Terra Magazine
"E cá estava eu, na minha famosa e luxuosa laje de Pinheiros, revendo a imprensa nacional dos últimos dias e fui assaltado (diferentemente de tantos moradores dos Jardins) por uma dúvida!
Folheei e refolheei os jornais em papel jornal. Olhei para os digitais, nada. Ninguém. NINGUÉM mesmo, fez a pergunta mais básica nesses últimos dias, para a pessoa que mais precisa responder a tal pergunta. Então, aqui mesmo, nesse vibrante órgão da nova mídia, aqui vai:
- Governador Serra! Qual é a sua proposta para a exploração e o uso dos recursos do petróleo das novas áreas do chamado pré-sal?
Enquanto aguardo a resposta, com o pezinho aqui batendo impaciente, vamos nós, juntos, pensar um pouco no assunto.
Gente, COMO ninguém foi ali no Palácio dos Bandeirantes com um gravadorzinho ou um bloquinho na mão, perguntar ao sujeito hoje com maiores possibilidades de mudar de palácio no ano que vem sobre o que ele faria com o futuro do nosso país, caso os eleitores deem a ele essa missão?
Não importa se o cara se declara como candidato ou não. Que eu saiba, em cada pesquisa feita e refeita, o governador Serra aparece lá na frente. Aparecem ainda a Dilma, o Ciro Gomes, o Aécio, humm, quem mais? A Marina? O PSOL? Esses são os caras e é com eles que precisamos contar, a não ser que o excesso de sol aqui na minha laje me afete mais ainda os miolos e eu também resolva tirar o país do abismo em que o Lula nos colocou (segundo as viúvas do FHC).
Bom, o PSOL é tão contra tudo que deve ser contra a privatização e a estatização de tudo que se move. Aliás, eles são contra tudo que se move, e a Marina, que acredita na burrice suprema do tal criacionismo, não pode acreditar em petróleo, que teria se formado há milhões de anos, portanto, antes do mundo evangélico ter sequer surgido. Quem sobra?
O Aécio Neves é um gato, me garante a Zélia, a única mulher que manda em mim quando vem aqui dar um jeito na Guernica que é a minha casa depois de uma semana inteira das festas e recepções na Mansão Carneiro da Cunha. Mas gato não fala, aliás, não faz nada e eu não creio que esse gato aí esteja seriamente pensando em concorrer no ano que vem. Além de gato, o rapaz é moço, tem tempo pra pensar, aprender, quem sabe até aprender a falar. Vamos ver.
A Dilma, bom, acho podemos tranquilamente ser a favor ou contra do que ela pensa, uma vez que todos ficamos sabendo na apresentação da proposta do governo para o pré-sal na última segunda-feira. Faltou alguém. Ah, já sei.
Governador José Serra! O que afinal o senhor faria ou fará, na Presidência do país, caso chegue lá, com os recursos que podem redefinir o nosso futuro?
Porque o Brasil pegou jeito nos últimos cinco anos, estimados leitores, por incrível que pareça para a minha geração, que tinha se convencido que isso aqui nunca ia dar certo. Coisas criadas e planejadas gerações atrás, por brasileiros com visão de futuro, agora viraram presente e surpreendem o mundo. NENHUM país criou um sistema formado por álcool, motores flex e postos de combustível com várias escolhas. Apenas e apenas aqui a gasolina é combustível alternativo e andamos por nossas próprias pernas e octanagem, ora vejam. Nossa energia é hidrelétrica, e o atual governo nos protegeu da chance de apagões e a gente pode se ligar pra valer. Na última quarta-feira a Embraer completou 40 anos, e um vôo meu na semana que vem, com a holandesíssima KLM vai ser num jato brasileiro.
E a Petrobras, que quase virou Petrobrax no tempo do FHC, lembram? Pois é simplesmente a quarta maior empresa das Américas, sendo que nessas Américas estão os Estados Unidos da América. Sabem o que isso significa?
Num cenário desses, o pré-sal é um elemento novo e perturbador. Sabe quando você planejou, poupou, investiu e a sua vida está indo bem, as coisas funcionando a contento e existe um futuro, e aí você descobre que um tio desconhecido morreu na Venezuela deixando uma fortuna todinha pra você? Sua cabeça vira uma bagunça maior do que aqui em casa após finais de semana de festividades. Seus valores são sacudidos, seus planos passam a parecer leves demais, sua mulher começa a olhar pra loja da H Stern com outros olhos. O que você faz numa hora dessas define o sujeito que você é, e o que você e sua família vão ser.
E é nesse momento que o Brasil se encontra.
E não sei por vocês, mas baseado na experiência que eu vivi, de ter o PSDB gerenciando as nossas grandes propriedades, não sei o que esperar de uma administração desses recursos por um eventual governo José Serra.
Quando teve o poder, o PSDB foi medroso na hora de lidar com outros países e corporações. Temos celular, mas pagamos caríssimo pra usar. As estradas de SP são ótimas, e igualmente caríssimas. Alguém negociou com muito bom coração pelos sentimentos deles, não os nossos. A privatização sob o comando do PSDB foi o calcanhar de aquiles daqueles governos (e isso sem contar duas quebras e idas ao FMI, aquela paridade maluca com o dólar e o apagão). Por que eu deveria me sentir tranquilo com o que eles venham a fazer com o pré-sal?
Um grande país se faz com riquezas, com um povo unido, e muita atitude. Eu gosto da atitude do governo Lula, todos sabem. Gostei quando ele disse que a plataforma P-51 ia ser fabricada no Brasil, um bilhão de dólares, empregos e tecnologia vindo pra cá e não Cingapura, lembram? Essa atitude nos trouxe uma enorme indústria naval e o pré-sal. Qual vai ser a nossa atitude diante dessa inesperada riqueza que não é deixada por um tio misterioso, mas resultado de muito investimento, pesquisa e estratégia que somente uma empresa estatal pode realizar?
Ah, ponto importante. Manter a Petrobras sob controle parcial do estado foi uma ótima, excelente, escolha. A Argentina privatizou a YPF e não tem mais nada. Nada. E se alguém ainda tem dúvidas, o presidente Lula pode demitir o presidente do BB e fazer os juros baixarem e o crédito crescer. Alguém prefere o país sem isso?
Mudar as regras para o pré-sal foi um enorme acerto. O governo sentiu que podia peitar as corporações e o fez. Foi corajoso e eu gosto disso. O governo FHC tirava os sapatos pra entrar nos Estados Unidos, e isso me irritava. Quem tira sapatos enfrenta petroleiras internacionais pelo bem do país?
O governador Serra demonstrou bem mais coragem do que o presidente FHC ao fazer a lei dos genéricos e a lei anti-fumo aqui em São Paulo, mas não sei, quero ver e quero que ele me diga, nos diga, o que faria, ou não pode ser presidente. Se ele ainda não sabe o que pensa, não pode ser presidente. Mas ele sabe e nos deve essa informação. Até agora disse apenas que quer mais tempo. Mais tempo para quê? Para lobbies e interesses derrubarem um bom plano? Precisamos implantar essas leis já, precisamos controlar essas riquezas firmemente, e protegê-las dos políticos para que tenham os fins que o Lula descreveu: educação, pesquisa e ciência, redução da pobreza. Queriam um país decente? Aí está a proposta e o caminho.
Governador José Serra: o que o senhor acha disso?"
FONTE: publicado em 04/09/2009 no portal Terra Magazine, de Bob Fernandes. O autor do texto é Marcelo Carneiro da Cunha, escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
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