quarta-feira, 15 de outubro de 2008

LULA: "ACABOU-SE O TEMPO EM QUE DEPENDÍAMOS DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL"

O portal UOL postou ontem o artigo de Fernando Gualdoni, escrito em Madri para o jornal espanhol El Pais. Li a tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves:

“Lula da Silva (nascido em Caetés, Brasil, em 1945) está convencido de que a crise financeira mundial dará lugar a profundas mudanças no mundo. "Acabou-se isso de que o mercado pode tudo (...) Acabaram-se os tempos em que as economias emergentes dependíamos do Fundo Monetário Internacional (FMI) ... Acabou uma América Latina sem voz própria", sentenciou na segunda-feira o presidente brasileiro. Ouvindo-o falar, vendo-o expressar-se, dá a impressão de que Lula se sente seguro. É um fato que tem 80% de popularidade na metade de seu segundo mandato e que seu país acumula um longo período de cifras macroeconômicas animadoras.

Pode-se dizer que a única coisa que azedou Lula recentemente foram as eleições municipais, em 5 de outubro passado, em que nenhum de seus candidatos conseguiu se impor nem no Rio de Janeiro nem em Belo Horizonte nem em São Paulo, as cidades mais importantes. A última delas é a que mais dói, porque os paulistas disseram "não" duas vezes a sua candidata, Marta Suplicy. Ela é uma das favoritas do presidente e este está empenhado em que ela consiga a prefeitura. Dá a impressão de que sem a figura de Lula o Partido dos Trabalhadores (PT) ainda é incapaz de andar sozinho.

Apesar desse obstáculo doméstico, no encontro de segunda-feira com quatro jornalistas em Madri, Lula lançou a idéia de que o Brasil pouco a pouco está se transformando em uma potência emergente regional e global. Basta ver trabalhar a equipe de diplomatas e assessores que o acompanham para ter a idéia de que Brasília pensa grande.

Além de marcar o ritmo na América do Sul, Lula pretende influir na marcha de todos. "Da Espanha vou para a Índia e vou falar com o primeiro-ministro (Manmohan) sobre a Rodada Doha, que está paralisada basicamente devido a um desacordo entre os EUA e a Índia em agricultura. Vou lhe dizer que não haverá gesto mais positivo para começar a superar a crise financeira do que concluir a Rodada Doha". Lula está convencido de que uma maior abertura do comércio mundial é um bom antídoto contra a crise. "A Rodada Doha não é um problema econômico, é político", afirmou.

Para Lula, a crise financeira também é uma questão política e exige uma solução por parte dos dirigentes de Estado. "A crise não é mais um problema só dos bancos, é dos poupadores. E quando é dos credores já é uma questão de Estado. O tesouro público de cada país deve garantir a liquidez para manter o acesso ao crédito e é necessário garantir a poupança das pessoas", disse o presidente.

Lula quer uma nova regulamentação do mercado financeiro mundial. "Todo ser humano está submetido às regras ou de seus países ou de instituições multilaterais, mas os bancos não. Em Basiléia (referindo-se ao Banco Internacional de Pagamentos, a central de compensação) se decidiu que um banco não podia endividar-se mais de dez vezes seu patrimônio.

Nos EUA não existia esse limite. Enquanto no Brasil esse limite não superava as dez vezes, nos EUA chegava a 35. A chamada economia dos papéis estava submetendo a economia produtiva. E isso tem que acabar", acrescentou.

Segundo Lula, o Brasil está preparado para enfrentar a crise. "Alguns pensam que sou muito otimista", diz, "mas nenhum de nossos projetos de infra-estrutura foi cancelado devido à crise.

Há alguns dias a Petrobras me apresentou um projeto de investimentos no valor de US$ 112 bilhões até 2012. O orçamento está feito com base em um barril a US$ 35. Logo seremos um dos grandes produtores de petróleo do mundo", conta Lula. O Brasil também tem planos para construir uma forte indústria de derivados de petróleo e petroquímica. O presidente contou que serão construídas quatro novas refinarias. A última levantada no Brasil data de 1980.

Para proteger toda essa nova indústria petroleira, especialmente o que será produzido em plataformas marítimas - "algumas estão 300 quilômetros mar adentro", esclarece Lula -, o Brasil tem previsão de dar um verdadeiro impulso em sua indústria naval, recuperá-la de seu esquecimento depois de quase 40 anos.

"Nos anos 70 éramos o segundo fabricante naval do mundo, atrás só do Japão, e 36 mil pessoas trabalhavam nesse setor. Em 2003 eram só 1.900 e hoje há 40 mil trabalhadores. Plataformas petroleiras submarinas, que custam US$ 2 bilhões e que antes encomendávamos à Noruega, hoje fazemos no Brasil", explica.

Brasília não só planeja construir barcos petroleiros mas também militares. Graças a um acordo com a França, o gigante sul-americano terá seu primeiro submarino atômico. Em 3 de novembro próximo o governo apresentará sua nova estratégia de defesa. Em médio prazo, sabe-se que as forças armadas brasileiras contarão com quatro submarinos e helicópteros, entre outros equipamentos.

O aumento do gasto militar disparou o receio dos vizinhos do Brasil, que depois do rearmamento venezuelano com aviões, navios e blindados russos temem uma corrida armamentista na região. Lula diz que não existe essa corrida e justifica: "O Brasil precisa estar preparado para se proteger de quem quer que seja e tem 17 mil quilômetros de fronteira terrestre e 8 mil de costa a salvaguardar". Lembrou também que ele propôs um conselho de defesa sul-americano para lutar conjuntamente contra o narcotráfico, a venda ilegal de armas de proteger as fronteiras.

Conflitos militares talvez não, mas diplomáticos há vários no ar da região. O Brasil tem um com o Equador. Começou com a expulsão por parte de Quito da construtora Odebrecht por suposto descumprimento de contrato. Depois expulsou Furnas, uma grande auditora de obras, e a Petrobras está na corda bamba. Para Lula o confronto com o presidente Rafael Correa é um trago amargo. Seus chegados dizem que não o esperava e que não gostou nada. "Se a Odebrecht cometeu um erro, deve pagar. O que me parece delicado é que o problema com a empresa passe para um segundo plano e se subordine à política interna do país", diz Lula.

Em poucas palavras, o presidente avisa seus vizinhos, especialmente Equador, Bolívia e Venezuela, as esquerdas mais radicais da América do Sul, de que não utilizem os conflitos com empresas estrangeiras para dar rédea solta ao populismo”.

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