"Quanto maior foi o nível de endividamento a que chegou um país, mais grave foi para ele a atual crise global
O BRASIL já está saindo da recessão; a China e a Índia não chegaram a experimentar desempenho negativo, e sua recuperação mostra-se extraordinária. Enquanto isso, nos países ricos já existem alguns sinais de recuperação, mas são débeis, e as previsões são de que o desemprego continuará aumentando. Por que essa diferença?
Afinal, os países ricos sempre se apresentaram perante nós como exemplos. Sempre nos disseram o que deveríamos fazer para chegar a seu nível de desenvolvimento econômico. Por que, agora, estão sofrendo mais do que nós pela crise?
A principal razão está no fato de que eles acreditaram mais do que nós nos conselhos equivocados que seus economistas nos davam e também davam a eles de abrir e desregular os mercados financeiros. Os conselhos a nós dirigidos se corporificaram no chamado Consenso de Wa- shington, que provocou crises financeiras no México (1994), depois em quatro países asiáticos (1997), em seguida na Rússia e no Brasil (1998), na Turquia (2000) e, finalmente, na Argentina (2001). Quanto mais um país aceitava as reformas neoliberais e a macroeconomia da taxa de câmbio sobreapreciada e de alto endividamento das empresas e das famílias, mais grave era sua crise, como comprovam as crises causadas pelas políticas de Carlos Menem e de Boris Yeltsin.
Nos Estados Unidos também se tornaram frequentes as crises financeiras (1987, 1997, 2001), o que demonstra que esses conselhos não eram apenas para uso externo.
Isso ficou claro em relação à abertura e à desregulação financeira que foi empreendida pelo governo Ronald Reagan. Essa desregulamentação permitiu que nos países ricos o índice de endividamento ou de alavancagem das organizações do sistema financeiro, das empresas e das famílias fosse substancialmente maior do que nos países emergentes ou de renda média.
Utilizando uma lógica neoliberal, seus economistas advertiam com razão os países em desenvolvimento em relação ao deficit e ao endividamento público, que realmente é desastroso quando se torna crônico, mas, reproduzindo o pensamento ortodoxo ou neoclássico, asseguravam que o endividamento privado não era problema: que os dirigentes das organizações financeiras e das empresas e os chefes de família eram suficientemente competentes e os mercados suficientemente eficientes para que os elevados níveis de endividamento alcançados pelo setor privado fossem por definição aceitáveis; mais do que isso, fossem sinais de que o sistema financeiro era "sofisticado" ou "avançado".
Adotaram esse padrão duplo, estritamente ideológico, e, por incrível que hoje pareça, acreditaram nele! Por isso, seus índices de endividamento privado explodiram, enquanto que países como a China e a Índia mantinham os seus sob controle, porque jamais acreditaram em tal insanidade. No Brasil, seja porque muitos não acreditaram na teoria ortodoxa, seja porque nossos bancos foram mais cautelosos, seja porque as famílias não tiveram crédito ou tempo suficiente para que se endividassem, os índices de alavancagem privada ficaram sob controle. Embora outros fatores possam ser também determinantes quanto à gravidade da crise, em geral quanto maior tenha sido o nível de endividamento tanto público como privado a que chegou um país, mais grave foi para ele a atual crise global. Fica assim explicado por que os países asiáticos dinâmicos já retomaram o crescimento e a América Latina começa a sair da crise, enquanto os países ricos permanecem imersos nela."
FONTE: texto de LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC). É autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Publicado na Folha de São Paulo de hoje (14/09).
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