segunda-feira, 18 de abril de 2011
MÍDIA DO BRASIL É NÃO DEMOCRÁTICA
MÍDIA DO BRASIL TEM POSIÇÃO POLÍTICA NÃO DEMOCRÁTICA
Por Eliano Jorge, no Terra Magazine
“O nascimento da “Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular” está marcado para as 14h de terça-feira (19) [amanhã], no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados. Gestada desde abril de 2010, ela já possui o número mínimo de parlamentares, acima de 170, para existir.
Seus integrantes pertencem, majoritariamente, aos partidos da base aliada do governo federal e ao PSOL, embora não haja restrição a adesões de oposicionistas. Entre os coordenadores, está o deputado federal Emiliano José, do PT baiano, para quem "temos uma mídia profundamente concentrada nas mãos de poucas famílias".
Em entrevista a “Terra Magazine”, ele fala em "ampliar o leque de proprietários da mídia".
- “Não podem três ou quatro famílias ser as formuladoras da interpretação do Brasil sozinhas, critica. Queremos ampliar, e muito, a presença de vozes diversas na mídia para expressar a diversidade do Brasil”.
Também jornalista e professor licenciado da Universidade Federal da Bahia, ele afirma que "nossa mídia tradicional, o grupo central da mídia hegemônica do Brasil, tem posição política não democrática".
Argumenta que os veículos de comunicação ajudaram a derrubar o presidente Getúlio Vargas em 1954 e a se instalar a ditadura militar em 1964. E que os ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso tiveram seus programas apoiados por "grupos hegemônicos da mídia", enquanto Lula teria sido combatido.
- “A mídia hegemônica e central, no Brasil, sempre teve projeto político para o País. Qualquer projeto reformista, ela é contra”.
Emiliano José contesta, ainda, a existência de cobertura jornalística das eleições de 2010. "Não tem cobertura. Tem posição política", avalia. "Na campanha passada, essa mídia tinha um candidato (a presidente), que era o (José) Serra".
O parlamentar elogia o Plano Nacional de Banda Larga: "Absolutamente essencial, uma conquista da cidadania". E defende a regulamentação da mídia. "É necessária. Nos países democráticos, ela existe de maneira rigorosa. Quando se fala em regulação, se quer fazer correlação com censura, essas besteiras. Não tem nada a ver", opina.
Confira a entrevista:
Terra Magazine - O que significa, na prática, a democratização dos meios de comunicação, que é defendida pela “Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular”?
Emiliano José - Nossa Constituição prevê isso, mas não está regulamentada sobre o assunto. Não saiu do papel o Conselho de Comunicação, que está posto na Constituição e, em tese, existe. Está lá parado no Senado. Tudo isso indica pontos que deverão ser objetos da nossa preocupação na linha de regular os meios de comunicação. O governo tem um projeto, está nas mãos do ministro (das Comunicações) Paulo Bernardo, foi feito voltado para a área das telecomunicações, foi elaborado sobre a direção do ex-ministro Franklin Martins e deve ser enviado, esperamos que seja brevemente, para que nós examinemos, e creio que alcança esses aspectos a que estou me referindo, inclusive os eventualmente não regulamentados da Constituição.
Há evidência de que temos uma mídia profundamente concentrada nas mãos de poucas famílias. Essas famílias vão continuar, ninguém está querendo a exclusão de ninguém. Agora, queremos ampliar, e muito, a presença de vozes diversas na mídia para expressar a diversidade do Brasil, para garantir a pluralidade de vozes na cena midiática do País.
-Isso também se refere à farta distribuição de concessões de veículos de comunicação a grupos políticos?
E também isso. É uma lição difícil, mas necessária. Por que grupos políticos têm que deter canais variados de comunicação? E também a propriedade cruzada, outro problema que precisa ser discutido. Por que o grupo detém um sistema de comunicação de cabo a rabo? Toda essa regulamentação que estamos falando é necessária, existe em outros países. Nos países democráticos, ela existe de maneira rigorosa. Quando se fala em regulação, se quer fazer correlação com censura, essas besteiras. Não tem nada a ver. Na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, há regulação. Inclusive, nesses países, existe setor estatal televisivo forte, é outra discussão. Não tem problema nenhum. É algo extremamente necessário, previsto na Constituição.
-Qual é o posicionamento da Frente sobre a proposta do novo marco regulatório das comunicações e sobre o Plano Nacional de Banda Larga?
O Plano Nacional de Banda Larga já está em processo e tem nosso mais completo apoio, é algo absolutamente essencial. Estamos discutindo isso e queremos que ele seja acelerado porque é uma conquista da cidadania.
Queremos discutir o novo marco regulatório da mídia no Brasil. O código vigente de regulamentação é de 1962. O marco regulatório, na hora em que chegar à Câmara, nós vamos ver o que ele tem exatamente. Conversei recentemente com o ministro Franklin Martins, mas ele, por enquanto, não fala, se considera em quarentena, como de fato está, é da legalidade. Mas há um projeto nas mãos do ministro Paulo Bernardo que deve abarcar todos esses temas. O fato de o código brasileiro de telecomunicações ser de 1962 indica a caducidade da nossa legislação. Há quase 50 anos, quando esse cenário midiático era completamente outro, quando importante eram jornais e rádios. A televisão não tinha importância. Hoje, estamos em tempos de convergência digital, com quadro totalmente distinto, com papel extraordinário da comunicação eletrônica. Com um celular, você pode ter o mundo à mão.
Precisamos tratar dessa situação nova da mídia no Brasil. Para garantir força, por exemplo, para rádios comunitárias também, força a um setor público de comunicação, a ampliar o leque de proprietários da mídia, a permitir que múltiplas vozes estejam presentes nos discursos no Brasil. Não podem três ou quatro famílias ser as formuladoras da interpretação do Brasil sozinhas. Elas podem estar presentes, e estarão, mas é preciso que outras vozes estejam também.
-Por que o senhor considera que a mídia nacional não é democrática?
Tenho posição clara, o que nossa Frente vai definir exatamente é o consenso conquistado entre seus parlamentares. Nossa mídia tradicional, o grupo central da mídia hegemônica do Brasil, tem posição política não democrática. É só pegarmos a história recente do País, que vem de Getúlio para cá, se quisermos, e vamos observar essa mídia hegemônica atuando numa linha diversa da vida democrática. Há o livro do Flávio Tavares, “O Dia em que Getúlio Matou Allende”, em que ele revela como a mídia lutou para derrubar Getúlio, um governo democrático. Depois, como ela interfere diretamente para que o golpe militar ocorra. A mídia hegemônica participa diretamente da articulação do golpe.
-Grupos hegemônicos que continuam até hoje?
Que continuam até hoje. Participaram da articulação do golpe. Depois, sua conivência, sua complacência com a ditadura. Está lá no livro do Bernardo Kucinski, “Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa”. Ou em “Os Cães de Guarda”, da Beatriz Kushnir, um livro excepcional, que analisa a trajetória do Grupo Folha e sua relação com a ditadura.
Depois, vem o Collor e a força do encontro amoroso entre ele e a mídia, todo mundo sabe disso. Fiz um livro sobre isso, “Imprensa e Poder: Ligações Perigosas”. Mais tarde, vem a relação também profundamente acumpliciada entre a mídia e o Fernando Henrique, absolutamente amorosa também. Quando chega o Lula, há o combate sistemático, cotidiano, contra o projeto reformista e democrático de Lula e do Partido dos Trabalhadores.
-Parte da mídia não era apaixonada por Lula também não?
Na mídia onde? Se você me indicar alguém... Não tem! A mídia tem uma voz uníssona. Claro, cito exceções. O “Terra” sempre foi correto na cobertura. “Caros Amigos”? “CartaCapital”? Posso citar assim, mas, de resto, ela tem posição claríssima de combate ao Lula. Ela tem outro projeto político. Sempre digo que a mídia hegemônica e central, no Brasil, tem projeto político para o País, sempre teve. Ela sempre teve projeto político, e não podia ser o do Getúlio. Qualquer projeto reformista, ela é contra. Tem posição política, tem programa para o Brasil.
Os editoriais dos grandes jornais, no dia em que o Collor saiu (da Presidência da República), diziam: “nós consideramos que era o melhor projeto para o Brasil, infelizmente ele teve que sair. Embora ali ela tivesse um papel. Porque compreendeu que ele não construiu o consenso político. Depois, esse projeto foi levado à frente pelo Fernando Henrique”.
Na campanha passada, essa mídia tinha um candidato, que era o (José) Serra. A ponto de demitir gente que não concordava, cite-se o caso da (colunista) Maria Rita Kehl, que foi demitida pelo Estadão. Se a mídia dissesse "temos uma candidatura, vamos fazer um combate", como fizeram, tudo muito bem, mas não, fica a ideia de que há cobertura. Não tem cobertura. Tem posição política. É isso que precisamos discutir no Brasil. Que se permita a emergência de muitas vozes na cena nacional, que se possibilite fazer o contraponto ou que seja parte da democratização da vida brasileira. Se não, fica apenas uma visão das coisas. É preciso mídia policêntrica, e não pensamento único. O mundo eletrônico, com portais e tantos blogs, já começa a possibilitar essas vozes. Tudo isso vai contrabalançando, mas ainda é preciso ir muito além e ampliar o número de vozes na mídia.”
FONTE: reportagem de Eliano Jorge, publicada no portal “Terra Magazine” (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5079291-EI6578,00.html) [imagem do Google adicionada por este blog].
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