segunda-feira, 15 de setembro de 2014

COM MARINA, "HOMENS DE BENS" CONTROLARÃO O BC E O BRASIL



A terceira via neoliberal de Marina

Por Marcelo Zero, no blog de Paulo Moreira Leite:

"A primeira grande medida que Tony Blair adotou quando chegou ao poder foi dar independência ao Bank of England, o banco central inglês.

A medida não estava no programa de governo, mas Blair a adotou assim mesmo. Era uma forma de demonstrar que o New Labour, por ele representado, estava rompendo definitivamente com o “velho trabalhismo” e com a “antiga socialdemocracia”.

Essa ruptura não era apresentada, contudo, como uma adesão ao “thatcherismo” e à direita. Na realidade, Blair se apresentava como uma espécie de personificação da "Terceira Via", teorizada principalmente por Anthony Giddens, sociólogo britânico.

A Terceira Via, segundo Giddens e Blair, não era nem de esquerda e nem de direita. Estava, na visão deles, “além da esquerda e da direita”. Rompia com a socialdemocracia tradicional e com o velho trabalhismo, mas também representava uma ruptura com o neoliberalismo. Era algo profundamente novo, um “centralismo radical” que prometia, num grande esforço modernizador, adaptar a economia e a sociedade britânicas aos “novos desafios impostos pela globalização”, mantendo, no entanto, os valores permanentes da justiça social.

Em economia, Blair dizia que a abordagem da Terceira Via não era “nem o laissez faire, nem a interferência estatal”. Ao “Estado necessário”, nem mínimo, nem máximo, caberia o simples papel de sustentar o equilíbrio macroeconômico e promover a atividade empresarial, particularmente as “indústrias do futuro baseadas no conhecimento”. No que tange à esfera social, a Terceira Via faria revolução do "Welfare State", adaptando-o às novas necessidades da economia globalizada. Em vez de investir em redes de proteção “excessivas”, era preciso dar “empregabilidade” às pessoas, investindo em Educação e no empreendedorismo.

Com isso, asseguravam Blair e Giddens, a economia britânica aumentaria muito a sua produtividade, beneficiando igualmente empresários e trabalhadores.

No "Brave New World" proposto pela "Terceira Via" não havia mais conflitos de classes e nem a vinculação orgânica da socialdemocracia e do trabalhismo aos sindicatos e aos movimentos sociais. Não havia também alternativas à “economia de mercado globalizada”; e a desigualdade passou a ser algo aceitável, desde que baseada na “meritocracia”.

Completava esse novo mundo sem conflitos, livre das “velhas ideologias”, uma preocupação com as questões ambientais, que haviam sido relegadas a um segundo plano, segundo Giddens, tanto pela antiga socialdemocracia quanto pelo neoliberalismo thatcherista.

Entretanto, o que se viu, na prática, foi a adesão de Blair a todas as principais diretrizes políticas do thatcherismo. Seu governo persistiu no desmonte do sindicalismo britânico, na “flexibilização” do mercado de trabalho, na revisão [extinção] de alguns direitos previdenciários, nas privatizações e, sobretudo, na crescente desregulamentação do sistema financeiro, já sob a gerência “independente” do Bank of England.

Assim, o "New Labour" saiu do colo trabalhista dos sindicatos britânicos para o colo financeiro da City londrina.

Os resultados não foram bons. O índice de GINI do Reino Unido que, no início do thatcherismo, era de 0,240, aumentou para 0, 340, um dos maiores crescimentos da desigualdade nos países desenvolvidos. Embora a maior parte desse aumento tenha se dado na era Thatcher, a Terceira Via de Blair não conseguiu revertê-lo, e até propiciou um novo incremento. Na realidade, foi durante o período Blair que aumentou mais a renda do 1% mais rico e, particularmente, do 0,1 % mais afluente, renda essa muito vinculada à desregulamentação financeira.

Ao longo do período do New Labour, os que fazem parte do 0,1 % mais rico do Reino Unido aumentaram seus rendimentos 4 vezes mais que 90% da população britânica. Hoje, apenas as cinco famílias mais ricas do Reino Unido têm renda superior aos 20% mais pobres da população.

Além disso, houve “precarização” do mercado de trabalho, ao invés da prometida “empregabilidade”. Afinal, a estrela do crescimento econômico durante o New Labour foi o setor de serviços, particularmente os serviços financeiros, com decréscimo das indústrias.

A recessão, que varreu do mapa político o New Labour em 2010, com a derrota de Gordon Brown, sucessor de Blair, só fez piorar esse quadro social. Hoje, 1 em cada 5 britânicos são pobres e, pela primeira vez na história, a maior parte dos lares em condição de pobreza é habitada por indivíduos economicamente ativos, e não por pessoas que dependem da Seguridade Social. O problema maior está justamente no mercado de trabalho, que não gera empregos na quantidade e, principalmente, na qualidade necessárias para promover a ascensão social dos menos favorecidos. E isso ocorria antes mesmo da crise.

Tal descalabro econômico e social do New Labour e da Terceira Via foi complementado por um submisso alinhamento da política externa britânica aos interesses dos EUA, que levou a o Reino Unido a participar da farsa da invasão Iraque, fato que suscitou a abertura de um inquérito oficial sobre o assunto.

Enfim, a Terceira Via não passou de uma “carapaça ideológica para o neoliberalismo”, como disse o historiador britânico Perry Anderson. Foi assim no Reino Unido; e foi assim também nos EUA de Clinton e na França de Jospin.

Mas essa carapaça ideológica rompeu-se em todos os lugares, revelando a mesmice do pensamento único e a monotonia trágica das políticas conservadoras, associadas à crescente desregulamentação do capital financeiro. As mesmas políticas que provocaram a crise mundial de 2008 e que contribuem, hoje, para manter a recessão na maior parte do mundo industrializado.

Assim, nos países desenvolvidos a carapaça ideológica da Terceira Via atualmente não passa de uma malquista e malcheirosa carcaça política.

No Brasil, no entanto, há gente que quer ressuscitar essa carcaça político-ideológica, apresentando-a como uma grande novidade.

Como no Reino Unido de Blair, a candidatura Marina pretende conciliar políticas econômicas muito ortodoxas e pró-cíclicas com grandes avanços sociais. Pretende também conciliar desregulamentação financeira e econômica e a extinção de mecanismos estatais de estímulo ao crescimento, como o crédito público em áreas estratégicas, com o desenvolvimento.

Como no Reino Unido de Blair, a candidatura Marina pretende alinhar nossa política externa aos interesses dos EUA e aliados. Como lá, doura-se a pílula com um difuso e, por vezes, neomalthusiano ambientalismo. Como lá, afirma-se que a “nova” proposta está além da esquerda e da direita.

Ao contrário de lá, onde o New Labor promoveu grandes avanços no que tange aos direitos individuais, particularmente dos gays e outras minorias, aqui tais avanços teriam de passar pelo crivo de sumidades teológicas, como a do Pastor Malafaia.

Bastar ler o plano da candidatura Marina para ver o quanto ele se baseia numa leitura anacrônica das teses da finada Terceira Via. Mistura-se essa leitura anacrônica com uma leitura superficial de Manuel Castells e voilá!, temos a “nova política”. A milagrosa política que não é política, o partido que não é partido e as alianças de ocasião que não são “velha política”. A milagrosa política que vai mudar o sistema de representação apenas com a força dos “homens de bem” reunidos em redes, sem a necessidade de um reforma política com participação popular, como propõe a presidenta. Uma milagrosa reforma sem povo, garantida pelos “homens de bem” e pelos “homens de bens” que controlarão o Banco Central.

No plano, não há nenhuma pista sobre o porquê que a finada Terceira Via, que fracassou miseravelmente nos países desenvolvidos, num período de bonança econômica, teria sucesso aqui, um país em desenvolvimento, num período de forte e renitente crise mundial.

Afinal, lá era uma aposta nova numa Terceira Via. Aqui é somente a carcaça política de uma fracassada Paleovia.

A resposta talvez esteja em devaneios fora de lugar, e não na razão alicerçada no real conhecimento de um país chamado Brasil. Isso talvez explique porque a candidatura mude de posição constantemente sobre tudo.

Quem é muito “sonhático” acaba ficando muito errático. E sonho anacrônico acaba virando pesadelo."

FONTE: escrito por Marcelo Zero, formado em Ciências Sociais pela UnB e assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores. Transcrito 
no blog de Paulo Moreira Leite e no "Blog do Miro"  (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/09/a-terceira-via-neoliberal-de-marina.html#more) [Título e imagem do google adicionados por este blog 'democracia&política'].

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