segunda-feira, 20 de outubro de 2008

CACHAÇA NÃO É ÁGUA NÃO

O site “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes, sábado postou o seguinte interessante artigo, de Lecticia Cavalcanti:

“Os primeiros registros históricos do que se poderia considerar cachaça remontam ao Egito antigo, onde havia o costume de inalar vapores de líquidos fermentados diretamente no bico da chaleira. Não por prazer, mas para curar moléstias. Mais tarde, gregos conseguiram produzir uma água que pegava fogo - em Roma, conhecida como ácqua ardens. A novidade logo foi exportada para Oriente Médio e resto da Europa. Na França, passou a ser conhecida como eau de vie (água da vida).

Mas a técnica da destilação veio só depois, por mãos árabes. Os índios brasileiros não a conheciam. Até que vieram os engenhos, no início, ainda primitivos. A espuma da primeira fervura do suco da cana, por não ter serventia, era então colocada em cochos, ao relento, para alimentação dos animais. Esse mosto fermentava com facilidade; e, meio por acaso, os escravos começaram a apreciar suas qualidades. Por lembrar, nos efeitos, bebidas fermentadas da terra distante: o Emú (do dendê) e o Malafo (obtido de diversas outras palmeiras).

Nascia, assim, aquela bebida estranha a que chamavam "aguardente da terra" - para diferenciar da "aguardente do reino" (a bagaceira), produzida em Portugal. E começavam a desaparecer as rudimentares garapas fermentadas dos índios. Sem contar que essa nova bebida tinha vantagens suplementares evidentes: ajudava a suportar o frio, dava disposição para o trabalho duro no canavial e servia como remédio para quase tudo - picada de cobra, reumatismo, sífilis e saudade.

Com o tempo deixou, entre nós, de ser privilégio apenas dos escravos. E passou a freqüentar, também, as mesas dos senhores de engenho - pura ou como matéria-prima de licores. Aos poucos foi se aprimorando. Já não era feita do caldo da cana, mas das borras do seu mel (melaço). O processo rudimentar de fermentação acabou substituído pela destilação em alambiques, primeiro de barro, depois de cobre - em técnica já conhecida na destilação do mosto fermentado de uva, usada para a produção da bagaceira.

A seguir vieram as primeiras destilarias - "casas de cozer méis" assim se dizia. Estava pronta a cachaça, como a conhecemos hoje. E tinha início a decadência da bebida oficial que o colonizador português trouxe do além mar.

Mais que bebida, aquela cachaça carregava em seus barris a marca do irredentismo brasileiro. Portugal tentou proibir, primeiro seu consumo; depois, sua própria fabricação, porque essa concorrência diminuía o uso da bagaceira e os tributos daí decorrentes.

Em vão. Nessa briga tendo os nativistas apoio inclusive dos comerciantes que usavam cachaça (e também fumo) como moeda na compra e venda de escravos. Acabou elevada à condição de símbolo de resistência à dominação portuguesa. Bebida dos patriotas. Brindar com vinho, ou outra bebida importada, significava alinhar-se ao colonizador.

Até que, em 1755, um terremoto arrasou Lisboa. E arrasou, também, os cofres da realeza. Ano seguinte, passaram os portugueses a aceitar oficialmente esse consumo de cachaça, no Brasil - em troca dos tributos daí decorrentes, claro. Chegando mesmo a adotá-la em festas religiosas, com o nome de quentão. A Corte, quem diria, acabou se curvando à nossa cachaça”.

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