sábado, 17 de abril de 2010

O PNDH PRETENDE MAIS PARTICIPAÇÃO POPULAR

"Ministro da Secretaria de Direitos Humanos nega que programa com propostas para vários setores da sociedade vá enfraquecer o Legislativo ou mudar o atual sistema político do país.

Essa, segundo o ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, é a intenção da terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).

Em entrevista Estado de Minas ele comenta a série de reportagens sobre o programa publicadas esta semana no "O Estado de Minas" (EM), Vannuchi afasta as críticas de que o PNDH seja uma tentativa de alteração do sistema de governo vigente para modelos mais próximos a democracias parciais, como a venezuelana.

Ele nega que o programa tenha a intenção de enfraquecer o Legislativo ou altere cláusulas pétreas da Constituição, conta os bastidores da crise que eclodiu no governo, com os protestos ao plano pelo ministro da Defesa Nelson Jobim, e afirma: o PNDH é apenas um reflexo de recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) e pretende ampliar a participação popular no país.

A principal crítica feita por juristas, parlamentares e integrantes de associações representativas ouvidos pelo Estado de Minas foi o fato de que o PNDH fere artigos pétreos da Constituição. O senhor concorda com a afirmação?

Muito pelo contrário. O programa é absolutamente constitucional. Estamos pedindo que a Constituição seja mais respeitada. Estamos pedindo respeito ao artigo 5º, rigorosamente ainda violado e desrespeitado. O programa foi detalhado sem nenhuma intenção de colocar um pouquinho de Chavismo aqui. Esses fantasmas são muito comparáveis aos de 1964, em que o discurso era a exatamente esse: “O Brasil está caindo nas mãos do comunismo”.

Em outras palavras, o plano não pretende mudar o regime de governo brasileiro atual?

Isso é preconceito. É crítica ideológica de quem faz, atribuindo ideologias ao outro. Sou um intelectual de intermediação. É tolice achar que fazer conferência é propor a democracia direta contra a democracia representativa. Pelo contrário. As conferências e o PNDH são um instrumento muito forte de trazer para a disputa democrática, queremos projetos de lei, não vamos fazer a disputa por vias não institucionais. Na Colômbia, isso vira Farc e não vai para lugar nenhum. E o ciclo da luta armada é o ciclo de outra era, de um mundo de acabou. Agora é um mundo da afirmação dos direitos humanos da democracia e da disputa democrática.

O plano não prevê o Legislativo passando a prerrogativa de convocar plebiscitos ao Executivo, o que seria uma característica da democracia delegada?

A esquerda durante longo período teve rejeição à ideia da representação, por entende-la como foram os primeiros parlamentos, como o inglês, formados por grandes donos de terras. O surgimento do PT, com o Lula, é a esquerda que se afasta dessa posição leninista dos sovietes. Aderimos todos à visão de luta institucional, parlamentar. O PNDH pretende mais participação popular. Em 22 anos de Constituição, houve duas consultas apenas, o plebiscito para decidir sobre parlamentarismo ou presidencialismo e o referendo de armamento em 22 anos. A concepção da ideia é de que o parlamento, já que fez só dois, então não quer. Por isso, o uso do termo “desbloqueio”. Não tem nada de Chavismo. Nosso caminho é outro. É o da valorização do parlamento. A grande aposta estratégica e política do governo Lula nesse momento é ampliar as bancadas parlamentares todas.

O PNDH enfraquece o Legislativo?

O programa é um longo processo democrático que não ameaça a Constituição, não ameaça o Legislativo. Pelo contrário, ele oferece ao Legislativo apenas uma chance de, se quiser, colocar em prática, porque ele é absolutamente soberano para decidir o que é lei e o que não é. Isso não é lei. Um programa pode se cumprir em 50% ou em apenas 20%. Nenhum da história foi 100% cumprido. E são recomendações, mas ele foi recebido pelos críticos como se fosse um conjunto de leis.

O fato de o PNDH ter sido criado por meio de decreto presidencial e de o governo ter a maioria no Congresso, hoje, não é um risco de ele ser, de certa forma, imposto?

É uma base absolutamente heterogênea. O Lula tem grandes dificuldades para aprovar os projetos do governo. O governo queria aprovar o pré-sal antes do Natal, era questão de honra. Estamos no meio de e ainda não votou. O governo apoia a aprovação da PEC 438 que tramita há 15 anos sobre o trabalho escravo, e não aprova. A vontade do Legislativo é absolutamente soberana. Quem fez o programa sabe que nada nele é garantia de nada. Tudo que ele pretende é propiciar o debate e levar o governo a se posicionar a favor disso ou daquilo.

Uma das críticas mais fortes ao PNDH é que ele se refere a pontos que, ao menos à primeira vista, não se relacionam com direitos humanos. O próprio ministro da Defesa Nelson Jobim criticou a abordagem do agronegócio. Qual a visão do senhor?

Há um problema de recorte, mas esse é um problema tema, não é um erro. Discutir direitos econômicos, não é falar de renda básica e cidadania. São os direitos do trabalho, a questão de insalubridade, condições de trabalho, jornada de trabalho entra, previdência, o direito a terra. Todos esses pontos estão alinhados com as recomendações dadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) de tempos em tempos.

A que o senhor credita as reações ao plano, vindas inclusive do próprio governo?

Sustento que essa reação não se prende ao texto do programa. Ela resulta do fato de haver uma fissura, Defesa e Direitos Humanos, PMDB e PT no governo. Eu, como um ministro ocasional, mas 30 anos assessor do Lula. O Jobim, com a força de quem foi ministro da Justiça do Fernando Henrique Cardoso e presidente do Supremo. Evidentemente é um cenário político de uma imprensa profundamente crítica ao governo Lula. Os partidos de oposição vislumbraram a oportunidade que é ideal.

Mas o ministro Jobim chegou a colocar o cargo à disposição do presidente Lula por causa da criação de uma Comissão da Verdade que, segundo ele, poderia se tornar uma caça às bruxas?

Ele já reformulou isso. Na semana passada ele voltou a fazer críticas ao programa, mas reconheceu que o que houve foi uma dificuldade de comunicação. O único ministério onde houve discordância foi no da Defesa e não foi tão grande quanto se criou a impressão. Trabalhamos juntos naquela redação. Na última hora houve um trecho que era “repressão política”. O presidente bateu o martelo comigo, relatou ao Jobim e recebeu o pedido de colocar “repressão e conflitos políticos”. O que não teria o menor problema, só que o presidente viajou para Copenhague e essa orientação chegou quando o PNDH já estava impresso, com a assinatura dos ministros etc. Não havia a menor condição de corrigir tudo isso. Avisei o presidente e o Jobim que não daria tempo de mudar o texto. Foi aí que houve a crise. Mas isso foi contornado em janeiro, quando o presidente fez outro decreto criando o grupo de trabalho para o anteprojeto.

Por que criar uma Comissão da Verdade?

Porque tem gente que até hoje afirma que não houve ditadura ou mesmo tortura. Os generais Nilton Cruz e Leônidas, por exemplo, disseram isso outro dia. Eu prezaria mais se eles dissessem, por isso, “como vocês iam enfiar o Brasil em uma ditadura comunista, que acaba com a família e a propriedade, a tortura foi necessária”. Mas eles dizem: não houve tortura.

Quais os benefícios da criação dessa comissão?

Talvez o maior beneficiário disso sejam as Forças Armadas. Mais do que quem perdeu alguém porque para eles a dor é irreparável. Mas, para as Forças Armadas, isso tira o peso do ranço pela instituição. O julgamento político do regime a Constituição já fez. É a democracia que triunfou ali, então o regime está julgado. Está feita a transição. E nós não estamos com o olho no retrovisor, estamos com o olho para frente. Queremos um país aplaudindo as Forças Armadas, que eu elogio pela sua presença no Haiti, por exemplo. Aquilo é defesa dos direitos humanos. Para que continuar para o resto da vida com um negócio que provavelmente não envolve ninguém na cadeia?

Muito se fala em minorias no programa. Isso não seria um preconceito às avessas com a elite?

O rico e o branco têm todos os direitos da Constituição e têm mecanismos capazes de fazer valer. Uma conferência de direitos humanos necessariamente prioriza segmentos vulneráveis, aqueles cujos direitos são iguais aos dos ricos. Nesse sentido, é evidente que o PNDH vai ouvir movimentos que se articulam nessa área. E quem se articula nessa área são os índios, negros, ciganos, quilombolas etc. A elite branca não é discriminada porque no PNDH não há nenhuma formulação que possa ser caracterizada assim. Criou-se uma paranoia de interpretação. O que estamos dizendo lá é o discurso dos direitos humanos. Onde for pauta de direitos humanos as minorias estarão sempre centradas.

O senhor chegou a reconhecer que alguns pontos seriam revistos. Por que esse retrocesso?

Ele não é um programa perfeito, reconheço que tem problemas, tem erros. Mas ele não tem 21 ações, são 521. Há um enorme consenso na área da criança e do adolescente, pessoas com deficiência e alguns dos temas homossexuais. A união estável entre pessoas do mesmo sexo é um debate que precisa ser feito. As empresas já têm feito, o Judiciário está emitindo decisões. Se aquelas forças contrárias tiverem maioria no parlamento, não adianta que não vai ter lei e pronto. E nós vamos nos curvar à disputa, mas vamos a cada dois anos apresentar a lei. E a minha experiência é que deve acontecer o mesmo que houve com o divórcio. No início é polêmica, com o tempo, acaba sendo aprovado."

FONTE: entrevista de Daniela Almeida com Paulo Vannuchi, Ministro da Secretaria de Direitos Humanos, publicada hoje (17/04) no jornal "O Estado de Minas".

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