Dois pesos?
Terra Magazine
"É bem interessante acompanhar a mídia em suas avaliações dos votos dos ministros do Supremo. Eles passam de vilões a heróis e vive-versa de um julgamento a outro. Provavelmente, estas avaliações se devem menos às demonstrações de seu saber jurídico do que ao voto final, conforme esteja de acordo ou não com as expectativas do jornal ou do colunista.
Dou um exemplo. O ministro Cezar Peluso foi amaldiçoado por seu voto no julgamento do caso Palocci. É que ele forneceu, mais ou menos brevemente (parecia estar improvisando), uma lista de razões para admitir o processo contra o ex-ministro, mas, no final, disse que achava que não havia dados suficientes nos autos e votou contra, acompanhando o relator. Em compensação, o ministro Marco Aurélio foi elogiadíssimo, porque sua posição foi pela admissão do processo, o que fez depois de candentes argumentos contra Palocci e a favor do caseiro.
No caso Battisti, as avaliações se inverteram: como Peluso considerou ilegal a decisão de Tarso Genro, já que avaliou como sendo comuns os crimes do italiano, foi considerado um herói. Em compensação, não houve nenhuma comemoração pela posição do ministro Marco Aurélio. Não há nenhuma avaliação positiva, como houve no outro caso, de sua posição, embora sua declaração de que teria feito o mesmo que o Ministro da Justiça, se estivesse no lugar dele, tenha sido noticiada.
O mais curioso não é isso, porém, até porque este tipo de comportamento não é nenhuma surpresa. A mídia tem posição, e julga os outros por este critério. Ela não erra: quem erra, às vezes, são os ministros... O que deveria chamar a atenção - e vem daí o título da coluna, e sem conotação negativa - é a origem da discrepância entre os juízes. Quem votou pela extradição (vou simplificar), ateve-se à avaliação do ato do Ministro da Justiça. Ou seja, avaliou se foi justa ou não sua consideração de que Battisti fez o que fez por questões políticas.
Os que concluíram que não, com base nos dados "italianos" do processo, concluíram que Tarso Genro errou, e, por isso, anularam seu ato de concessão do refúgio (este foi o voto do relator, seguido claramente por outros três votos e, mais ou menos implicitamente, por um quarto, o do presidente Gilmar Mendes).
Os que votaram contra o relator partiram de outro lugar: não analisaram os argumentos de Tarso Genro ou os da Itália (não ficamos sabendo se eles consideram os atos de Battisti políticos ou não), mas outra questão: de quem tem competência para tomar a decisão de conceder ou não refúgio (ou asilo). E opinaram que ela compete ao Executivo. Sendo assim, votaram pela não admissão (isto é, para nem analisar) os argumentos da Itália. Apoiaram a decisão de Tarso Genro porque acharam que a decisão é dele (Marco Aurélio até elogiou sua competência jurídica...).
Tem sido assim em outros casos. Eventualmente, um juiz do Supremo discorda da interpretação que um colega faz de determinado texto - de lei ordinária ou da Constituição - e vota diferentemente. O mais comum, no entanto, é que a divergência se deva ao fato de que cada juiz parte de um lugar diferente. São dois pesos (e duas medidas).
(Não estudo a questão do tom em detalhe. Mas há quem o faça. Chamaram atenção os diferentes tons de voz e de velocidade da fala do ministro Peluso, quando lia seu voto. Sempre enfatizou os "problemas" de Battisti e as interpretações de Tarso das quais discordava. E leu muito rapidamente (Marco Aurélio acusou este fato) outras passagens de seu voto. É um bom caso. Afinal, não se trata da voz "física" do indivíduo Peluso, mas da vocalidade que marca diferentemente as diferentes passagens do voto de um juiz, determinada pela adesão ou não ao trecho que está lendo. É um excelente dado.)
Foi engraçado
Nota do Painel da Folha de S. Paulo de 9/9/2009: "Entendeu? Ontem, na reunião da coordenação política do governo, Tarso Genro disse que alguém "interviu" num determinado assunto. Lula corrigiu prontamente: "Tarso, é 'interveio'". Diante do semblante intrigado do ministro da Justiça, o presidente completou: "Muita gente fala 'interviu', mas é 'interveio'".
Lula deve estar lendo o Professor Pasquale!"
FONTE: artigo de Sírio Possenti, de Campinas (SP), publicado hoje (17/09) no portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes. O autor é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de "Por que (não) ensinar gramática na escola", "Os humores da língua", "Os limites do discurso" e "Questões para analistas de discurso".
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