quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O FORTE RACISMO AINDA PRESENTE NOS EUA

THE UGLY AMERICANS

"Bristol (EUA) – Há uma cena no filme “In the Heat of the Night”, de 1967, de que me lembrei outro dia. Nele, um detetive negro, interpretado por Sidney Poitier, é preso e acusado de latrocínio no Mississippi quando se encontrava lá em visita a sua mãe.

Há uma relação tempestuosa entre Poitier e o xerife local, branco, vivido por Rod Steiger, que o prendera só porque o encontrara na estacão de trem (ou ônibus, não recordo bem), com muitos dólares no bolso. O xerife é claramente racista, mas, quando o engano é desfeito, acaba trabalhando junto com Sidney Poitier para desvendar o caso.

No desenrolar da história, os dois encontram-se na “plantation” do manda-chuva local, também branco, que esbofeteia o detetive negro ao considerar uma de suas perguntas impertinentes. Na trama original, o detetive negro não reage, mas Sidney Poitier, que fora educado por seu pai para não lever desaforo de branco para casa, exigiu e conseguiu que o enredo fosse modificado, para que ele pudesse dar uma bofetada em resposta. O personagem branco fica tão estupefato que perde a fala. Para ele, era parte da ordem natural das coisas que um branco esbofeteasse um negro, mas inconcebível que um negro reagisse.

Tal cena foi revivida, figurativamente, outro dia no Congresso Americano, quando Barack Obama discursava e um deputado branco da Carollina do Sul, Joe Wilson, gritou “You lie” para ele. Nunca na história dos Estados Unidos um presidente havia sido chamado de mentiroso, cara a cara, numa sessão solene da Câmara e Senado reunidos.

Mas até hoje, é claro, todos os presidentes tinham sido brancos, Barack Obama é o primeiro negro. Joe Wilson faz parte de um grupo racista do sul chamado “Filhos dos Veteranos da Confederação”, que até hoje defende o direito dos estados derrotados na Guerra de Secessão de içarem sua própria bandeira.

Seu ataque, longe de ocorrer na emoção do momento, foi claramente planejado para solapar a autoridade de Barack Obama no momento em que ele procura dar aos Estados Unidos uma reforma dos planos de seguro de saúde, incluindo a opção de assistência por parte do governo.

Os Estados Unidos são um país em que há 47 milhões de pessoas sem seguro de saúde, enquanto tratamentos médicos consomem 16,5% do produto nacional bruto. Na França, como contraste, toda a população é segurada, ao custo de apenas 11% do produto nacional bruto, com planos mistos, privados e estatais.

Mas qualquer tentativa de contrapor a chamada “opção pública” aos seguros de saúde nos Estados Unidos é recebida aos gritos de “comunismo” por parte da direita radical. É ela, insuflada pela mídia conservadora representada pelo radialista Rush Limbaugh e o comentarista do canal Fox, Glenn Beck, que agora sai às ruas, pela nação afora, com insultos pessoais ao presidente.

São cenas que trazem de volta a figura do “ugly American” - o tipo arrogante, roceiro, atrasado e preconceituoso, tornado célebre no mundo a partir do filme com Marlon Brando, baseado em uma história de William Lederer e Eugene Burdick. (A intenção dos autores não era esta, mas fica complicado explicar agora.)

São os velhos e contumazes racistas, como Jimmy Carter acaba de denunciar na televisão. Ele sabe do que está falando, pois é natural da Georgia. O pior, como Jimmy Carter diz, é que o racismo atual não se restringe ao Sul.

Está se espalhando, numa onda de intolerância, pelo país todo."

FONTE: artigo do jornalista e escritor José Inácio Werneck publicado em 16/09 no site "Direto da Redação".

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