“O Brasil não é para principiantes”, dizia Tom Jobim aos estrangeiros que lhe pediam para explicar certas coisas de nosso país. E sorria. É um país difícil de entender.
Desde a semana passada, parece que Defesa Nacional virou assunto importante. O Senado Federal autorizou o empréstimo necessário a adquirir 4 submarinos convencionais e 50 helicópteros, além de concluir o projeto do submarino movido a propulsão nuclear. Ato contínuo, fala-se da compra dos caças destinados a reaparelhar a Força Aérea. Outra parte do dinheiro estava no orçamento da União, entregue ao Congresso na mesma semana.
Embora se tenha considerado a menção aos caças indício de preferência pela proposta francesa, o Governo diz não ter tomado a decisão sobre o Programa FX-2. Suécia e EUA ainda estão no páreo. Tudo depende de possíveis novas concessões e de como elas se enquadrariam na Estratégia Nacional de Defesa.
Sim, porque o país agora possui um documento público em que expressa, sem rodeios, seus objetivos para essa área nos próximos 30 anos. Não é um livro branco de Defesa, mas é “pra valer”. Aliás, o documento fala de várias parcerias, sinalizando o pragmatismo dos novos tempos. Fala também dessas compras.
Pena que a imprensa não lhe tenha dedicado atenção. Se o fizesse, não teria se surpreendido com os anúncios da semana. Desavisados, jornalistas referiram-se aos Ministérios da Marinha e da Aeronáutica, extintos com a criação do Ministério da Defesa, há mais de 10 anos. E muito tardiamente, cabe notar: mundo afora, isso se fez há mais de uma geração. Os grandes começaram a unificar suas Forças no calor da Segunda Guerra Mundial, quando restou evidente que a desarticulação de esforços em água, terra e ar se pagaria com vidas humanas. Felizmente, não tivemos esse problema. Mas isso explica, em parte, a burocratização da atividade militar no Brasil e seu histórico envolvimento em assuntos que não lhe cabem. Como toda agência burocrática, na falta de um claro sentido de direção, cada Força cuidou de si.
Faltava visão de conjunto. A tal ponto que o Brasil, em pleno Regime Militar, reduziu os gastos com armamentos. Um caso único, ainda mal explicado. O país não é para principiantes. O Regime queria legitimar-se, dizia-se. Mas ali começou o longo processo de sucateamento das Forças Armadas. Na transição para a democracia, nenhuma liderança tratou do assunto. Os militares calaram-se, como se só houvessem cometido erros. Os civis fugiram à responsabilidade de interpretar os desejos da sociedade no que concerne à sua segurança. Não definiram o que o Brasil queria de suas Forças Armadas e não se arriscaram a pautar as missões militares. Talvez não soubessem o que fazer com os militares. Havia outras prioridades. Trataram-se assuntos de Estado como se fossem opções de governos. Faltou visão de longo prazo para a área de defesa.
Certas coisas progridem lentamente no Brasil. Mas progridem. Agora, a visão existe. Enquadra gastos e prioriza programas, o que implicará ampliar as responsabilidades e o orçamento do Ministério da Defesa. É ver como esses assuntos surgirão na próxima campanha eleitoral. Que projeto de Força queremos? De quantos generais precisaremos daqui a 30 anos? E de quantos soldados? Para que missões específicas? O que queremos quando participamos de missões de paz?
Ainda falta muito. A própria tecnologia que se quer absorver com essas compras depende de massa crítica nos centros de pesquisa, nas universidades, nas empresas.
Não dá para ficar só nas universidades públicas e não basta combinar com a FIESP. Se a sociedade não se envolver profundamente, perderemos a oportunidade de absorver parte da tecnologia negociada com a França. A Estratégia vincula Defesa a desenvolvimento e centra o foco em produtos e serviços de uso dual. Mas as linhas de pesquisa na área de Defesa são escassas, os especialistas raros. É preciso financiar a produção de conhecimento na área, como se faz com petróleo e gás, como se faz com a Amazônia. É preciso abrir espaço aos empreendedores brasileiros, quiçá por meio do mercado mobiliário. Se cabe ao Governo induzir, caberá à sociedade responder a essa indução e tornar esses esforços sustentáveis.
E só agora o Congresso Nacional parece ter entendido que isso lhe diz respeito. Talvez porque os valores pareçam altos. Não são. Para se ter uma idéia, hoje o Brasil é o 12º país em gastos com defesa, respondendo por 1,6% dos gastos mundiais.
Uma das razões da parceria com a França é que ela gasta o triplo disso (4,5%), atrás de China (5,8%) e dos EUA (41,5%). Só que [no caso do Brasil] isso inclui o pessoal. Também [no caso do Brasil] os inativos: no nosso caso, respondem por mais da metade da folha de pagamentos. Outro caso único no mundo. E continuamos a recrutar nas mesmas proporções, a despeito dos aperfeiçoamentos tecnológicos. Como se exércitos numerosos implicassem êxito militar. Na ausência de guerra – Deus queira! –, esse pessoal vai se aposentar. As próximas gerações pagarão esta conta.
Como proporção do PIB, o Brasil gasta 1,5%, comparado com a média mundial de 2,4%. Os gastos brasileiros per capita são quase a metade da média mundial: US$ 120,00 contra US$ 217,00. Só perdem para China e Índia. (Os números referem-se a 2008, trabalhados pelo SIPRI.)
Ademais, os gastos se farão nos próximos 30 anos. E, a exemplo do que ocorre em outros países, produzirão riqueza. Há externalidades positivas. Não são apenas gastos; são investimentos. Só que é preciso vigiar sua execução, no marco estabelecido pela Estratégia Nacional de Defesa. Daqui a pouco, a própria Estratégia deverá ser revista, sem prejuízo dos investimentos de longo prazo já contratados.
Então poderemos gastar mais e melhor, se a sociedade e o Congresso Nacional se envolverem no processo, como parecem ter feito na semana passada. E é importante que o façam. Porque o assunto não ficou importante na semana passada. Sempre foi. E não é assunto para principiantes."
FONTE: publicado na Tribuna do Brasil. O autor, Antonio Jorge Ramalho da Rocha, é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2002). Dirigiu o Departamento de Cooperação do Ministério da Defesa e a implantação do Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe, Haiti. É professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB. [entre colchetes deste blog]
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