segunda-feira, 13 de outubro de 2008

OS PARADOXOS DA CRISE MUNDIAL

O blog de Luis Favre postou no fim de semana o seguinte artigo de Gilles Lapouge, correspondente em Paris do “O Estado de São Paulo”:

“O que fazem as bolsas no primeiro dia deste fim de semana? Despencam. Agora, de certo modo, elas sabem se arranjar. Enquanto esperamos que se acalmem, vejamos algumas coisas curiosas. A crise agiu como fabuloso “revelador”: dogmas incontestados caíram por terra, e são substituídos por outros dogmas, ontem considerados abomináveis. Mas por quanto tempo?

Há 15 dias, a Islândia era um paraíso econômico. Povo rico, país sério, bem administrado, segundo o modelo escandinavo. Pois bem, de todos os países da Europa foi o que caiu mais rapidamente. Naufrágio. O mais inquietante é que, para não soçobrar, teve de aceitar um empréstimo de 4 bilhões de Moscou. É o cúmulo! E se amanhã a Europa Central ou os Bálcãs fossem pedir esmola a Moscou? Seria o maior perigo político.

“Wall Street virou a Praça Vermelha. Nem mesmo os próprios russos ousariam estatizar a este ponto.” O homem que diz isso não é nem um “comediante” nem um provocador, nem um “esquerdista”. É o seriíssimo Jean-Claude Junker, presidente do Eurogrupo.

Nicolas Sarkozy, depois de eleito, tomou a bandeira dos “liberais”. Seu discurso era exaltado: livre iniciativa, desregulamentação, sabedoria do “mercado”, viva o dinheiro, viva o lucro, viva os bancos, viva a bolsa etc…Uma Margaret Thatcher reencarnada no presidente francês. Em 15 dias, outro Sarkozy tomou o lugar daquele.

E decretou: “Os banqueiros são uns bandidos. Abaixo os patrões delinqüentes, abaixo a vergonhosa corrida ao lucro, a imoralidade. Viva o Estado.”

A União Européia tem meio século. Superou questões que lhe foram legadas por 2 mil anos de história e furor. A certa altura, eclode a crise e o que vemos? Uma Europa dividida em antagonismos. Uma Inglaterra que vai por um caminho, uma Alemanha que vai por outro, uma França que toma um terceiro… Foi necessário meio século para criar a União Européia; bastaram oito dias de crise para gerar uma “Desunião Européia”.

O que se vislumbra é uma enorme mudança geopolítica: países que dividiam o mundo e os lucros, que reinavam sobre os outros, cambaleiam. EUA, a velha Europa e Japão estão se juntando aos “pobretões”.

Ao contrário, os países emergentes parecem, por enquanto, suportar o golpe e reagir com prudência e energia. É nesses países, até ontem mais ou menos menosprezados, que os especialistas colocam suas esperanças. “A fé mundial resiste nos países emergentes”, diz Christian de Boissieu, presidente do Conselho de Análise Econômica. “China, América Latina e Índia poderão aparar o choque da recessão americana.”

A pergunta foi feita a Jean-Pierre Petit, economista-chefe da Exane BNP Paribas: “A crise acelerará a migração do poder econômico e político do Ocidente para os países emergentes?” Petit respondeu sem hesitar: “Este processo já começou”.

Os países emergentes, com a China à frente, são os grandes vencedores desta década. Estamos assistindo a uma transferência do poder econômico, financeiro, político e mesmo tecnológico. Por cinco anos, o consumo nos EUA e na Europa foi inchado pela bolha imobiliária, que só favoreceu as aplicações financeiras, aprofundou as desigualdades entre as gerações, fabricou o endividamento das famílias, o déficit externo, ameaçando explodir o sistema financeiro internacional.

E prossegue: “As aquisições de ativos ocidentais por fundos soberanos ou pelas multinacionais de países emergentes se multiplicarão. Evidentemente, esses últimos reduzirão o ritmo de expansão, mas deverão resistir. Uma das grandes diferenças em relação à crise de 1929 é precisamente o peso dos emergentes na economia global.
Este é um motivo de esperança.”

No jornal Libération, Olivier Compagnon, da Universidade Paris VII, surpreende-se que a América Latina resista à crise: “Mais sólidas, as economias da América Latina aproveitam da alta das matérias-primas.”

E cita a presidente do Chile, Michelle Bachelet, que lança farpas cruéis e irônicas aos países “dominantes”. “Michelle Bachelet surpreendeu-se com o fato de que os países ricos e as instituições internacionais, que durante 25 anos ensinaram à América Latina as virtudes da “desestatização” e o “credo neoliberal”, agora possam descobrir bruscamente as virtudes da “regulamentação”.”

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