro atual faz surgir problemas novos, que se juntam a outros menos novos e os complicam.
Não obstante o ânimo hostil que as circunstâncias da luta com o PT pela hegemonia política nacional ocasionalmente produziram, em especial em São Paulo, a auto-imagem social-democrática do partido não pode senão aproximá-lo de posições que Lula na Presidência terminou adotando com êxito, por gosto ou à força, e não é claro até onde, eleitoralmente, convém levar a briga.
As derrotas nas duas últimas eleições presidenciais, e sobretudo as condições da derrota de 2006, com a frouxidão abjurante da campanha de Alckmin, combinadas com a cisão latente engendrada por duas novas candidaturas presidenciais potencialmente fortes com os governadores José Serra e Aécio Neves, trouxeram ao PSDB sua dose da recente crise geral dos partidos. Ora, a guerra em torno da CPMF e os desdobramentos parecem intensificá-la, em seu caso, por mais de um aspecto.
Para começar, há um problema de consistência (ainda que obviamente caiba apontá-lo, às avessas, também no PT) em que o partido batalhe com exacerbada agressividade contra um tributo que ele próprio, no poder, criou, eternizou e desvirtuou.
Além disso, como tem sido observado, o radicalismo com que o PSDB foi levado, no episódio da CPMF, a comprometer a imagem de paladino da saúde, conquistada sobretudo com Serra no ministério correspondente, dificilmente poderia ser avaliado como compensado, do ponto de vista eleitoral, pelo fato de que supostamente se trata de mitigar o peso da carga tributária -tema muito menos visível, por boas ou más razões, junto ao eleitorado popular.
Há mais, porém.
A cisão latente entre Serra e Aécio compôs-se com o novo foco de tensão entre os governadores, de um lado, em particular os candidatos potenciais à Presidência, e a bancada de senadores, de outro.
Passemos também por alto, aqui, o papel desempenhado no episódio pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: ele vem sendo pessoalmente, há mais tempo, indício e fonte das dificuldades do PSDB, por uma parte representando liderança de clara importância, por outra tendendo a ser posto de lado em razão da impopularidade com que concluiu seu governo, donde resultam formas de atuação (em que suas posições são como que gritadas "de fora") de motivação com freqüência pouco clara e conseqüências provavelmente negativas, ao cabo, para o partido como tal.
Mas há Arthur Virgílio. Não será com as feições marcadas pela truculência palavrosa e pobre de votos do líder da promessa de surra no presidente, do blefe da ameaça da CPI do Caixa Dois (depois do esquecido convite de 2000 a que "não sejamos hipócritas, todo mundo burla a lei"), dos insultos no plenário do Senado Federal a Pedro Simon e das alusões ofensivas aos próprios presidenciáveis do partido que as perspectivas do PSDB se tornarão mais brilhantes em qualquer plano.
Era melhor ter deixado ao DEM a luta no STF para que Lula fique sem dinheiro.
FÁBIO WANDERLEY REIS, 70, cientista político, doutor pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)."
sábado, 12 de janeiro de 2008
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