terça-feira, 28 de setembro de 2010
‘TUDO PRONTO PARA A NOVA ETAPA’
“Para o economista Makhtar Diop, do Banco Mundial, Brasil e México já avançaram o suficiente para ligar os beneficiados da transferência de renda ao mercado formal. No caso brasileiro, o crescimento da renda por trabalho teve um peso crucial
ENTREVISTA
O Brasil é hoje uma referência internacional em redução de pobreza. Agora, com o Bolsa Família já maduro no País, os programas precisam entrar em uma nova fase – estimular a entrada das pessoas no mercado de trabalho, aumentar a qualidade da educação e da saúde e oferecer acompanhamento para crianças de um a cinco anos. Esse é o diagnóstico de Makhtar Diop, diretor do Banco Mundial para o Brasil.
O senegalês Diop está no Brasil desde janeiro de 2009. Antes disso, ele foi diretor do Banco Mundial no Quênia e diretor de políticas da entidade para a América Latina e Caribe, com vasta experiência em programas de redução de pobreza. “O Brasil está entre as referências mundiais em programas antipobreza”, diz Diop.
Agora, vem o próximo desafio. “Brasil e México já estão maduros, prontos para uma nova etapa. Para começar a ligar os programas de transferência de renda ao sistema de previdência social, inserir as pessoas no mercado de trabalho formal.” Abaixo, trechos da entrevista.
Como o senhor avalia o desempenho dos programas de redução de pobreza no Brasil?
O Brasil teve uma redução significativa na pobreza. Em 2001, os pobres eram 38,7% da população – em 2009, esse índice caiu para 25,3%. A camada mais pobre da população caiu pela metade – eram 17,4% em 2001, e passaram para 8,8%. Além disso, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade (quanto mais próximo de 1, mais desigual), saiu de 0,586 em 2001 para 0,550 em 2010. O coeficiente de GINI sempre leva muito tempo para cair, então essa redução impressiona. Em geral, a renda per capita cresceu, mas a renda dos 10% a 20% mais pobres cresceu muito mais rapidamente que a renda dos 10% mais ricos – reduzindo a desigualdade. O Brasil ainda é um país muito desigual. Mas o rumo e a tendência têm sido muito bons. O País está a caminho de cumprir vários Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, como erradicar pobreza extrema e fome até 2015, educação primária universal, igualdade de gênero.
A que se pode creditar mais o sucesso de retirar essas milhões de pessoas da pobreza? A programas como o Bolsa-Família ou ao crescimento da renda por trabalho e o aumento real do salário mínimo?
Esse é um tema muito discutido entre economistas e há diferentes maneiras de medir. A grosso modo, dizemos que 50% vêm das transferências do governo e 50% do crescimento.
Como se compara o Bolsa-Família com outros programas de transferência de renda, como o Solidario no Chile e o Oportunidades do México?
O Bolsa-Família é o maior programa e conseguiu dobrar o número de famílias beneficiadas, de cerca de 6 milhões para 12,4 milhões. O programa brasileiro é muito bom, atingiu um bom grau de focalização – o de fazer o dinheiro chegar, regularmente, às mãos das pessoas certas. Uma das vantagens foi que o Bolsa-Família teve êxito em unificar e racionalizar os programas que existiam antes, como Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Vale Gás.
Há um critério para se comparar a eficiência dos programas do Brasil, Chile e México?
A magnitude é muito diferente. No Brasil, são 12,4 milhões de famílias beneficiadas, é mais que a população inteira do Chile (17 milhões de pessoas). Além disso, há muito mais avaliação do programa do México (que começou como Progresa). Estamos reforçando os métodos de avaliação no ‘Bolsa Família 2’. Um ponto a ser melhorado no Bolsa-Família é ligar mais o programa ao mercado de trabalho, o Oportunidades, mexicano, já está pensando nisso.
Como se poderia facilitar essa transição, da dependência do Bolsa-Família para a entrada no mercado de trabalho?
Precisamos racionalizar os programas de assistência do governo e ver como eles podem funcionar mais como incentivo para o mercado de trabalho. Uma das coisas a se fazer é dar incentivos para as pessoas saírem do setor informal da economia e passarem para o setor formal, e assim ajudá-las a serem incluídas no sistema de previdência social. Antes havia muita resistência em se passar para o setor formal, por causa dos impostos. Mas agora há o incentivo do crédito, trabalhadores formais têm maior acesso ao crédito.
O que deveria ser aperfeiçoado na próxima fase do Bolsa-Família?
Não posso antecipar muito, porque é um estudo que estamos finalizando agora. Mas devemos atuar na oferta de treinamento técnico e incentivos para empresas contratarem essas pessoas. Precisamos melhorar a oferta de escolas técnicos e ligá-la às pessoas acabando escola secundária.
O que mais poderia ser melhorado no programa no Brasil?
Nossa principal preocupação para o futuro é como esses programas vão afetar a produtividade da economia no longo prazo, se não for ligado ao mercado de trabalho. Precisamos trabalhar essa transição para pessoas saírem do programa, não ficarem em situação permanente de receber dinheiro do governo. O segundo desafio se relaciona a intervenção na primeira infância. Estudos mostram que, quando não há educação entre as idades de 1 a cinco anos, fica muito mais caro o investimento no capital humano. É preciso trabalhar com o governo para ligar melhor a transferência de renda a programas de primeira infância.
O que isso incluiria, ir mais frequentemente ao pediatra ou ter acompanhamento de serviços sociais?
Não temos um desenho específico. No Rio, por exemplo, a mãe deixa a criança na creche. No Rio Grande do Sul, assistentes sociais vão às casas das pessoas. Estamos observando para ver o que funciona melhor. Talvez uma combinação dos dois. Outro desafio acontece no lado da oferta, a qualidade do serviço oferecido. No Brasil, uma vez resolvida a questão de cobertura, o acesso, a grande questão é a qualidade. Tanto em escola como saúde, é preciso assegurar que uma pessoa nascida no sertão do Ceará tenha acesso ao mesmo tipo de qualidade de serviços de alguém nascido no Leblon.
A porta de saída desses programas não está bem resolvida no Brasil?
Essa é uma questão de segunda geração que se está tentando abordar. O objetivo imediato é tirar as pessoas da pobreza e fazer com que tenham acesso a serviços como saúde e educação. Agora, vem a segunda fase. Brasil e México já estão maduros para ligar os programas de transferência de renda ao sistema de previdência, inserir as pessoas no mercado de trabalho formal. Países que chegaram muito tarde aos programas de transferência de renda, na América Central, ainda não estão nessa fase.
No mundo de hoje, quais países são bons exemplos em termos de programas de redução de pobreza?
Pergunta difícil. Eu recebo muitos pedidos de colegas, diretores do Banco em outros países, que querem aprender com o programa brasileiro. O Bolsa-Família atrai muita atenção internacional. O Brasil está entre as referências mundiais em programas antipobreza. Mas não podemos nos esquecer de que boa parte da redução da pobreza vem do crescimento. É muito importante continuar com crescimento sustentado, porque a receita do governo depende disso, assim como a sustentabilidade fiscal.”
FONTE: entrevista com Makhtar Diop, economista do Senegal, diretor do Banco Mundial para o Brasil desde janeiro de 2009. Conduzida por Patrícia Campos Mello, do jornal “O Estado de S.Paulo”. Transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/09/tudo-pronto-para-a-nova-etapa/).
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