sexta-feira, 4 de setembro de 2009

MERCADANTE: ESTADO DEVE CONTROLAR PETRÓLEO

Mercadante defende urgência do pré-sal: "Você não pode ficar mais de 90 dias esperando a capitalização da Petrobras"
Bob Fernandes

"A exploração de petróleo nas camadas pré-sal fará o Brasil subir dez posições no ranking mundial de produtor do combustível e é "fundamental que o Estado controle essas reservas", defende o senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Em entrevista a Terra Magazine, o líder petista no Senado argumenta:

- Porque se a Petrobras tiver que disputar com as grandes empresas de petróleo, que não têm reservas e que sabem que o pré-sal é a mais importante descoberta da última década, elas vão despender grandes recursos para ter acesso a esses blocos. E vão obrigar a Petrobras a se descapitalizar, quando o mais importante para o Brasil é que ela invista.

O regime de urgência dos projetos que definem o novo marco regulatório para exploração do petróleo no pré-sal é necessário, segundo Mercadante. "Você não pode ficar mais de 90 dias esperando a capitalização da Petrobras. A empresa precisa de capital, ela precisa investir", afirma o senador.

Mercadante não deixou de recordar que os vigorosos críticos da agora oposição, no PSDB e DEM, bradam hoje contra o prazo de 90 dias apreciar e votar as regras do pré-sal, mas fizeram o oposto quando estavam no poder, nos anos FHC. Recorda o líder petista: DEM e PSDB votaram no ano de 1995, no espaço de 5 meses e 18 dias, 5 emendas constitucionais que mudaram a história econômica, a estrutura econômica do Estado brasileiro. O senador lista:

- Em um ano, o governo Fernando Henrique quebrou o monopólio estatal das telecomunicações. E fez uma mudança toda da regulação do setor para a privatização, em cinco meses. Quebrou o monopólio da distribuição do gás canalizado. Tudo isso, emenda constitucional, não é projeto de lei. Eliminou a diferença entre capital nacional e estrangeiro em cinco meses e 18 dias. Quebrou o monopólio do petróleo, refino etc. Também nesse ano de 1995, estendeu ao capital estrangeiro a navegação, interior e cabotagem. E praticamente todas essas emendas tramitaram no prazo de cinco meses. Só aí estou falando de cinco emendas constitucionais, que mudaram decisivamente a história econômica, a estrutura econômica do Estado brasileiro.

Leia a seguir a entrevista completa com Mercadante.

Terra Magazine - Qual é a questão mais de fundo em seu entender?

Aloizio Mercadante -
Primeiro, o objetivo do governo não é um objetivo eleitoral. Se fosse uma preocupação eleitoral, o governo teria feito a licitação dos novos blocos do pré-sal, colocaria muito dinheiro em caixa, teria dinheiro para gastar em ano eleitoral.

Mas de qualquer forma o debate se travará como se fosse (eleitoral), inclusive porque estamos às vésperas de uma eleição.

Mas esse argumento é precário. A discussão que o Brasil tem que fazer é uma discussão muito mais profunda. Por que esse debate se coloca agora? Os primeiros indícios de petróleo são de 1930, em Lobato, na Bahia. Em 76 anos, com todo o trabalho da Petrobras e outras empresas - porque a partir de 1997 com regime de concessão, as empresas privadas também participaram do processo exploratório -, o Brasil chegou a 14 bilhões de barris de petróleo de reservas exploradas. No pré-sal, a partir de 2006, só em três poços - Tupi, Iara e Parque das Baleias - você descobriu entre 9,5 e 14 bilhões de barris. Ou seja, você praticamente dobrou as reservas e, pela primeira vez, nós tivemos uma área geológica de baixo risco e mega campos de petróleo. Das mais importantes da década.

Tupi, Iara...

É o pré-sal já licitado. 28% do pré-sal foi licitado e alguns furos que foram feitos nessa área deram grandes jazidas de gás e petróleo de alta qualidade. Mudou a história do petróleo no Brasil. O regime de concessão é um regime apropriado para um país de alto risco e campo de baixa produção. Você transfere o risco para empresas.

Inclusive porque o investimento da Petrobras para se chegar a tanto foi gigantesco?

Gigantesco. Foi a primeira empresa que chegou a sete mil metros de profundidade. Inclusive essa semana se chegou a mais de dez mil metros no Golfo do México e novamente uma jazida de três bilhões de barris. O sistema de concessão era próprio para o Brasil antes do pré-sal. A concessão está mantida para o resto do Brasil e inclusive para 28% de pré-sal. Agora, qual é a diferença para partilha? Qual é a discussão de fundo? A diferença para partilha é que na concessão, quando a broca bate no óleo, a reserva passa a ser privada e a empresa tem 27 anos para explorar. Ela passa a administrar como ela quiser, no ritmo que ela quiser, é dela a reserva. Ela tem no balanço da empresa.

Então, na visão do governo, entre outras coisas, se justificaria a presença maior seja da Petrobras, de uma estatal, devido ao volume e ao esforço da própria Petrobras para chegar aonde chegou?

Exatamente. É isso que eu quero explicar. Porque em um regime de partilha, há duas questões de fundo que mudam. Primeiro: as reservas continuarão sendo públicas, continuarão sendo do Estado brasileiro. Num mundo em que 77% das reservas disponíveis estão sob controle do Estado, só 7% estão com as grandes empresas de petróleo, as chamadas Sete Irmãs.

Onde, especificamente?

Em vários países, onde há um regime de concessão. Inclusive no Brasil elas têm participação. Elas estão desesperadas para ter acesso às reservas, porque são altamente capitalizadas...

E ocupando e usando espaços midiáticos, mundo afora, para tanto...

Não só midiáticos. O Iraque é um exemplo disso: de até onde é possível ir. Então é uma grande disputa estratégica. Por que o Estado deve manter o controle? Porque a estimativa nos próximos vinte anos é de um déficit de 75 milhões de barris por dia, porque a demanda está crescendo, e nos últimos vinte anos, a oferta de novas reservas cresceu uma média de 15% a cada década, muito aquém do aumento do consumo. Então vai faltar petróleo cada vez mais. E a matriz de transporte - caminhões, ônibus, tratores, equipamentos, - a matriz industrial vai continuar dependendo do petróleo nos próximos vinte anos. Mesmo com novos combustíveis, se começar a renovar a frota, a frota antiga vai continuar consumindo e a indústria vai continuar consumindo gás e petróleo.

Fazendo uma variável rápida, a gente volta para esse tema daqui a pouco a essa questão do pré-sal... Mas e a questão do bio-combustível, da alternativa energética? O Brasil de repente pulou, esqueceu aquele discurso...

Não pulou de discurso. A média mundial é uma dependência de gás e petróleo de 62% da matriz energética. Se você colocar carvão vai para 80%. O Brasil, gás e petróleo, é só 41%. Então nós temos uma matriz das mais limpas do mundo e estamos investindo nessa matriz. Hidrelétricas, energia eólica, biomassa, etanol. O Brasil é o mais competitivo e o maior produtor de etanol do mundo, exportador... Então nós estamos mantendo essas matrizes. Só que essa descoberta é uma riqueza natural que tem que se transformar em uma riqueza econômica e social.

Bem, o tamanho desta riqueza está claro...

Para controlar essas reservas, nós vamos ter um papel geopolítico estratégico no futuro, como grande exportador de derivados de petróleo. O Brasil hoje é o 16º país no mundo. Nós vamos virar o 6º, 7º país do mundo produtor e exportador. Primeiro, controlar as reservas. Ser público e manter o controle. Para pensar a longo prazo. Segunda razão fundamental: é que na partilha, eu posso eleger a Petrobras como parceira prioritária. Por que isso é fundamental? Porque se a Petrobras tiver que disputar com as grandes empresas de petróleo que não têm reservas e que sabem que o pré-sal é a mais importante descoberta da última década, elas vão despender grandes recursos para ter acesso a esses blocos.

Vão obrigar a Petrobras a correr atrás...

Vão obrigar a Petrobras a se descapitalizar quando o mais importante para o Brasil é que ela invista em tecnologia, em sondas, em navios, em equipamentos. Porque com isso ela vai alavancar o crescimento econômico. Reativou os estaleiros no Brasil, para dar um exemplo. 12% de economia hoje já (gira em torno da produção de) gás e petróleo. Então a Petrobras, com isso, vai impulsionar o crescimento econômico, a geração de emprego, de renda, de tecnologia, de emprego de mão-de-obra qualificada. E mais: vai ganhar escala e eficiência para disputar o pré-sal ali no litoral da Nigéria, de Angola, na África, no Golfo do México, como aconteceu, e vai ficar cada vez mais importante.

Essas são, a seu ver, as suas razões de fundo, a estratégia do governo. Agora por que a urgência, e por que a decisão pela urgência, de novo?

Sobre essa questão da urgência, eu vou dar um dado que eu ainda não falei, mas quero falar com você, Bob, pela importância que você tem no jornalismo brasileiro...

Opa, agora vai!

Vou citar alguns exemplos. O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em um ano, quebrou o monopólio estatal das telecomunicações. E fez uma mudança toda da regulação do setor para a privatização, em cinco meses. Quebrou o monopólio da distribuição do gás canalizado. Tudo isso, emenda constitucional. Não é projeto de lei. Eliminou a diferença entre capital nacional e estrangeiro em cinco meses e 18 dias. Quebrou o monopólio do petróleo, refino etc. Também nesse ano de 1995, estendeu ao capital estrangeiro a navegação, interior e cabotagem. E praticamente todas essas emendas tramitaram no prazo de cinco meses. Só aí estou falando de cinco emendas constitucionais, que mudaram decisivamente a história econômica, a estrutura econômica do Estado brasileiro.

...há quem entenda que para melhor...

Para melhor ou não, aí depende da avaliação. Algumas seguramente poderiam ter sido feitas. Estou dizendo que são grandes mudanças que foram feitas em um prazo de cinco meses, cinco emendas constitucionais. Estou dando um exemplo concreto.

Mudanças feitas pelo governo, o sistema, os mesmos partidos que hoje estão na oposição e chiam quanto ao prazo de 90 dias?

Exato. Agora estou falando de quatro projetos de lei. Ninguém pode discutir urgência porque a capitalização da Petrobras, você não pode ficar mais de 90 dias esperando isso. A empresa precisa de capital, ela precisa investir. E é uma capitalização inteligente porque não vai aumentar a dívida pública. Não tem nenhum custo para o povo brasileiro, vai ser feito através de reservas de petróleo, então tem que ser urgente. E 90 dias dá para você discutir um tema que todo mundo que estuda a matéria (sabe que) só existem quatro opções: ou é concessão, ou é partilha, ou é prestação de serviços ou é joint venture (NR: associação de empresas), que quase ninguém usa. Então são três opções, na realidade, que existem no mundo. Nós estamos mantendo concessão, abrindo outra perspectiva de partilha, com razões estratégicas, fundamentadas, consistentes.

Bem, mas...

O que eu não li até agora são argumentos substantivos por parte da oposição que justifiquem a necessidade de prolongar esse debate. A única que eles discutem é que é eleitoral - e não é. Se fosse eleitoral, nós estávamos vendendo todos esses blocos, botando dinheiro e gastando para ganhar eleição. É tudo menos eleitoral. E dizendo que precisa de tempo. Apresente os argumentos para dizer que precisa de mais tempo para discutir essa matéria? Há mais de um ano, eu escrevi dezenas de artigos, dei um monte de entrevistas, defendendo exatamente o que o governo está apresentando, há um ano e meio. Seminários, nacionais, internacionais, tive debate até com Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República, discutindo essa questão. Por que partilha, por que Petrobras, o que era o pré-sal... Não vejo argumentos substantivos que justifiquem nesse momento (a prolongação do debate). A maioria dos países exportadores de petróleo têm renda altamente concentrada. O fundo social é instrumento muito importante para que a gente possa apropriar essa renda do petróleo e aplicar isso com transparência e com participação da sociedade civil na gestão desse recurso. Também é uma inovação importante do ponto de vista da gestão do setor.

O presidente do DEM, Rodrigo Maia, deu ontem uma entrevista para Terra Magazine dizendo que é bom que você defenda essa posição porque de repente você pode mudar de opinião. Diz Maia que, de manhã, você pode achar uma coisa, ser convencido e falar outra coisa à tarde.

Se me apresentarem argumentos relevantes seguramente a gente pode evoluir de posição. Não conheço ninguém que possa se desenvolver, crescer, sem estar aberto a mudar de posição. O que a oposição não foi capaz até agora é de apresentar um único argumento razoável e consistente que possa afrontar essa posição que o governo que está apresentando em defesa do interesse público, nacional e estratégico para o Brasil. Agora para quem defende o interesse das grandes empresas privadas internacionais, só com esse tipo de argumento. Porque argumento substantivo eles não apresentaram para o debate.

E...

Eu estou sempre aberto para argumentos consistentes e, a depender deles, a mudar de posição... agora eu nunca mudei de lado. Sempre estive com Lula e com o PT. Por sinal, quando conheci o Rodrigo Maia, a família dele estava no PDT e na esquerda. Depois foi para o PTB e hoje está no DEM. Diante disso, de uma história como essa, nada mais há a ser dito."

FONTE: entrevista concedida ao jornalista Bob Fernandes e publicada no portal "Terra Magazine" em 04/09/2009.

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