"Governo prepara regras fiscais e financeiras para viabilizar no país produção de 2/3 dos equipamentos de exploração, diz Coutinho
"Presidente do BNDES diz que cadeia produtiva precisa de investimentos de U$ 80 bi e que é possível criação de estatal de seguros para setor
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que elabora política industrial para produção de equipamentos para exploração do pré-sal e prevê desoneração do setor
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, foi encarregado de montar uma política industrial para a exploração do petróleo do pré-sal. Seu objetivo é que, em três anos, dois terços dos equipamentos para explorar o pré-sal sejam produzidos no Brasil.
Para atingir esse objetivo, disse Coutinho à Folha, será preciso dar “condições de financiamento e tributação” similares às da Coreia do Sul, país líder na indústria naval.
Ou seja, adotar uma forte desoneração do setor, para que as empresas instaladas no Brasil possam competir com as estrangeiras. Segundo Coutinho, isso pode envolver até a criação de uma seguradora pública, como no modelo coreano.
Disse ainda que, pelos estudos do BNDES, será preciso investir, em dez anos, cerca de US$ 80 bilhões para desenvolver a cadeia produtiva do setor.
Isso sem contar os investimentos da Petrobras, de US$ 174 bilhões nos próximos cinco anos. Coutinho diz que não defende agigantamento do BNDES, mas ressalva que a maior participação do banco no mercado de crédito deve ser mantida nos próximos anos, principalmente na infraestrutura.
FOLHA - Como está a elaboração de política industrial do pré-sal?
LUCIANO COUTINHO - Foi feito um estudo de mapeamento de famílias de empresas do setor, para identificar o que teremos de adicionar de capacidade produtiva ao longo dos próximos dez anos, a fim de assegurar que pelo menos dois terços sejam produzidos no país. Não estamos falando de refino, só de offshore [exploração de petróleo na costa brasileira], que inclui sondas, plataformas, equipamentos para desenvolver a exploração do pré-sal. O que ainda falta é que detectamos uma série de condições de financiamento e tributação, oferecidas por países concorrentes, como Coreia, que lhes dá vantagens competitivas.
Eles têm, além de prazos e taxas favoráveis, seguros e garantias, notadamente a Coreia. Ela tem uma grande seguradora pública, que dá cobertura de risco aos financiadores e empreendedores. A outra coisa é o tratamento tributário dado lá.
Como é produto para exportação, há um processo de desoneração bastante intenso, com uma cobertura da cadeia toda.
Esse é outro desafio. Então, na nossa avaliação, é preciso criar condições no Brasil similares para poder competir. Estão na frente na curva de aprendizado.
Nós estamos no começo para chegar lá. Temos de aprender a fazer, com eficiência.
FOLHA - O que será preciso fazer no Brasil para ter algo similar?
COUTINHO - Um regime tributário e financeiro específico para a cadeia produtiva do petróleo.
Está em conversações entre BNDES e Fazenda. O financiamento será do BNDES. Aí nós temos outra questão que é o “funding” do banco. Não vai entrar dinheiro do Orçamento.
Temos de discutir com o Ministério da Fazenda. Recursos do próprio Fundo Social do petróleo poderão estar disponíveis, mas só depois que o petróleo do pré-sal for extraído, não antes de 2015. Temos um problema de curto prazo, temos de encontrar os recursos para chegar lá.
FOLHA - Quanto será necessário para desenvolver essa cadeia?
COUTINHO - US$ 80 bilhões nos próximos dez anos para desenvolver a cadeia produtiva offshore, sem contar os investimentos da Petrobras. É o desenvolvimento de estaleiros, de novas indústrias, de ampliação de capacidade. Em cinco anos, equivalente a US$ 40 bilhões.
Nosso desejo é que tenha dois terços de fornecimento nacional. Temos de fazer o desenvolvimento das empresas que estão aqui, que podem se capacitar, e temos que atrair empresas para produzir aqui, diretamente ou em associação com empresas nacionais.
Em alguns casos, equipamentos mais simples, o Brasil conseguiu chegar a um nível de nacionalização em período relativamente curto. É uma tarefa a ser construída em dois, três anos, para conseguirmos chegar lá. Não fixamos uma meta, mas é um objetivo. Realisticamente, vamos ter de desenvolver a cadeia produtiva para fazer isso. Ninguém desenvolve isso da noite para o dia. Se eu dissesse em 12 meses, eu estaria forçando. Dois, três anos, teremos de desenvolver uma cadeia produtiva, absorver tecnologia, criar estaleiros de grande escala, talvez mais um ou dois.
FOLHA - Há contato com as estrangeiras para se instalarem aqui?
COUTINHO - Sim, já há contatos. E temos estimulados empresários brasileiros a entrar em tratativas, algumas já avançadas, com empresas líderes de tecnologia. Não posso citar nomes.
FOLHA - Atualmente, em alguns segmentos, o conteúdo nacional na indústria do petróleo já supera 80%, 90%. Isso não é possível no pré-sal?
COUTINHO - Por enquanto, não, porque se trata de uma nova tecnologia, já conhecida pela Petrobras, mas diferente para a indústria. São perfurações a 7.000 metros, em situações diferentes, mais longe da costa, com requisitos tecnológicos bem mais desafiadores.
FOLHA - No caso do seguro, a ideia é seguir o exemplo coreano e criar uma companhia pública aqui?
COUTINHO - Essa crise financeira debilitou muito o setor de seguro. Mas ainda não sabemos, há diversas possibilidades. A dificuldade é que nessa área são projetos de grande escala, outros tipos de riscos, que ainda não temos total mensuração que possam permitir uma gestão de risco. Para esse tipo de seguro a tecnologia é diferente.
Aí, há um desafio. O mercado não vai prover esses seguros, pelo menos no curto prazo visível. E são seguros de uma natureza especial.
FOLHA - Desses US$ 80 bilhões, a grande parte viria do BNDES?
COUTINHO - Esse número é a necessidade de financiamentos para a cadeia produtiva nesses dez anos. Acredito que o mercado virá e suprirá uma parcela dos requisitos de financiamentos. Além disso, uma parte do crédito poderá ser suprida a partir do desenvolvimento do mercado de crédito brasileiro.
E aqueles créditos de maior risco, de mais longo prazo, possivelmente o BNDES terá de oferecer, de preferência em parceria com o setor bancário.
FOLHA - E os fundos soberanos estrangeiros, podem prover recursos para o BNDES?
COUTINHO - Estamos tendo contatos com fundos para investimentos em infraestrutura. Nessas negociações eles poderão operar diretamente ou ter o BNDES como parceiro. Temos contato com a China, Cingapura, Emirados Árabes.
FOLHA - Neste ano, o BNDES deve fechar com desembolsos de até R$ 130 bilhões. Onde o banco chegará?
COUTINHO - Temos pedido para que nosso pessoal analise essa questão, tendo em conta que o mercado não irá suprir o financiamento de longo prazo. Em breve, vamos ter uma ideia.
Existe um problema que é o desenvolvimento do sistema financeiro privado. O sistema financeiro brasileiro ficou muito viciado, uma palavra imprecisa, mas ficou viciado em liquidez de curto prazo. E era importante um processo de migração e incentivo ao próprio investidor brasileiro para confiar no país, pensar em aplicações financeiras de perfil um pouco mais longo. É algo que só se constrói com segurança, confiança e alguns estímulos. Chegou o momento de a gente ter um sistema financeiro privado mais normal, o que permitirá que ele possa suprir de maneira adequada as necessidades de financiamento.
FOLHA - Como lidar com o avanço do BNDES no mercado de crédito causado pela crise, após a retração dos bancos privados?
COUTINHO - Não existe nenhum desejo de agigantar o BNDES.
Mas o que temos de pensar é que a escala de investimento no Brasil subiu e precisa subir ainda mais. O Brasil precisa investir, estávamos indo para 19% ou 19,5% do PIB. A crise nos atingiu e vamos ter 17% de investimento. É muito pouco. Temos de voltar a investir mais de 20%, chegar a 24%, 25% do PIB, o que nos daria condição de crescer de forma sustentável e muito firme. Haverá espaço para os dois lados. O desafio é desenvolver o sistema financeiro privado e fazer essa mudança.
FOLHA - Vocês estão buscando uma nova fonte permanente de recursos?
COUTINHO - Esse é um tema. O BNDES, se pensarmos o FAT, é um banco de R$ 60 bilhões, o que é insuficiente para a escala de investimento que o país precisa, mesmo contando com a participação privada. Nós tínhamos que investir muito mais. Para isso, precisamos ter mais recursos. Isso coloca um desafio para o futuro, de como suplementar o banco."
FONTE: reportagem de SÉRGIO MALBERGIER, EDITOR DE DINHEIRO - FOLHA SP, e VALDO CRUZ, publicada hoje (17/09) na Folha de São Paulo e reproduzida no blog do Favre.
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