"Achei positivo o Relatório produzido pelo Cenipa a respeito do acidente com o Airbus da TAM em Congonhas. Investigações dessa natureza precisam ser conduzidas longe do aspecto emocional para que, delimitando as causas do desastre, outros decorrentes delas possam ser evitados. Tem sido assim o desenvolvimento da aviação comercial e há inúmeros avanços técnicos creditados à pesquisa forense em aeronaves sinistradas.
Marcelo Ambrosio
Esse é o primeiro aspecto, mas não o principal. O estudo técnico tem a propriedade de apontar as responsabilidades e, com isso, acaba sendo uma importante peça de embasamento jurídico.
Pelo que pude ler, os militares que investigaram o acidente não pouparam nenhum dos envolvidos.
Isso é bom, porque sempre há a suspeita de que Relatórios sobre acidentes tendem a atribuir culpa a quem não tem mais condição de defesa. O ponto mais preocupante de tudo que foi relevado para mim está, mais uma vez, na dúvida levantada sobre o modelo da Airbus.
Segundo o Relatório, os técnicos fizeram dezenas de simulações dos instantes finais do voo, e em todas o resultado foi idêntico ao visto na realidade. Porém, destacaram a ausência eventual de um alarme – “retard, retard” – que soa alto e forte na cabine quando o jato não está desacelerando e em algumas das 23 simulações não foi ativado. Esse aviso poderia ter alertado os pilotos enquanto ainda havia tempo para a arremetida, ou seja, num trecho de pouco mais de 500 metros após o ponto de toque. A falta de ação também é creditada a uma carência no treinamento da companhia aérea.
É possível, mas acho essa avaliação sujeita à leitura que a máquina faz de si mesma. Depois do acidente com o A330 da Air France, passei a questionar a confiabilidade do que é informado ao cockpit. E disso é que depende a reação. Foram 13 segundos entre o toque e o limite para a arremetida. E nada aconteceu para reverter o quadro. Mais estranho ainda é o fato de que não é necessário olhar para a manete para saber em que posição se encontra: esse dado está no display diante dos pilotos.
Em um dos artigos que fiz sobre a tragédia no Atlântico, comentei que o piloto do A330 teve de realizar procedimentos de emergência que dependiam de consulta a um manual.
Em apenas uma das operações listadas nos ACARS (mensagens automáticas do computador para o centro de operações), sanar a pane exigia a leitura de quatro páginas.
Como elas se multiplicaram, nada pôde ser feito. No Relatório dos militares sobre o caso de Congonhas há uma menção à dificuldade de consultar o manual do A320, especialmente em voo.
Os investigadores não descobriram, no entanto, o essencial: a razão pela qual a manete da turbina com o reverso operacional ter ficado na posição CL (de climb, subir). Em um acidente similar que já relatei aqui, nas Filipinas, o acelerador estava apenas dois graus acima do ponto Idle (morto). Mas a conclusão reforça de novo um problema de projeto, por levantar a possibilidade de o computador não ter sido informado da discrepância entre os dois aceleradores.
Até pode ter sido, mas o equipamento foi desenvolvido para proteger os parâmetros de voo. E o fez, mantendo o jato com sustentação mesmo na pista. É o caso de se perguntar então: o que define essa escolha dentro do software? A parte governamental da responsabilidade, para mim, é a novidade.
Se o aeroporto não estava homologado para receber um jato naquelas condições e mais de um ano antes a administração tinha sido alertada formalmente, então, quem permitiu entra na lista de réus. A falta de área de escape, a princípio um problema insanável, foi resolvida com uma medida simples: a redução da área útil da pista em 300 metros.
Com isso, o cálculo de peso máximo permitido foi alterado para baixo, melhorando a segurança. Peso era outro fator crítico, já que o PR-MBK havia decolado lotado de Porto Alegre e ainda seguiria para Belo Horizonte sem previsão de reabastecer em São Paulo."
FONTE: artigo de Marcelo Ambrosio publicado hoje (01/11) no Jornal do Brasil.
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