quinta-feira, 2 de outubro de 2008

STATUS DE SUPERPOTÊNCIA DOS EUA ESTÁ AMEAÇADO

O seguinte artigo produzido pela agência inglesa de notícias BBC foi postado ontem no UOL:

A crise econômica global deve abalar o status dos Estados Unidos como única superpotência da atualidade.

Do ponto de vista prático, os Estados Unidos estão militarmente no limite, com operações no Iraque e no Afeganistão - e, agora, estão também financeiramente no limite.

Do ponto de vista filosófico, vai ficar mais difícil para os americanos defenderem o livre mercado em um momento em que o seu próprio mercado entrou em colapso.

Alguns já vêem o atual momento como crucial.

O filósofo político John Gray, que recentemente se aposentou da prestigiada faculdade de ciências sociais London School of Economics, em Londres, deu seu ponto de vista em um artigo no jornal britânico The Observer: "Temos aqui uma histórica mudança geopolítica, na qual o balanço de poder do mundo está sendo alterado de forma irreversível".

"A era da liderança global americana, que vem desde a Segunda Guerra Mundial, está acabada... a crença americana no livre mercado se autodestruiu, enquanto outros países que mantiveram um controle geral dos mercados tiveram sua vingança." "Em uma mudança com implicações mais amplas do que a queda da União Soviética, um modelo inteiro de governo e de economia entrou em colapso." "Quão simbólica é a imagem de astronautas chineses fazendo uma caminhada no espaço enquanto o secretário do Tesouro dos Estados Unidos fica de joelhos", diz.

Não é o fim do mundo Nem todos concordam que o apocalipse americano chegou. Afinal de contas, o sistema passou por testes no passado.

Em 1987, o índice Dow Jones, da Bolsa de Valores de Nova York, caiu mais de 20% em um único dia. Em 2000, a bolha do "ponto com" estourou. Ainda assim, em ambos os casos, os Estados Unidos se recuperaram, como fizeram depois da Guerra do Vietnã.

Os comentários do professor Gray certamente não impressionaram uma dos mais ferrenhos neoconservadores a servirem no governo Bush, o ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU, John Bolton.

Quando apresentei a ele as declarações de Gray, ele perguntou se o professor Gray por acaso estava vendendo os ativos que possui nos Estados Unidos.

"Se estiver, onde ele está aplicando o dinheiro? E se ele não tem ativos nos Estados Unidos, por que devemos prestar atenção nele?" Não obstante, parece de fato que o conceito de uma superpotência sem concorrentes, que se tornou verdadeiro após o colapso do comunismo (e o suposto fim da história) não é mais válido.

Mundo multipolar Até mesmo os mais destacados pensadores neoconservadores reconhecem que um mundo mais multipolar está surgindo, mas um em que a posição americana será de liderança.

Robert Kagan, co-fundador em 1997 do Projeto para um Novo Século Americano, que pregava uma "liderança global americana", disse em um artigo na revista Foreign Affairs: "Aqueles que hoje proclamam que os Estados Unidos estão em decadência freqüentemente imaginam um passado em que o mundo dançava de acordo com a música americana, em posição de inferioridade. Isso é uma ilusão".

"O mundo hoje se parece mais com o do século 19 do que com o do final do século 20." "Aqueles que imaginam que isso é uma boa notícia devem se lembrar que a ordem mundial no século 19 não chegou ao fim tão bem quando a Guerra Fria." "Para evitar esse destino, os Estados Unidos e outras nações democráticas precisam ter uma visão mais iluminada e generosa de seus interesses do que eles tinham durante a Guerra Fria.

Os Estados Unidos, no papel da mais forte democracia, não devem se opor a um mundo de reduzida soberania, mas dar boas-vindas a ele." "Ao mesmo tempo, as democracias da Ásia e da Europa precisam redescobrir que o avanço rumo a essa ordem liberal mais perfeita depende não apenas da lei e da vontade popular, mas também do apoio e da defesa de nações poderosas." Novo ceticismo Robin Niblett, diretor de um dos principais centros de estudos britânicos, Chatham House, disse que um americano que defendeu a continuidade da liderança americana no mundo enfrentou ceticismo em uma conferência a que Niblett compareceu em Berlim.

"Os Estados Unidos são vistos como relativamente decadentes e tem havido um aumento enorme dessa percepção nestes dias finais do governo Bush", disse Niblett, que trabalhou dos dois lados do Atlântico. "A ascensão de novas potências, o aumento da riqueza oriunda do petróleo em alguns países e a disseminação do poder econômico pelo mundo reforçam isso." "Mas precisamos diferenciar o momento imediato de sua base.

Não há dúvida de que o presidente Bush criou alguns de seus próprios problemas. O uso até o limite do poder militar do país e a crise econômica podem ser atribuídos ao seu governo." "Seus cortes nos impostos não vieram acompanhados pela redução nos gastos. O efeito combinado de fatos como as derrotas no Iraque, as dificuldades no Afeganistão, o rechaço da Rússia à interferência americana quando os russos se envolveram na Geórgia e em outros lugares, tudo isso conduz à sensação de que trata-se do fim de uma era." Força empreendedora Niblett, entretanto, acredita que é preciso esperar um pouco antes de anunciar um veredicto, já que estruturalmente os Estados Unidos ainda têm força.

"Os Estados Unidos ainda são imensamente atraentes para imigrantes qualificados, e ainda é capaz de produzir uma Microsoft ou uma Google", continuou.

"Mesmo suas dívidas atuais podem ser revertidas. Eles têm uma enorme resiliência econômica, o que se vê na produção local e no surgimento de novos empreendimentos." "E há quem possa perguntar - os Estados Unidos estão em decadência em relação a quem?

A China está em uma corrida desesperada de crescimento para alimentar sua população e, com isso, evitar transtornos civis em 15 ou 20 anos. A Rússia não é exatamente inofensiva e está ampliando seus limites com uma nova estratégia assentada em uma base frágil. A Índia tem imensas contradições internas. A Europa tem, em geral, se mostrado incapaz de sair da estagnação com o dinamismo dos Estados Unidos."

"Mas os Estados Unidos precisam reencontrar seu caminho nas finanças e o quão bem conseguir fazer isso vai determinar como será sua capacidade militar. Se tiver menos dinheiro, terá menos tropas." Com a eleição presidencial americana se aproximando, valerá a pena voltar ao assunto dentro de um ano para verificar como o mundo, e o lugar dos Estados Unidos no mundo, vão estar".

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