quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

RESPOSTA A LEITOR SOBRE “INTENÇÃO DE DENEGRIR O JOBIM”


                       O forte e corajoso guerreiro

Recebi o comentário abaixo do leitor Iurikorolev, que há muito tempo contribui para este blog democracia&politica com observações pertinentes que agregam boa informação a temas aqui postados. Transcrevo:

Tenho notado uma certa intenção de denegrir o Jobim.

Conheço pouco dos bastidores de Brasília, mas penso que o Presidente Lula, uma pessoa muito inteligente, não colocaria nessa pasta uma pessoa vendida (muito menos a Dilma).

Além disso, Jobim soube direcionar a reestruturação da Defesa do Brasil segundo os interesses tecnológicos nossos, o que contraria grande parte da cúpula das Forças (que pouco se importa com nosso desenvolvimento tecnológico: só quer o equipamento).

Outra coisa: foi o primeiro civil que soube lidar bem com os militares
”.

Sobre o comentário acima, este blog tece algumas considerações.

Confesso que não tenho grande admiração pelo Sr. Jobim. Alguns preconceitos, subjetividades e fatos me levam a pensar assim.

O preconceito vem da biografia excessivamente tucana, ou tucanófila, do ministro. Inclusive, ele é amigo íntimo de José Serra. Dividiam o mesmo apartamento em Brasília. Serra foi padrinho do último casamento de Jobim. O velho ditado: “diga-me com quem anda e lhe direi quem é”.

Também, para mim ele parece ter exagerado egocentrismo, superego, vaidade. É julgamento subjetivo, mas alguns eventos caricaturam sua supervaidade. Cito fotos dele em manchetes de jornais tucanos, em destaque, bem no alto de escada “Magirus” dos bombeiros, “analisando” os destroços do avião da TAM em Congonhas, dias depois do desastre; outras fotos em uniforme de general combatente, enfrentando enormes cobras e onças na Amazônia; muitas outras criaram essa minha impressão.

Alguns episódios foram tristes e decepcionantes. Exemplifico dois.

O quase início de “impeachment” de Lula por conta de estranha denúncia de Jobim e do senador Demóstenes Torres do DEM divulgada na “Veja” de que teriam sido vítimas de ilegal “grampo” telefônico de interesse do governo, sendo, segundo ele, a ABIN suspeita por ter adquirido equipamentos especiais de escuta com capacidades necessárias para o “grampo” que denunciaram. Aquilo causou escândalo, imenso escarcéu contra Lula na imprensa. A oposição se refastelou, feliz e agradecida a Jobim. Contudo, todas as investigações feitas pela Polícia Federal demonstraram que o tal “grampo” não existiu e a ABIN não tinha tais equipamentos.

Outro fato foi recentemente vazado pelo “Wikileaks”. Jobim, estranhamente, confidenciou para o embaixador dos EUA suas posições contrárias à política externa de Lula conduzida pelo Itamaraty. Criticou diplomatas brasileiros e o Ministro para Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, por não terem posições de acordo com interesses estadunidenses. Confidenciou, também, outros assuntos segredo de Estado, como a suposta doença grave de Evo Morales, malquisto pelo confidente interlocutor norte-americano de Jobim. O embaixador, obviamente, informou essas revelações de Jobim para o governo dos EUA e o “Wikileaks” as trouxe a público.

Iurikorolev, concordo com você quanto ao ex-presidente Lula e a presidenta Dilma serem inteligentíssimos. Isso, de certa forma, me tranquiliza. Tenho grande esperança e acredito que eles vislumbraram maneira de contornar esses aspectos negativos de Jobim e, numa balança com outras considerações, sabem que encontrarão resultado final positivo.

Acho injusta a sua colocação de que o atendimento de “interesses tecnológicos nossos”, como você julga que o ministro Jobim atende, contraria grande parte da cúpula das nossas Forças Armadas “que pouco se importa com nosso desenvolvimento tecnológico: só quer o equipamento”.

Discordo. As nossas Forças Armadas, histórica e felizmente, nunca tiveram essa característica como predominante. Ao contrário. Elas nisso diferem da maioria dos outros países.

Para não me estender muito, dou somente alguns exemplos.

Para desenvolver nossa capacidade tecnológica, a Força Aérea Brasileira – FAB, em grande parte com seus próprios recursos, sacrificando a simples aquisição no exterior dos meios de defesa aérea do Brasil, concebeu, construiu e capacitou industrial e tecnologicamente, em três décadas, a EMBRAER, para que ela estivesse em condições de fornecer aqueles meios de defesa. Por conta dessa postura, a FAB tem hoje quase total dependência da empresa. A FAB assim agiu em consonância com a Constituição. A Lei Complementar nº 97 determina a contínua redução da dependência externa das nossas Forças Armadas.

Dentro desse exemplo, um fato inicial. O avião “Bandeirante” foi totalmente desenvolvido pelo CTA (da FAB), despendendo pouco mais de uma dúzia de milhões de dólares. Já desenvolvido, para construí-lo em série, foi criada e implantada em 1969 a EMBRAER, praticamente com o esforço e elevados recursos financeiros, patrimoniais e humanos da FAB e do seu CTA em São José dos Campos-SP (hoje Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial). O avião veio a ser sucesso, com quinhentos exemplares vendidos. Foi o principal sustentador, em todo o mundo, do início da aviação regional. O investimento feito pela FAB para projetar e desenvolver aquela aeronave gerou fluxo de caixa em divisas para o Brasil (não para a FAB, nem para o CTA) equivalente na época a mais de dois e meio bilhões de dólares, milhares de empregos de alto nível por mais de dez anos e espraiamento tecnológico, agregando valor em várias outras indústrias brasileiras.

A EMBRAER, graças aos pesados pagamentos contratuais feitos pela Aeronáutica especificamente para esse fim, também sempre era expandida e elevada de nível tecnológico e industrial, para ser cada vez mais capaz de projetar e produzir em série as aeronaves a ela encomendadas pela FAB. Foi com grande sacrifício financeiro, patrimonial (terrenos e edificações) e de pessoal da Aeronáutica (principalmente do CTA, a ela contíguo) que a EMBRAER cresceu física e tecnologicamente.

Tudo isso às custas da União/Aeronáutica e em benefício do desenvolvimento tecnológico brasileiro, e igualmente em detrimento da simples compra no Exterior de equipamentos e aviões de combate para a FAB, compra direta essa sempre julgada como última hipótese.

Na década de 90, os governos neoliberais de Collor e FHC propalavam que a empresa era uma tragédia para o Brasil por ser uma "estatal jurássica". Um fato que omitiam é que, desde o seu nascimento, em trinta e cinco anos de vida e mais de nove anos após a privatização, todos os milhares de aviões que a EMBRAER vendeu e entregou foram projetados e desenvolvidos na sua época de estatal brasileira vinculada à Aeronáutica. E até hoje ela usufrui da intensa e dispendiosa participação do CTA/FAB (projetos, laboratórios, ensaios, pista de pouso, homologação, aquisições iniciais. Participação essa, também, com os mais de 6000 engenheiros aeronáuticos e afins, de alto nível, formados num dos institutos do CTA (o ITA). Grande parte dessa mão-de-obra, reconhecida internacionalmente como de 1ª qualidade, tem sido aproveitada pela EMBRAER a custo zero de formação para a empresa.

Tudo isso não ocorreria se, conforme você escreveu ser diferentemente de Jobim, as nossas Forças Armadas pouco se importassem “com nosso desenvolvimento tecnológico: só querem o equipamento”.

Não sou contra a EMBRAER ter sido privatizada, pois, no inferno ao qual ela foi levada, a desestatização foi o mal menor. Medidas paralisantes haviam sido desencadeadas dois anos antes pelo governo Collor. Por exemplo: a empresa não mais recebia financiamentos oficiais para exportações; eram-lhe impostas severas restrições às viagens de seus integrantes ao exterior; não recebia autorização para demitir ou contratar ou aumentar salários; e muito mais estrangulamentos. Aqueles cerceamentos a estavam levando à morte. Ou ao tipo de privatização muito comum naqueles anos collorentos e demotucanos, isto é, por um preço extremamente baixo e pago com “moeda podre” ou com recursos do BNDES bem facilitados e sem as devidas garantias. Tudo “justo” [sic], natural e “transparente” em se tratando de empresa colocada em agonia final pré-falimentar. Assim pensavam os “modernos neoliberais” que conduziram o Brasil nos anos 90, e toda a grande mídia que intensamente os apoiava (e apoia ardorosamente até hoje).

Porém, ressalte-se um detalhe. Antes da festa já demotucana da “privatização” na BOVESPA, muito festejada na imprensa, a EMBRAER, mesmo moribunda e cada vez mais asfixiada, teimava em sobreviver e continuar líder do mercado mundial na sua categoria de aeronaves turboélice, tanto de treinamento (avião Tucano), como na faixa de 30 passageiros para a aviação regional (avião Brasília). E ainda terminara o desenvolvimento do jato ERJ-145, que veio a ser “best seller” com cerca de 1.000 aparelhos vendidos no mundo, e que sustentou e fez crescer a empresa por 10 anos após privatizada.

                                      ERJ-145

A desestatização da EMBRAER levou o controle brasileiro da empresa para a fronteira do risco à Segurança Nacional. Privatização é eufemismo... Foi estrangeirização. O principal controlador (disfarçado de “nacional”) da empresa passou a ser o banco “Bozano, Simonsen Privatisation Limited” com sede no paraíso fiscal das Bermudas-Caribe, conforme registrado no primeiro acordo de acionistas da empresa (de 24/07/1997). Essa entidade então tinha, como subsidiária integral, a também estrangeira “Scorpio Acquisition Company Ltd” com sede noutro paraíso fiscal caribenho, nas Ilhas Cayman. Ambos controladores com sua respectiva sede em território sob as leis inglesas.

Agravando aquele quadro de desnacionalização, houve no 2º governo FHC/PSDB/PFL a venda, em 1999, conduzida em segredo pelo citado banco Bozano, de ainda mais 20% do capital votante da EMBRAER para forte grupo controlado pelo Estado francês.

Qualquer reação contrária àquelas desnacionalizações de áreas estratégicas era ridicularizada até pelos governantes como “nacionalismo”, “patriotismo” retrógrado. Esses palavrões eram muito pejorativos na época. Para eles, no "novo mundo globalizado", não havia mais o mesmo sentido nos velhos conceitos de nação, pátria, fronteiras.

Hoje, fruto daqueles ditos “modernos governos neoliberais”, praticamente todas as ações ordinárias, que representam a propriedade, controle e dividendos da EMBRAER, estão em mãos estrangeiras.

Quadro esse frustrante para todos os brasileiros, militares e civis que ajudaram a construir aquela empresa para ser nacional e atender interesses estratégicos nossos.

Contribuíram muito para essa situação decepcionante tucanos e tucanófilos, como Jobim, Palocci e outros. Cito o Palocci, e ele deve se lembrar de sua atuação favorável na final e praticamente total passagem da empresa para estrangeiros. Foi na também eufêmica “reestruturação” da empresa no início de 2006, passagem dela para “avançada governança corporativa” [sic]. Ele era o Ministro da Fazenda na ocasião e foi, junto com a PGFN, favorável àquela jogada. Para mim, basta um empurrãozinho em Palocci para ele ser um perfeito tucano paulista.

Por fim, o último conceito por você mencionado. Sabemos que nossas Forças Armadas têm, historicamente, especialmente em suas cúpulas, forte viés de direita, demotucano e americanófilo. Muitos ainda temem “os comunistas de 1935” e “os guerrilheiros” que lutaram contra a ditadura. Não sei se, por isso, como você afirma, Jobim lida em harmonia com os militares.

FONTE: este blog

4 comentários:

iurikorolev disse...

Maria Tereza
Gostei da matéria, fiquei muito honrado.

1)Quando disse que "Jobim soube direcionar a reestruturação da Defesa do Brasil segundo os interesses tecnológicos nossos", me refiro a ajuda que ele deu na decisão sobre o submarino nuclear, rechaçando a Russia, que não queria repassar tecnologia.

2)Quando disse "o que contraria grande parte da cúpula das Forças (que pouco se importa com nosso desenvolvimento tecnológico: só quer o equipamento)", me reporto à declaração de um brigadeiro ex-diretor geral do CTA, que deveria defender a industria de defesa do Brasil, dizer que "o programa F-X
só servia para afagar o ego da engenharia nacional, e que um complexo industrial de defesa estaria fora da nossa realidade".

3) Quanto à sua relação com os militares, para mim deve-se à capacidade política e longa carreira do Jobim em Brasilia.

Realmente no campo dos "defeitos" o Jobim sempre teve a "habilidade" de estar próximo á cúpula do poder em Brasilia, independente de quem lá estivesse.

Mas Maria Tereza, democracia é saber lidar com as diferenças, nem todo mundo tem que ser petista, e nem os petistas são perfeitos...

Unknown disse...

Iurikorolev,
Obrigada. Compreendi melhor suas colocações.
Um esclarecimento: não sou petista, nem filiada a qualquer partido. Sou, sim, antidemotucanos, porque eles foram, no governo, muito mais antinacionais do que os petistas. Essa diferença, de eles terem sido antiBrasil, realmente não gosto, acho difícil lidar, por mais democrática que eu tente ser. Não tolero também quando a vejo em petistas, como em alguns que citei no meu texto.
Maria Tereza

Unknown disse...

Por acaso, sou assessor do Ministério da Defesa. O debate está interessante, mas não vou entrar nele. Apenas gostaria de enfatizar uma observação de iurikorolev: a necessiade de se conviver com as diferenças.

Acho que o grande trunfo do Presidente Lula, e que deve ser seguido pela Presidenta Dilma, é o de trabalhar com as convergências, e deixar na prateleira as divergências. Isso permitiu construir muita coisa.

Parabéns pelo debate respeitoso entre vocês.

Unknown disse...

José,
Tudo bem. É meu defeito. Para ser mais democrática, devo aprender a lidar melhor com as diferenças. Confesso que tenho resistências em aceitar a diferença de brasileiros que, com objetivos diversos, pessoais ou não, contrariam grandes interesses nacionais. Procurarei aperfeiçoar-me para tentar melhor aceitá-los e com eles convergir. Estudarei outros regimes democráticos. Porém, quais os países paradigmas? França? EUA? Certamente não, porque lá eles defendem ainda mais radical, patriótica e fielmente os interesses nacionais.
Maria Tereza