terça-feira, 27 de abril de 2010

BRASIL E ARGENTINA NÃO PRECISAM DE BOMBA ATÔMICA PARA BRIGAR, POIS JÁ TEMOS SERRA


SERRA ATIROU E ARRASOU, COM POUCAS PALAVRAS, A CONSTRUÇÃO DE SÓLIDA E PROFÍCUA RELAÇÃO BRASIL-ARGENTINA

Suas palavras contra o Mercosul expressas durante sua campanha em 2002 e recentemente repetidas com o tradicional grande destaque na mídia, são, no âmago, pró-ALCA e em benefício dos EUA, seguindo a linha tucana. Foram arrasadoras para a sólida e construtiva integração que vinha sendo construída entre Brasil e Argentina nos últimos anos.

A seguir, texto de Enio Cordeiro, embaixador do Brasil em Buenos Aires:

"Brasil e Argentina: relação intensa

Todo país precisa cultivar relações harmônicas com seus vizinhos. Essa é a 1ª condição da paz.

O setor privado do Brasil e da Argentina criou uma densa rede de negócios mostrando que há muito mais integração entre as duas economias do que parece.

A relação estratégica entre o Brasil e a Argentina é certamente a mais intensa, a mais profunda e a mais antiga de nossa história diplomática.

O grau de confiança alcançado nas relações bilaterais permitiu aos dois países projetar uma visão comum de integração regional, que ganhou densidade no âmbito do Mercosul e da Unasul.

A integração é o ponto de partida para o fortalecimento de nossa presença no mundo.

Sem articulação de interesses no âmbito regional é necessariamente menor a capacidade de participação e de influência de qualquer país no tratamento dos diferentes temas da agenda internacional.

Ao mesmo tempo, todo país precisa cultivar relações harmônicas com seus vizinhos.

Essa é a condição primeira da paz. Brasil e Argentina cultivam, por isso, uma visão regional de seu projeto de desenvolvimento econômico e social.

Integrar-se é organizar a vizinhança em torno de um projeto comum, agregando às relações bilaterais uma nova dimensão com base nas realidades próprias da vizinhança. Esse propósito determina, na política externa, o múltiplo desafio de atuar simultaneamente na intensificação das relações bilaterais com os países vizinhos, no fortalecimento do Mercosul, na construção da Unasul, e na articulação de iniciativas de concertação política e de cooperação entre os países da América do Sul, da América Central e do Caribe.

As ideias-força do processo de integração sul-americana são: 1) promoção do diálogo e concertação política como instrumento para a solução de conflitos e para assegurar a estabilidade institucional e democrática; 2) integração econômica e comercial para a promoção de prosperidade comum; 3) integração da infraestrutura física de transportes, energia e comunicações; 4) integração cidadã, especialmente no que se refere à liberdade de circulação e facilitação de residência; e 5) integração fronteiriça, que apoie a transformação das zonas de fronteira em polos de desenvolvimento e aproximação.

Em todos esses campos cabe destacar a centralidade da relação Brasil-Argentina. O entendimento bilateral é o eixo central a partir do qual se projetam, em círculos concêntricos, os demais âmbitos de articulação regional. No plano multilateral, Brasil e Argentina alcançaram, nas últimas décadas, uma ampla convergência de posições no tratamento dos temas da agenda internacional.

As posições divergentes, quando existem, não turvam a relação bilateral. A diferença mais visível, no plano político, diz respeito à reforma do Conselho de Segurança. No momento em que a reforma seja possível, Brasil e Argentina terão de encaminhar adequadamente essa diferença. Outro tema está ligado à intrusividade dos instrumentos de verificação em matéria nuclear. Brasil e Argentina entendem, no entanto, a necessidade de continuar atuando conjuntamente nessa questão. Nas negociações comerciais da OMC, as posições argentinas tendem a ser mais defensivas em bens industriais.

No plano bilateral, há uma perfeita fluidez de diálogo em todas as áreas, com reuniões frequentes em nível presidencial e ministerial, que asseguram acompanhamento adequado e impulso político aos grandes projetos de cooperação bilateral.

O Brasil e a Argentina estabeleceram importantes projetos de cooperação em setores estratégicos, incluindo a área nuclear, espacial, biotecnologia, nanotecnologia, indústria aeronáutica, naval, indústria de defesa, infraestrutura, integração energética, comunicações e TV digital, integração financeira e pagamentos em moeda nacional.

Ressalta no quadro das relações bilaterais a importância recíproca e profundidade da parceria econômica. O setor privado estabeleceu uma densa rede de negócios entre os dois países, o que permite seguramente afirmar que há muito mais integração entre as duas economias do que normalmente transparece.

Os investimentos de empresas brasileiras na economia argentina já totalizam em 2010 um valor acumulado de mais de US$ 9,5 bilhões em setores que incluem a exploração, transporte e distribuição de petróleo e gás, a construção civil, produção de cimento, indústria têxtil, frigoríficos, indústria de alimentos, exploração de minérios, setor automotivo, bancos, transporte aéreo, logística, cosméticos e informática. Empreiteiras brasileiras vêm ocupando espaço crescente nas obras de infraestrutura com o benefício de financiamentos do BNDES. Por sua vez, os investimentos de empresas argentinas na economia brasileira alcançaram um total de US$ 3,5 bilhões.

O comércio bilateral cresceu de US$ 7 bilhões em 2002 para quase US$ 31 bilhões em 2008 (4,5 vezes em 6 anos!). Ressalta a qualidade e diversificação desse intercâmbio, cujo crescimento é alimentado pela maior demanda de bens de consumo e bens de capital nos dois países. A Argentina importa do Brasil um terço de suas importações. No sentido inverso, a Argentina exporta para o Brasil um quinto das suas exportações. Os produtos manufaturados constituem 95% das exportações do Brasil para a Argentina e 85% das exportações da Argentina para o Brasil. O setor automotivo representa um terço do intercâmbio bilateral. O Brasil tem absorvido, nos últimos anos, 60% da produção de automóveis na Argentina. Em 2009, de cada 10 veículos exportados pela Argentina, 9 destinaram-se ao mercado brasileiro.

Em 2009, o comércio bilateral sofreu o impacto adverso da crise internacional e caiu cerca de 24% em consequência de uma redução da produção e demanda nos dois países e da adoção de medidas restritivas como a imposição de licenças não-automáticas de importação. Os primeiros três meses de 2010 apontam, no entanto, para uma recuperação anualizada da ordem de 50%, o que permite supor que será superado neste ano o valor do intercâmbio alcançado antes da crise.

Esse é o quadro geral em que se desenvolvem as relações bilaterais.
Os dois países construíram uma sólida aliança estratégica e as dificuldades pontuais, de natureza estritamente comercial, refletem a própria intensidade do relacionamento.

Numa aliança estratégica, as diferenças devem ser tratadas com naturalidade. O importante é que encontrem canal institucional para serem resolvidas.

O que interessa aos dois Governos é preservar a qualidade política da relação e trabalhar pelo seu aprofundamento e aceleração. Para isso, o importante é administrar com serenidade as dificuldades conjunturais e momentâneas, sem desviar da direção estratégica.

Muito mais do que a fotografia de qualquer momento específico, o que importa é o quadro mais amplo dos interesses de longo prazo, que apontam para a necessidade de aprofundar cada vez mais o entendimento político e a integração produtiva entre os dois países."

FONTE: escrito por Enio Cordeiro, embaixador do Brasil na Argentina, publicado no jornal Valor Econômico e postado no blog de Luis Favre [título e introdução inseridos por este blog].

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