sexta-feira, 30 de abril de 2010

INDÚSTRIA: "NÃO ESTAMOS ACOSTUMADOS A CRESCER TÃO FORTE"

“Não estamos acostumados a crescer de maneira tão forte e disseminada”

Indústria acelera recomposição de mão de obra e produção em março

A recomposição da mão de obra perdida e da produção desativada durante a crise mundial se acelerou. Depois de registrar crescimento marginal nos primeiros dois meses do ano, a produção da indústria deu um salto de 23,8 pontos percentuais entre fevereiro e março. Em relação ao emprego, todos os setores criaram postos de trabalho. Os resultados de produção e emprego na indústria nos primeiros três meses do ano foram os melhores desde o terceiro trimestre de 2004, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O indicador de produção industrial calculado CNI alcançou 62,9% no mês passado, em franca aceleração se comprado aos 49,2% e 50,8% apurados em janeiro e fevereiro, respectivamente. Segundo a CNI, os empresários estão otimistas quanto a sustentação do crescimento da produção e da contratação de mão de obra. Mesmo pontos negativos, como a redução do saldo comercial devido ao desembarque de mercadorias mais acelerado que os embarques, não assustam os industriais. De acordo com a CNI, os empresários estão confiantes com a recuperação da demanda externa.

A forte aceleração da indústria, no entanto, não ocorre sem problemas.

A preocupação com a falta de trabalhador qualificado aumentou pelo quarto trimestre consecutivo, passando de 20,3%, entre as principais queixas da indústria, no primeiro trimestre de 2009, para 23,7%, entre janeiro e março deste ano. “O problema da mão de obra qualificada já entrou na agenda da indústria, e é um problema que vai se intensificar ao longo do ano, conforme o crescimento da indústria e da economia como um todo se consolida”, afirma Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Isso fica mais claro na construção civil, mas passa por quase todos os setores. Não estamos acostumados a crescer de maneira tão forte e disseminada”, avalia.

Para o economista, a qualificação da mão de obra será tema determinante para assegurar crescimento elevado no Produto Interno Bruto (PIB), “da ordem de 6% ou 7%”, além de 2010, ano em que, de acordo com Almeida, “uma alta forte está garantida”.

A demanda superior à oferta de mão de obra qualificada tem impacto nos custos das empresas, que passam a oferecer salários maiores. Reportagem do Valor publicada no dia 19 mostrou que o custo da mão de obra atingiu, nas primeiras semanas de abril, o mais alto patamar desde julho de 2004.

Naquele ano, o PIB elevou-se em 5,7% e a indústria de transformação gerou saldo líquido de 504,6 mil postos de trabalho formais, o melhor resultado da década, superior, inclusive, aos cerca de 400 mil postos criados em 2007, quando o PIB cresceu 6,1%. Agora, o mercado trabalha com expansão de 6% para o PIB de 2010, e, apenas nos primeiros três meses do ano, a indústria já criou 204,4 mil vagas – o equivalente a 40,5% do auge de 2004.

As comparações não terminam aí. Em 2004, devido à forte expansão da demanda, interna e externa, as expectativas inflacionárias – expressas no boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central – iniciaram trajetória de alta, ao mesmo tempo em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) descolava-se da meta perseguida pelo Banco Central. O BC passou a apertar a política monetária – os juros passaram de 16% ao ano, em 2004, a 19,75% ao ano, em 2005.

“Estamos vivendo situação parecida, em 2010, com a que tivemos em 2004 e também 2008″, avalia Bernardo Wjuniski, economista da Tendências Consultoria Integrada. Antes da explosão das turbulências mundiais, em setembro de 2008, a atividade crescia fortemente, a taxas de 6% ao ano, com rápida absorção de mão de obra e incremento elevado da demanda doméstica. O BC, naquele ano, elevou a taxa Selic, a partir de abril, por seis meses. “A crise desarticulou as pressões inflacionárias de 2008, porque, de outra forma, era o BC atuando mais uma vez para conter os excessos”, avalia.

A alta verificada no IPCA nos primeiros três meses deste ano – tendo acumulado 46% da meta perseguida pelo BC para o ano fechado – e os primeiros sinais de gargalos de mão de obra especializada, ligaram o radar do mercado, que elevou as expectativas de inflação por 14 semanas consecutivas. O BC iniciou ontem o aperto monetário, ao elevar a Selic em 0,75 ponto percentual. “Não há garantia de que a indústria pode atender à demanda, que cresce em ritmo chinês”, avalia Wjuniski.

Segundo avalia o economista, a “estrutura institucional brasileira” estimula o consumo. “Já provamos que o mercado interno é forte e capaz de sustentar o crescimento. Nosso limitador não é a demanda, mas a oferta”, diz."

FONTE: reportagem de João Villaverde publicada no jornal VALOR Econômico e postada no blog de Luis Favre [título e negritos colocados poe este blog].

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