terça-feira, 21 de outubro de 2008

A VOLTA DA POLÍTICA [E DO ESTADO FORTE]

Li ontem na Folha de São Paulo o seguinte texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC). É autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Para coordenar as sociedades do capitalismo é necessário um Estado cada vez mais capaz e mais democrático

“Em meio à crise financeira global, o presidente Lula, ao receber em Toledo o prêmio Dom Quixote, declarou que este é o momento da "volta da política e do Estado". Tem razão o presidente.

Depois de 30 anos de irracionalidade neoliberal ou ultraliberal, os homens voltam a se dar conta de que a política é a expressão da liberdade humana, e o Estado, a projeção racional dessa liberdade. Durante 30 anos, uma classe de profissionais das finanças aliou-se a acionistas capitalistas e à classe média conservadora e, empunhando a bandeira do Estado mínimo e da desregulação, alcançou a dominância ideológica sob a liderança de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido.

Inspirada por intelectuais neoliberais que desde os anos 1960 vinham reduzindo a política à lógica do mercado, a nova coalizão política declarou a "guerra do mercado contra o Estado". Enfraquecia assim o Estado, colocado em pé de igualdade com o mercado, e aproveitava essa brecha para enriquecer enquanto os salários dos trabalhadores permaneciam quase estagnados.

A guerra era irracional porque, em vez de se limitar a eventuais excessos de intervenção do Estado na economia, atacou o próprio Estado. Porque ignorava que o Estado é a instituição maior de cada sociedade - que é o resultado do esforço secular de construção política de um sistema constitucional - legal e de uma administração pública que o garanta. Ignorava que é através do Estado que os homens e as mulheres, no exercício da política, coordenam sua vida social, estabelecendo suas instituições normativas e organizacionais fundamentais, entre as quais a democracia e o mercado.

O mercado apenas se torna realmente significativo como instituição complementar na coordenação da sociedade com a emergência do capitalismo. Por isso, o capitalismo será chamado de economia de mercado. A coordenação econômica de uma sociedade caracterizada por uma crescente divisão do trabalho e, portanto, por uma enorme complexidade só é possível se o Estado contar com a colaboração do mercado nessa tarefa. Por outro lado, durante o transcorrer do século 20, as nações mais desenvolvidas construíram um Estado democrático social.

Foram todas essas verdades elementares que os jovens turcos da classe profissional financeira, quase todos treinados em escolas de economia neoclássicas, não compreenderam, ou não quiseram compreender, ao pretenderem substituir o Estado social e efetivamente regulador pelo mercado. Assim, contraditoriamente, buscavam voltar ao século 19, em que o Estado era mínimo, correspondendo a menos de 10% do PIB.

Ao agir assim, a coalizão reacionária por eles conduzida não compreendeu que esse objetivo era inviável em sociedades democráticas modernas. E -o que é mais grave- não compreendeu que, para coordenar as sociedades complexas de hoje - as sociedades do capitalismo do conhecimento -, não bastam mercados cada vez mais eficientes: torna-se necessário um Estado cada vez mais capaz e mais democrático.

Existe uma estreita relação entre o grau de desenvolvimento econômico e de complexidade de uma sociedade e a capacidade que seu Estado deve ter de coordená-la ou regulá-la. É fortalecendo o Estado, e não enfraquecendo-o, que realizamos os grandes objetivos políticos de liberdade, justiça e bem-estar. Ao não compreender essas verdades básicas, o neoliberalismo nos levou à atual crise. Será através da política e do Estado que a superaremos”

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